Lava Jato: doleiro do DF integrava esquema bilionário de lavagem
Preso nesta quinta, Francisco Junior, o Jubra, era responsável pelo transporte de dinheiro em espécie entre diversos estados da Federação
atualizado
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Um dos alvos da Operação Câmbio, Desligo, realizada nesta quinta-feira (3/5) no âmbito da Lava Jato, é o doleiro Francisco Araújo Junior (foto de destaque), mais conhecido como Jubra. Morador do Park Way, ele se apresentava como consultor para economia e finanças e tinha como vizinhos e clientes políticos, empresários e advogados. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), apenas entre os anos de 2011 e 2017, movimentou pelo menos US$ 2,9 milhões (cerca de R$ 10,2 milhões). Ele também levava dinheiro vivo, em automóveis, Brasil afora.
A suspeita é que Junior tenha levado à Bahia os R$ 51 milhões encontrados no bunker do ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB), no ano passado. De acordo com as investigações, ele era responsável pelo transporte de valores em espécie entre diversos estados da Federação, como São Paulo, Alagoas, Bahia e Rio de Janeiro. Para administrar o negócio, mantinha um escritório em endereço nobre do Setor de Autarquias Sul, próximo à sede da Polícia Federal e da Receita Federal.
Ele foi levado de camburão à Superintendência da Polícia Federal, no Setor Policial Sul, por volta das 8h30. Contra ele foi expedido mandado de prisão preventiva.
Jubra, junção de Junior com Brasília, ganhou projeção no cenário nacional da lavagem de dinheiro ao herdar boa parte da carteira de clientes de doleiros famosos do DF, entre eles Fayed Traboulsi e Carlos Habib Chater.O operador brasiliense foi citado nas delações dos doleiros Vinícius Vieira Barreto Claret, o Juca Bala, e Cláudio Fernando Barboza, o Tony. Os dois fazem parte da organização criminosa chefiada pelo ex-governador Sérgio Cabral (MDB). Eles foram presos em 3 de março de 2017, no Uruguai, e trazidos para o Brasil.
Cláudio Barboza afirmou ter sido apresentado a Junior pelo operador Lucio Funaro. E passou a usá-lo como fornecedor em 2008, para serviços de transporte e logística de recursos. O delator revelou que já comprou US$ 1,2 milhão de Junior no exterior e vendeu US$ 850 mil para ele. Citou, ainda, pagamentos, em 2013, para manutenção de aeronave no exterior para a empresa Bravan Aviation Inc, no Bank of America.
Veja um trecho da delação:
Claret reforçou os serviços prestados por Jubra em sua delação ao dizer que a especialidade dele era transportar dinheiro em espécie, para qualquer parte do Brasil, em automóveis (confira abaixo). De acordo com ele, o doleiro brasiliense realizava entregas em Alagoas, Bahia, Pernambuco, Belo Horizonte, Curituba, Porto Alegre, além de Brasília.
Dólar-cabo
As transações eram feitas no chamado sistema Bank Drop. Os doleiros remetem recursos ao exterior por meio de uma ação conhecida como dólar-cabo, um tipo de câmbio paralelo que envolve depósitos em contas de diferentes países, não rastreável pelo Banco Central. Os operadores recebem no Brasil e compensam em contas no exterior, sem registro, sem controle e, portanto, sem pagamento de impostos.
Ao embasar os pedidos de prisão de Jubra e mais 43 doleiros, o MPF destacou que o esquema envolvia mais de três mil empresas de offshore, distribuídas em 52 países, movimentando mais de US$ 1,6 bilhão.
Com base nas delações, Jubra atuava em conjunto com Afonso Fábio Barbosa Fernandes, outro alvo de mandado de prisão. Falcão, como era conhecido, tinha a responsabilidade de transportar os recursos. As investigações do MPF apontam que os dois são sócios na Jee Construtora. Junior também seria dono da empresa Posto Parque Alameda e Derivados de Petróleo.
Porém, informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontam operações consideradas suspeitas, envolvendo movimentação de recursos incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica do posto. Bem como transações atípicas em espécie e “sem informações satisfatórias” da origem dos recursos na conta de Falcão, inclusive depósito em dinheiro no montante de R$ 212,2 mil.
Tais constatações nos levam a inferir o alto grau de importância dos investigados na geração de recursos espúrios para pagamento de propina a servidores públicos e agentes políticos, além de envolvimento com lavagem de dinheiro no exterior, sendo devido o acolhimento das medidas vindicadas em desfavor dos mesmos
Trecho da decisão do juiz federal Marcelo Bretas, que autorizou a operação desta quinta
Câmbio, Desligo
A operação desta quinta contou com o apoio de autoridades uruguaias e desarticulou um esquema de movimentação de recursos ilícitos no Brasil e no exterior por meio de operações dólar-cabo, entregas de dinheiro em espécie, pagamentos de boletos e compra e venda de cheques de comércio.
Foram expedidos 43 mandados de prisão preventiva contra doleiros que atuaram ao longo de décadas de forma interligada em diferentes núcleos dessa rede de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Também foi determinada a prisão temporária de operadores financeiros. Os mandados foram cumpridos no Uruguai e no Distrito Federal, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, em São Paulo e Minas Gerais.
As investigações partiram da colaboração premiada dos doleiros Vinícius Claret e Cláudio Barboza. Eles intermediavam operações dólar-cabo para os irmãos Chebar, também doleiros e operadores financeiros do esquema de Sérgio Cabral. Em colaboração premiada, Renato Chebar reconheceu que o volume de operação de compra de dólares aumentou consideravelmente a partir do início da gestão do emedebista, em 2007, motivo pelo qual foi necessário buscar os recursos de Claret e Barboza para viabilizar as operações.
“Os dois funcionavam como verdadeira instituição financeira, fazendo a compensação de transações entre vários doleiros do Brasil, servindo como ‘doleiros dos doleiros’, indicando clientes que necessitavam de dólares (compradores) e reais”, explicam os procuradores da República da força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro.
Junto com Dario Messer, dono de casas de câmbio, eles montaram uma complexa rede cambial paralela sediada inicialmente no Brasil e, a partir de 2003, no Uruguai, de onde comandavam remotamente os negócios.
Os dois doleiros tinham um volume diário de operações nos anos de 2010 a 2016 de aproximadamente R$ 1 milhão. Para controlar as transações, os colaboradores desenvolveram um sistema informatizado próprio, de nome Bank Drop. Outro sistema, chamado ST, registrava todas as operações de cada doleiro como uma espécie de conta-corrente e foi utilizado para controlar a movimentação dos recursos tanto no Brasil quanto no exterior. (Colaborou Carlos Carone)