Letícia, advogada morta no DF, aguardava nomeação no STJ e no MPU
Funcionária terceirizada do Ministério da Educação era estudiosa e muito dedicada à família. Ela havia passado em dois concursos públicos
atualizado
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“Querida, religiosa, muito disciplinada e obstinada.” É assim que amigos próximos descreveram ao Metrópoles o perfil da advogada Letícia Sousa Curado (foto em destaque), desaparecida na última sexta (23/08/2019) e encontrada morta nessa segunda-feira (26/08/2019), em Planaltina, cidade onde foi criada. De acordo com a Polícia Civil (PCDF), o assassino, Marinésio dos Santos Olinto, de 41 anos, confessou o crime.
Extremamente estudiosa, a jovem, 26 anos, era funcionária terceirizada do Ministério da Educação (MEC) – onde prestava assessoria jurídica –, mas comemorava o fato de ter sido aprovada no último concurso para analista judiciário do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e também para o Ministério Público da União (MPU).
Letícia concorreu nas vagas reservadas para pessoas com deficiência, por ter sido diagnosticada com um problema grave de visão, o qual a impedia de dirigir. Ela aguardava ser convocada pelos órgãos.
“Ela estava tão bem, fazendo pós-graduação, e tinha conseguido até uma bolsa… Estava com um emprego legal, mesmo terceirizada. A mãe já é advogada, e a Letícia queria seguir a mesma profissão. E conseguiu. Ela era muito focada e responsável. É muito triste receber essa notícia”, disse uma amiga da família que preferiu não se identificar. A vítima estava cursando, no período noturno, o primeiro ano de pós-graduação na Escola Superior do Ministério Público da União.
Após escolher a mesma profissão da mãe, Kênia Pereira de Sousa, principal responsável pela criação da jovem, Letícia conquistou a carteira de advogada no último dia 13 de maio, em cerimônia na seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF). “Este momento representa, talvez, o degrau mais alto para um sonho: trabalhar como defensora”, revelou na oportunidade. “Foi difícil chegar até aqui. Estou muito emocionada”, emendou Letícia na solenidade, a qual considerou “uma das mais importantes da vida”. As declarações foram dadas em reportagem do site da OAB-DF.
O assassinato brutal também repercutiu na OAB-DF, que, em nota, lamentou o episódio. “Eu vi essa menina [Letícia] aqui, no dia em que ela recebeu a carteira de advogada, e ela me chamou muita atenção pela beleza. Sabe aquela pessoa que irradia num lugar? Era ela”, lembrou uma das funcionárias da entidade ao Metrópoles. A moça pediu para não ter o nome divulgado.
Letícia foi uma entre os 67 bacharéis que receberam, no auditório da OAB-DF, o documento que lhes dá o direito de advogar. O tempo, contudo, foi curto para ela frequentar os tribunais como profissional. “Estava na melhor fase da vida dela, não tinha como isso ter acontecido. Acabou de passar na OAB e em mais dois concursos públicos. Estava só esperando ser chamada. Tinha conseguido um trabalho no MEC. Estava muito bem”, comentou o bombeiro Leandro Marra, 30 anos, casado com uma prima de Letícia.
Religião
Embora tivesse na mãe a melhor amiga, Letícia desagradou a genitora ao se converter do catolicismo para a religião evangélica. “A mãe dela ficou bem chateada, porque é católica fervorosa. Mas, fora isso, as duas tinham uma relação muito próxima”, lembrou a amiga. Letícia não contou com a presença constante do pai durante a criação. “Eles eram distantes, mas com a mãe era diferente: eram grudadas. Kênia está destruída”, lamentou.
A vítima só tinha irmãos por parte paterna, mas eles não mantinham muita proximidade. “A responsável pelo que sou. Hoje é Dia dos Pais, mas ela foi pai e mãe! Então, honrai pai e mãe – e as ‘pães’! Quando se trata de amor, temos de sobra! Que Deus nos conserve assim! Eu te amo! Eternamente grata pela mãe maravilhosa que você é”, escreveu na conta pessoal do Instagram, no início do mês.
Amigos e conhecidos também exaltam as qualidades da jovem assassinada pelo serial killer Marinésio, assim classificado pelos investigadores. “Tão jovem, cheia de sonhos, com uma vida toda pela frente. Volto no tempo e a vejo nas aulas do Espaço Campus e também ao meu lado na campanha de 2018, fazendo toda a diferença. Linda, inteligente, tão feliz… É a melhor lembrança que tenho”, escreveu o deputado federal Professor Israel (PV-DF), para quem Letícia trabalhou nas últimas eleições.
