Justiça garante a aluna lactante acesso a aulas remotas de Direito. Vídeo
Decisão inédita abre repercussão para outras mães universitárias busquem como continuar os estudos sem deixar de cuidar das crianças
atualizado
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Em decisão inédita em 2ª instância, a Justiça garantiu a uma universitária lactante acesso a aulas remotas de Direito no Distrito Federal. A sentença abre precedente para outras estudantes com bebês.
Karênina Alves da Silveira, de 35 anos, é mãe de Charlotte Sophia, 5, e de Maria Antonella, de apenas 4 meses. Meses antes do nascimento da caçula, a universitária decidiu continuar com os estudos.
“Pensei no futuro das minhas filhas. Quero que elas usufruam desse direito: se quiser ser mãe, pode ser universitária também. Elas não passarão pela mesma situação que eu”, afirmou.
Veja:
Karênina estuda em uma universidade particular com robôs e tecnologia para a transmissão de aulas síncronas. As ferramentas foram inclusive oferecidas aos alunos durante a fase crítica da pandemia de Covid-19.
“Eu comecei a sentir as dificuldades do que é a gente vir para a faculdade com a barriga grande. Não tendo uma cadeira adaptada, o tempo de transporte, envolvendo risco de colisão. Tudo isso começou a me incomodar”, contou.
Logo após o nascimento de Maria Antonella, no primeiro semestre de 2023, a estudante pediu para continuar estudando no regime especial de frequência.
Omissão
“Quando entrei no regime especial, senti, percebi e vivi a omissão dos professores em relação a me passar conteúdos. Um em específico não disponibilizou qualquer material para mim”, revelou.
Para Karênina, mulheres em estado de gestação e puerpério estão em situação especial. Mesmo assim, após cobrar providências da faculdade, a estudante precisou batalhar para ter acesso ao conteúdo.
“Fui fazer a prova à noite com minha filha quando ela tinha 2 meses, porque sair com criança de dia é difícil. Moro em Águas Claras, e o trânsito é complicado. E o professor me deixou esperando uma hora. Não tinha prova”, relatou.
A universitária se sentiu profundamente desrespeitada. Mas voltar para as aulas presenciais estava fora de cogitação. “Como vou ficar em sala de aula com uma bebê? Tem o trânsito, e a aula começa às 8h e vai até 11h40”, ponderou.
De acordo com Karênina, não há local adequado para amamentação na faculdade. “Como vou assistir à aula com uma criança no colo? Não é só sobre mim. É sobre a criança, os professores e os colegas.”
A estudante lembrou dos robôs para transmissão das aulas remotas. No entanto, apesar da tecnologia estar à disposição, o pedido para ter aulas remotas foi negado.
Mãe estudante
“Não queria trancar. Porque, se a faculdade não é um local que possa ir com minha bebê, que depende de mim para mamar, a faculdade não é um local de mãe. Se não é um local de mãe, não é um local para mulheres. O fato de eu ser mãe não pode ser empecilho para eu ser uma universitária, uma estudante. Eu quero um direito seguro pela Constituição: o direito de estudar. Não facilidade nenhuma para as mães universitárias. É como se fossemos cartas fora do baralho. Não existe inclusão”, comentou.
Em conversa na coordenação do curso, Karênina expressou todo o seu descontentamento. “Disse que na primeira vez na vida senti o que era o preconceito. Ser vítima de preconceito não é só não ser bem quisto. É não ter a possibilidade de estar no local”, lembrou.
Em conversa com outras mães universitárias matriculadas em outras faculdades, a estudante ouviu relatos semelhantes. Muitas amigas inclusive desistiram. Karênina não aceitou a “sentença”. “Faculdade deve se tornar um local de mãe. Mãe é um ser humano como qualquer outro. A gente dá a vida e cuida dessa vida. Não posso abrir mão da minha filha, e ela não pode de mim”, arrematou.
Inspiração
Ainda durante a gravidez, Karênina ficou impressionada ao ver a advogada Lenda Tariana Dib Faria Neves com a sua filha, em palestra de Direito da Família. A estudante decidiu procurar a advogada e entrar na Justiça para ter acesso às aulas remotas.
A ação, formulada pelo escritório em que Lenda é sócia, o Amaury Nunes Advogados, foi indeferida na 1ª instância, mas foi acolhida em 2ª pelo desembargador Fernando Antônio Tavernard Lima.
Lei ultrapassada
Na avaliação de Lenda, o regime especial é respaldado por uma lei ultrapassada de 1975. Segundo a advogada, professores apenas abonam faltas e não transferem de fato o conteúdo. Antes da ação judicial, Karênina ainda apresentou laudos médicos reforçando a necessidade das aulas remotas. Mas os documentos foram ignorados.
“Essa mãe não quer o abano na falta. Ela quer o acesso ao ensino. A gente entende que estava havendo uma negligência com o ensino daquela mãe. Ela não tem opção. Ela não tem outro caminho para seguir. Ou ela assiste aula de casa ou tranca a faculdade. E a minha cliente foi extremamente constrangida”, comentou Lenda.
Para a advogada, a sentença é inédita e uma conquista de todas as mulheres. “Abre um precedente. Nunca aconteceu isso. Não achei um caso no Brasil”, reforçou.
Para Lenda, a gravidez não pode ser mais motivo para mulheres paralisarem suas vidas. “É preciso adaptar. Não faz sentido essa mãe trancar a faculdade e perder meses da vida porque ela tem que amamentar o bebê. O direito à educação e direito à amamentação são constitucionais. A gente não vai mais aceitar ficar à margem, ficar inviabilizada”, sugeriu. A decisão repercute para todos os cursos.