Mãe de Jessyka Laynara sobre júri de ex-PM: “Que pegue pena máxima”
Ex-soldado Ronan Menezes será julgado nesta segunda-feira (29/04/2019), em Ceilândia, pela morte da ex em maio de 2018
atualizado
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Os últimos dias têm sido de muita ansiedade e ainda mais sofrimento para a técnica de enfermagem Adriana Maria da Silva, 40 anos. Nesta segunda-feira (29/04/2019), o ex-policial militar do DF Ronan Menezes do Rego, 28, vai a júri popular, a partir das 9h. Ele é acusado de matar a filha de Adriana, Jessyka Laynara da Silva Souza, 25, em 4 de maio de 2018. “Quase um ano se passou, mas parece que foi ontem”, disse a mãe da jovem ao Metrópoles.
O ex-PM se entregou logo após o crime, ocorrido em Ceilândia. Será a primeira vez que Adriana verá novamente o algoz da filha depois da tragédia que se abateu sobre sua família. “Os quatro tiros que ele deu na minha filha acertaram em todos nós”, afirma a técnica de enfermagem, na véspera do julgamento de Ronan. Ela disse esperar pena máxima para o ex-soldado. “Não vai trazer minha filha de volta. Mas que pelo menos sirva de exemplo para que outros covardes e monstros pensem duas vezes antes de levantarem a mão para uma mulher”, afirmou.
Os sentimentos se misturam. Adriana sofre, se revolta, luta por justiça e chora a ausência de Jessyka. “Ele tirou o meu orgulho, minha princesa, sempre carinhosa com todos”, disse. Entre muitas mensagens, ela guarda a última que trocou com a filha pelo WhatsApp, no dia em que a jovem foi assassinada dentro de casa.
Adriana lembra que tinha marcado um almoço com Jessyka poucas horas antes de Ronan matá-la. A jovem chegou a pedir um Uber para a mãe. Mas como a técnica de enfermagem havia arrancado os dentes sisos, começou a sentir dor e mudou a programação. Resolveu ir direto para casa.
Foi Deus que me desviou. Por que teria entrado na frente da minha filha e ele tinha me matado. Depois, tirado a vida dela, que era o seu foco. Foi o último ‘Eu te amo’ que ela me mandou
Adriana Maria da Silva
Nesse sábado (27/04/2019), familiares e amigos de Jessyka fizeram uma manifestação em Ceilândia para pedir justiça. Na segunda, eles prometem ir vestidos de preto, em sinal de luto pela jovem, definida por conhecidos como muito carinhosa e estudiosa. Ela, inclusive, havia acabado de passar em um concurso do Corpo de Bombeiros e aguardava ser chamada.
A família não tinha conhecimento do relacionamento abusivo que Jessyka vivia com o ex-PM. A jovem escondia marcas de espancamento com maquiagem. Mas registrou em fotos e áudios as agressões, que foram encaminhados a uma amiga, poucos dias antes de morrer. Em um deles disse: “Nunca apanhei tanto”.
Ouças os áudios:
A mãe começou a perceber que algo mais sério estava acontecendo no dia 31 de março do ano passado, quando a filha viajou para Goiás. Ronan teria ligado para Adriana e disse que ia matar a jovem. Desesperada, a técnica de enfermagem entrou em contato com Jessyka por WhatsApp e disse que iria procurar a delegacia. “Ele passou de todos os limites”, disse Adriana, na ocasião. A jovem respondeu: “Não vai, mãe. Já falei com ele e a gente terminou”.
Poucos dias depois, a filha foi morta. “É um ser que não tem cura. Não tem arrependimento. Um dos últimos pedidos foi para que fosse ao julgamento com vestes normais em vez das roupas da cadeia”, contou Adriana. Advogada do acusado, Kelly Felipe Moreira confirmou que a solicitação foi feita, porém indeferida pela Justiça. Ela não quis adiantar a linha que será adotada no Tribunal do Júri de Ceilândia nesta segunda.
Para os promotores que atuam no caso, o crime foi cometido por motivo torpe, em razão do sentimento de posse que o acusado nutria em relação à ex, e de forma que dificultou a defesa da vítima, que foi atacada dentro de casa de maneira inesperada. Ronan Menezes do Rego permanece preso no Complexo Penitenciário da Papuda em um setor exclusivo para ex-policiais.
