Leitura perdida: no DF, só 26% das escolas públicas têm bibliotecas
Pesquisa aponta que somente 18% das unidades da rede pública de ensino possuem laboratório de ciências
atualizado
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“Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê.” A frase é uma das mais famosas do escritor brasileiro Monteiro Lobato. O estímulo à leitura deveria, sim, ser regra na educação básica no Brasil, mas, infelizmente, é na contramão do pensamento que caminha o país. No Distrito Federal, somente 26% das escolas públicas têm bibliotecas. Os dados, da pesquisa do instituto Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), com base em informações coletadas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2021, revelam que a cada 100 unidades da rede de ensino, apenas 26 oferecem o espaço de leitura.
O percentual de bibliotecas à disposição dos alunos no DF em 2021 foi inferior à média nacional, estimada em 31%. No entanto, de acordo com o levantamento, 79% das escolas locais oferecem um ambiente adaptado para estudos, as chamadas salas de leitura. Nesse tópico, o índice no Brasil é de apenas 23%.
A Escola Classe Juscelino Kubitschek foi inaugurada em 13 de fevereiro de 2020, no Sol Nascente, comunidade carente que fica a 35,4 km da área central de Brasília. Projetada por profissionais de educação, a unidade abriu as portas com uma sala de leitura multiuso, para vídeo, artes e laboratórios. Mas em 2021, grande parte dos espaços foi fechado e convertido em novas salas de aulas.
“A sala de leitura foi solicitada para ser uma sala de aula por conta da demanda de estudantes aqui nesta região do Sol Nascente. Infelizmente, tivemos que abrir mão da sala de leitura, da multiuso e dessa de vídeo”, contou a diretora Marilda Rosa Coelho.
Segundo a educadora, a escola foi construída para atender inicialmente 800 alunos. No entanto, o colégio tem atualmente 1.050 estudantes matriculados. Para Marilda, a ausência do espaço de leitura faz uma falta enorme para a educação dos alunos.
Escola respira leitura
“Uma escola respira escrita e leitura. E tudo isso perpassa pelo acesso a ferramentas para contribuir com os processos de alfabetização e letramento das crianças. É uma perda para a organização do trabalho pedagógico dos professores, da escola e dos alunos. E, principalmente, porque a escola fica em uma região de alta vulnerabilidade. Muitas vezes essas crianças não têm acesso a livros nas suas residências, não têm estímulo para a leitura”, assinalou.
De acordo com a diretora, a comunidade cobra a volta de um espaço de leitura. A unidade tem, inclusive, um acervo de livros. Por isso, a educadora espera resgatar a sala de leitura em 2023 para o processo de aprendizagem dos estudantes.
“Como gestora escolar, compreendo a importância de receber as crianças. A escola não se opõe a receber alunos. Mas a gente precisa garantir a qualidade da educação ofertada. Mesmo estando em uma comunidade carente, não devemos sobrecarregar a escola com matrículas. O que precisa ser pensado mesmo é a construção de novas escolas”, argumentou.
Falta de profissionais
A Escola Classe Estância de Planaltina leciona para 640 alunos. A unidade conta com uma sala de leitura (foto em destaque). Mas, segundo o diretor do local, Flávio Lúcio da Rocha, o espaço não tem um profissional especializado, um biblioteconomista, para organizar o acervo, ajudar as crianças na leitura e apoiar os professores na execução do projeto pedagógico com os livros.
“A gente não tem um profissional responsável pela sala de leitura. Temos profissionais readaptados e pessoas que se dispõem a nos ajudar”, comentou. De acordo com o educador, tão importante quanto a sala de leitura ou a biblioteca é a presença de profissionais capacitados para gerenciar a logística do acervo e orientar o espaço para despertar a curiosidade das crianças para a leitura. Além disso, um biblioteconomista pode orientar os professores. Dessa forma, o aproveitamento dos livros fica acima de 90%.
“A leitura é crucial, tanto na questão pedagógica do aprendizado e do processo de alfabetização, quanto em dar condição para que a criança possa sair do plano em que ela vive e navegue na história, nos contos, na literatura. E, ao mesmo tempo, é um exercício que a criança está fazendo junto ao processo de alfabetização. Ela começa com figuras, depois para as letras grandes, livros de contos e, quando você percebe, ela já está na literatura”, pontou.
Rocha busca formar novos leitores em cada turma. “Leitura traz informação. E informação é o que move o mundo”, resumiu. A escola tem laboratório de informática. Mas também carece de um profissional capacitado para o espaço digital. “Não ter o profissional faz muita falta”, concluiu.
Interesse na leitura
Os 439 alunos do Centro de Ensino Médio Integrado (Cemi) do Gama têm acesso a uma biblioteca. “Graças a Deus, com apoio de emendas parlamentares e com a Coordenação Regional de Ensino do Gama, nós conseguimos equipar ela de maneira fantástica, com um acervo legal. Nós perguntamos aos alunos quais eram os interesses deles de leitura”, destacou o diretor da unidade, Lafaiete Formiga.
Do ponto de vista do educador, neste tempo marcado pela tecnologia, e o acesso às redes pela tela do celular, a leitura de livros é um diferencial positivo para a educação das crianças. “O estudante pode até ler pelo celular, mas ele perde o foco. Por exemplo, ele está lendo e aí chega uma mensagem. A leitura pelo livro é mais comprometida”, argumentou.
Na avaliação do diretor, os alunos que leem livros conseguem aprender mais. “O aluno que mais lê se sai melhor, sempre está em destaque na escola, nas feiras de ciência”, explicou.
Mapeamento
O estudo conduzido pelo Iede também mapeou outros pontos relevantes da infraestrutura da rede pública de ensino. Por exemplo, só 18% das escolas públicas do DF contam com laboratórios de ciências. Na média brasileira, apenas 10% dos colégios possuem esses espaços pedagógicos.
Laboratórios de informática e quadras de esporte estão presentes em 61% e 72%, respectivamente, das unidades no DF. As médias nacionais são de 33% para laboratórios digitais e 35% para espaço destinado a atividades físicas. Segundo o estudo, 82% das escolas da capital federal têm acessibilidade, bem acima do índice brasileiro, que fica em 40%.
Falta de investimento
Para o diretor do Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF), Samuel Fernandes, infelizmente falta investimento do governo nas escolas públicas.
“Todas as escolas deveriam ter bibliotecas e laboratórios de informática, mas essa realidade está bem distante. Muitas escolas desativaram esses espaços para transformar em sala de aula, pois aumenta o número de alunos todos os anos e novas escolas não são construídas”, argumentou.
Segundo Fernandes, nas poucas unidades educacionais que têm biblioteca não há um acervo nem espaço adequado para atendimento aos alunos. Quando sim, há um laboratório de informática. “Os equipamentos são obsoletos, pois falta recursos para modernização deles a fim de atender adequadamente os alunos”, arrematou.
Outro lado
O Metrópoles entrou em contato com a Secretaria de Educação. O espaço segue aberto para eventuais manifestações da pasta.