Máfia das próteses: 4 anos após denúncia, vítimas ainda sofrem com sequelas
Médicos foram condenados nesta semana pela Justiça do DF. Vítimas reclamam das penas dadas aos réus e relatam ao Metrópoles a rotina de dor
atualizado
Compartilhar notícia
Quatro anos após as barbáries envolvendo a máfia das próteses virem à tona, 12 réus do processo oriundo da Operação Mister Hyde foram condenados pelo crime de organização criminosa. Para vítimas dos médicos, contudo, a decisão judicial divulgada nesta semana não estabeleceu a justiça que elas esperaram durante esses anos.
O grupo, denunciado em 2016, é acusado de fraudar planos de saúde e mutilar pacientes submetidos a cirurgias que muitas vezes eram desnecessárias. Com tantos impactos psicológicos sofridos, as vítimas ainda vivem dores que vão além das físicas.
As narrativas dos pacientes se encontram em muitos pontos. Cirurgias caras, malsucedidas e com equipamentos de baixa qualidade são só algumas das semelhanças entre as histórias. Após os procedimentos, alguns tiveram que deixar empregos, investir em tratamentos médicos duradouros e mudar radicalmente a rotina devido às sequelas que ainda perduram.
Seis pinos na lombar
Uma entre as várias vítimas é Emanuel de Jesus, 35 anos. Ele relata que foi operado na lombar pelo médico Marco Vasques, em abril de 2016. “Eu estava com fortes dores lombares. Procurei um hospital e os ortopedistas falaram que era questão de fisioterapia”, diz.
No entanto, Emanuel resolveu buscar uma nova avaliação e marcou uma consulta com Vasques. “Quando cheguei, ele já foi falando de cirurgia. Disse: ‘Eu sei o que estou falando, sou neurocirurgião’. Então fui convencido”, narra.
Segundo Emanuel, em cinco dias, o plano de saúde autorizou a operação. “Ele falou que seria uma cirurgia simples, mas durou 10 horas. Meus familiares pensaram que eu tinha morrido.”
Após a cirurgia em que os médicos colocaram seis pinos em sua lombar, Emanuel começou a sentir dores ainda maiores. Seis meses depois, ele fez uma tomografia e descobriu um parafuso no nervo ciático (que se inicia no final da coluna). “Voltei ao médico e ele falou que não poderia fazer nada, mas que me encaminharia para um amigo dele, o Rogério Damasceno”, acrescenta.
Rogério, que também foi condenado pela Justiça, teria recomendado, então, uma nova cirurgia a Emanuel. “Falou que cobraria R$ 150 mil, porque a anterior foi R$ 200 mil”. O paciente não chegou a fazer a segunda operação, “porque foi bem quando estourou esse escândalo e eu descobri”.
Atualmente, ele toma medicação todos os dias e segue com a perna esquerda lesionada. “Não consigo andar direito mais e tive que deixar meu emprego, no administrativo do Ministério da Saúde”, lamenta. “Achei pouca a pena que receberam. Pelo que fizeram com tantas vítimas, mereciam condenação muito pior”, considera.
Parafuso no joelho
Uma outra vítima (foto em destaque), 31, que pediu para não ser identificada, contou ao Metrópoles que fez uma cirurgia no joelho com Henry Campos, em 2011. Nove anos depois, a mulher ainda sofre com as sequelas deixadas pela operação.
“Fui em um primeiro médico que falou que meu problema de ligamento era questão de cirurgia, mas o plano não autorizou. Aí, fui no Henry e na hora que ele pediu a cirurgia foi autorizada”, lembra. “Tempos depois da operação, descobri que ele colocou um parafuso de titânio no meu joelho que está passando dois dedos do osso”, completa.
Em 2015, ela teve um rompimento no ligamento e marcou uma nova consulta. Henry, porém, teria dito que não poderia atendê-la, mas que a encaminharia a outro especialista. “Só que eu não quis. Procurei outra clínica e o médico disse que meu joelho estava todo detonado, faltando pedaço do osso”, destaca.
A mulher, então, fez uma nova cirurgia. “Fiquei dois meses sem andar, para fixar o enxerto, depois um bom tempo usando muleta. Ainda hoje, não posso fazer um monte de atividade”, comenta.
Devido às sequelas, a paciente, que é bióloga, não conseguiu continuar exercendo a profissão. Agora, ela estuda para ser professora. “Eu fiquei com artrose de grau 3 e talvez tenha que colocar uma prótese. Ainda fiquei com síndrome do pânico e faço tratamento psiquiátrico e psicológico”, enfatiza.
Para ela, a condenação dada aos réus não foi justa. “Minha perna direita está com cinco centímetros de diferença da outra. Justiça não foi feita, porque isso não repara os danos que eles nos causaram”, defende.
Máfia das próteses
O grupo criminoso teria movimentado milhões de reais em cirurgias, equipamentos e propinas. Donos da TM Medical, o médico Jhonny Wesley Gonçalves Martins e o empresário Micael Bezerra Alves receberam as penas mais altas. Apontados como líderes da organização, eles foram condenados a 5 anos e 3 meses de prisão.
Esposa de Jhonny Wesley, Mariza Marins foi condenada a 4 anos e 6 meses. Também receberam a mesma pena os médicos Rogério Gomes Damasceno, Wenner Costa Cantanhêde, Henry Greidinger Campos, Marco de Agassiz Almeida Vasques e Juliano Luiz Mendonça Cabral.