Os promotores também defendem a qualificadora de feminicídio, quando o crime é cometido contra mulher por razão da condição do sexo feminino, uma vez que envolve contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. Denunciado e vítima mantiveram relação íntima de afeto por cerca de seis anos.
Instrutor foi baleado depois
O crime ocorreu em 4 de maio de 2018 na QNO 15, em Ceilândia Norte. Jessyka foi morta a tiros pelo então soldado da Polícia Militar. Segundo testemunhas, Ronan não aceitou o término do relacionamento com a jovem. Após ameaçá-la e agredi-la por diversas vezes, o policial suspeitou que ela estava tendo um caso com o professor de academia Pedro Henrique da Silva Torres, 29. O PM foi até o local e atirou contra o rapaz. Levado ao hospital, o instrutor passou por cirurgia e conseguiu se recuperar.
Jessyka, no entanto, não teve a mesma sorte. Ronan foi até a casa onde ela morava com a avó e disparou quatro vezes contra a moça, que não resistiu aos ferimentos e morreu no local.
Ameaças de vazar vídeos íntimos
Antes de matar a ex-namorada, Ronan ameaçou vazar vídeos íntimos do casal. Quem fez a revelação foi a mãe da vítima, durante a primeira audiência do caso, realizada em 10 de agosto de 2018 no Tribunal do Júri de Ceilândia.
“Ele fazia chantagem. Dizia que estava com câncer, que ia se matar e ameaçou até divulgar vídeos íntimos dos dois”, contou a mulher.
Quem também testemunhou, na ocasião, foi o professor Pedro Henrique da Silva Torres. Segundo ele, quando descobriu que Ronan e a jovem tinham terminado, iniciou uma aproximação, mas não passou disso. “Nunca namorei com ela. Até gostaria, mas estávamos apenas trocando mensagens e nos conhecendo”, disse.
De acordo com Pedro, no dia do crime, Ronan chegou ofegante à academia com a arma na cintura. Ele teria passado por baixo da catraca e apontado a pistola contra ele. “Perguntou há quanto tempo eu estava com ela. Eu neguei. Ele disse que já tinha batido nela e eu ignorei. Ao virar as costas, ele atirou.”
Os tiros pegaram na mão e no abdômen do instrutor e atingiram de raspão o pé e o peito. Em decorrência das perfurações, ele sofreu lesões graves no intestino, estômago e teve de fazer uma intervenção cirúrgica a fim de remover a vesícula.
Avó presenciou crime
A avó, Madalena Honorato da Silva, presenciou a morte da neta. Disse que uma discussão inicial teria motivado a ira de Ronan. “Eles brigaram em casa. Mais tarde voltou e chamou pela Jessyka. Quando abri a porta, minha neta estava em choque encarando o Ronan, que apontava a pistola. Só consegui pedir para ela correr, mas ele atirou e a matou.”
Somente neste ano, nove feminicídios foram registrados no Distrito Federal. O caso mais recente de violência que chocou os brasilienses foi o de Cácia Regina Pereira da Silva, 47. Ela está internada em estado grave no Hospital Regional da Asa Norte (Hran) após o ex jogar ácido sulfúrico em seu corpo. O acusado tirou a própria vida depois, em Sobradinho.
Neste 2019, o Metrópoles inicia um projeto editorial para dar visibilidade às tragédias provocadas pela violência de gênero. As histórias de todas as vítimas de feminicídio do Distrito Federal serão contadas em perfis escritos por profissionais do sexo feminino (jornalistas, fotógrafas, artistas gráficas e cinegrafistas), com o propósito de aproximar as pessoas da trajetória de vida dessas mulheres.
O Elas por Elas propõe manter em pauta, durante todo o ano, o tema da violência contra a mulher para alertar a população e as autoridades sobre as graves consequências da cultura do machismo que persiste no país. Desde 1° de janeiro, um contador está em destaque na capa do portal para monitorar e ressaltar os casos de Maria da Penha registrados no DF. Mas nossa maior energia será despendida para humanizar as estatísticas frias, que dão uma dimensão da gravidade do problema, porém não alcançam o poder da empatia, o único capaz de interromper a indiferença diante dos pedidos de socorro de tantas brasileiras.