Família
Letícia estava casada havia cerca de oito anos, com o educador físico Kaio Fonseca, 25, um dos únicos namorados que teve. Além do período oficial, ainda namoraram por um tempo. Com ele, teve um menino, hoje com cerca de 3 anos, que mora no apartamento do casal, no bairro de Arapoanga. A família vive em um cômodo que está em construção, dentro de um prédio erguido pelo pai de Kaio. Embora tenha aspecto simples, a casa mantinha a energia de quem estava crescendo na vida, segundo amigos.
Nas redes sociais, Letícia não poupava declarações de amor à mãe e também as fazia ao filho e ao marido. “Quando você casa com quem te olha assim… Feliz aniversário, amor! Que Deus te abençoe e proteja sempre! Obrigada por me motivar e estar sempre ao meu lado! Que seus sonhos se realizem! Te amo”, escreveu ela em homenagem ao aniversário do companheiro, comemorado em setembro.
O filho, de quem não costumava se desgrudar, também recebia homenagens constantes da mãe pelas redes sociais. “Meus traços nos seus traços, seu tipo sanguíneo igual ao meu, seu coração já esteve dentro de mim, éramos unidos por um cordão, toda a ciência e biologia nunca explicará a perfeição de Deus! Presente que Deus me concedeu, ter, viver e aprender. Ser mãe do ‘homem de Deus que é senhor do lar’ significa milagre!”, registrou em uma publicação. “Por esse sorriso que eu vou sempre lutar!”, publicou como legenda em outra foto, na qual ela aparece com o pequeno.
“Mãe exemplar”
Para poupar o filho do casal da tragédia, o pai o levou para a casa de uma tia, um dos locais preferidos do menino, onde ele costuma passar vários fins de semana. “Ele ainda não perguntou pela mãe porque tem o costume e adora ficar na casa dessa tia. Eu pedi para levarem um monte de brinquedos dele para lá e entrei em contato com alguns primos para que eles também levassem os filhos para brincar com ele. Mas eu tenho certeza, assim que ele pisar aqui em casa, a primeira pergunta vai ser: ‘Cadê a mamãe?’”.
Kaio disse que ela era uma mãe exemplar e que só partia para os compromissos de trabalho após, logo cedo, embarcar o filho no transporte para a creche. “Acho que eu não vou ter palavras se eu me encontrar com ela de novo. A saudade é grande e ninguém espera passar por isso. Minha vontade é de abraçar, tocar, sentir que ela está viva. É atrás disso que a gente corre. Se tivesse acontecido algo mais grave, creio que a polícia nos teria avisado”, disse Kaio antes de saber o fim trágico da esposa.
Confirmação do assassinato
A Polícia Civil encontrou o corpo de Letícia na tarde dessa segunda-feira (26/08/2019). De acordo com fontes policiais, o suspeito, que foi preso na madrugada de domingo (25/08/2019), levou os investigadores ao local do crime. O cadáver estaria dentro de uma manilha perto da fábrica de sementes Pioneer, na DF-250. À PCDF, Marinésio teria dito que conhecia a vítima de vista. Relatou ter parado no ponto de ônibus e oferecido carona para a jovem até a rodoviária do Paranoá. Ela teria aceitado e, no caminho, o homem teria assediado Letícia, que recusou a investida.
Marinésio, então, teria esganado a funcionária do MEC até a morte e desovado o corpo dela em manilha situada às margens de uma estrada que fica na região do Vale do Amanhecer, em Planaltina. Após matar a mulher, conforme confessou, furtou os pertences pessoais de Letícia, segundo fontes da PCDF. A movimentação de policiais e familiares da vítima no local era grande por volta das 16h30.
Há imagens de circuito de segurança que mostram Letícia entrando no veículo do acusado em uma parada de ônibus no Setor Arapoanga, após uma rápida conversa entre eles, de 10 segundos, na manhã dessa sexta-feira (23/08/2019).
O delegado Fabrício Paiva, chefe da 31ª DP (Planaltina), informou que a funcionária do MEC foi sozinha até a parada de ônibus, de onde seguiria para o trabalho, na Esplanada dos Ministérios. Ela havia combinado de almoçar com a mãe por volta das 12h. Como Letícia não apareceu, a família começou a ligar e mandar mensagem para a jovem, mas o telefone estava desligado.
O aparelho foi encontrado no banco de trás do carro de Marinésio. A Polícia Civil ainda não definiu os crimes pelos quais o assassino confesso responderá, mas fontes da corporação informaram o Metrópoles de que, a depender das apurações, o suspeito pode ser indiciado por feminicídio, roubo, ocultação de cadáver e, se a perícia confirmar, violência sexual e estupro.