TJDFT adia mais uma vez decisão sobre nulidade de licitação de ônibus
Desembargadores analisam anulação dos contratos de três das cinco empresas que rodam no Distrito Federal, por indícios de irregularidades
atualizado
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Um novo pedido de vista adiou mais uma vez a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) sobre a nulidade da licitação de empresas de ônibus no DF. A 3ª Turma Cível havia retomado, nesta quarta-feira (19/9), a análise do recurso contra decisão que cancelou contratos de três das cinco companhias atuantes na cidade. No entanto, o presidente da sessão, desembargador Flávio Rostirola, decidiu pedir mais tempo para apresentar o seu voto – o último do julgamento.
Segundo o magistrado, a anulação imediata dos contratos afetaria um “sistema muito complexo” e poderia ocasionar demissão em massa de 12 mil trabalhadores do transporte público local.
Em 2016, o TJDFT suspendeu, em primeira instância, a concorrência pública. Além disso, deu prazo de 180 dias para o Governo do Distrito Federal (GDF) promover novo processo licitatório para todo o sistema viário. Porém, o GDF e as empresas Marechal, Pioneira e Piracicabana, partes da ação, recorreram da decisão e conseguiram um efeito suspensivo.
Nas sessões anteriores, dois dos quatro desembargadores haviam votado pela nulidade dos contratos com as empresas Piracicabana, Pioneira e Marechal. Nesta quarta, o magistrado Luis Gustavo Barbosa de Oliveira, que havia pedido vista na última sessão, votou pela anulação de todos os vínculos, inclusive com as companhias não alvejadas pelo processo: a São José e a Urbi.
Com três dos quatro votos apresentados, há um entendimento majoritário pela anulação de três contratos. No entanto, os magistrados ainda podem mudar de opinião até a proclamação do resultado.
Divergências
Barbosa de Oliveira defendeu o cancelamento imediato da licitação. Segundo ele, é vedada a participação de pessoas jurídicas no certame. “Houve tentativa de burlar o que estaria no edital, e a lei estabelece a nulidade de todos. Se tentássemos fazer diferente, estaríamos afundando a legislação”, argumentou.
O presidente da sessão contra-argumentou. Rostirola destacou que o poder público não tem capacidade de fazer contratação emergencial neste momento, pois o transporte coletivo público é um sistema contínuo e complexo. “Nós do Judiciário precisamos ter prudência. Haveria demissão em massa, enorme dano ao erário, além de ações bilionárias”, pontuou.
O procurador do DF Gustavo Assis demonstrou confiança em uma reviravolta. “A discussão está aberta. Acreditamos na possibilidade de reverter e reconhecer a legalidade dos contratos”, avaliou. O defensor também analisou a condução do caso pelo colegiado como forma de preservar a continuidade do sistema.
Relembre o caso
Ação popular ajuizada pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Abradec), em 2013, apontou irregularidades na licitação feita dois anos antes. Segundo a autora, houve direcionamento do resultado.
A acusação indicou ainda que a gestão do ex-governador Agnelo Queiroz (PT) havia contratado o advogado Sacha Reck como consultor jurídico da concorrência pública. Porém, simultaneamente, ele teria formulado as propostas das empresas vencedoras, pertencentes ao grupos Constantino e Gulin, com objetivo de favorecê-las.
De acordo com a ação popular, não houve contrato formal para o serviço de consultoria, em desacordo com a Lei de Licitações: “O advogado Sacha Reck extrapolou as funções de consultor, atuando em todas as fases da concorrência, elaborando e julgando propostas, orientando recursos e habilitações, emitindo pareceres técnicos decisivos e contrários aos recursos interpostos pelos concorrentes”.
À época, as empresas negaram vínculo advocatício com o consultor. Reck reforçou a versão das companhias, em entrevista exclusiva ao Metrópoles, às vésperas de depoimento na CPI dos Transportes instaurada na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).
Por sua vez, o GDF alegou que “não foi violada qualquer regra que discipline o procedimento licitatório, bem como os princípios que regem a administração pública foram solenemente obedecidos”. O governo ainda argumentou que a atuação do escritório de advocacia teria se limitado a mera consultoria, “inexistindo submissão compulsória da Comissão de Licitação às opiniões emitidas”.
Reck também teria atuado de forma semelhante no estado do Paraná, elaborando edital de licitação vencida por empresa do Grupo Constantino e cooptando agentes públicos. Ele foi preso com o irmão Alex Reck e o pai, Garrone Reck, além de outros três advogados. No entanto, o Ministério Público impediu a fraude, e a concorrência foi anulada.
O Metrópoles tentou contato com Sacha Reck por e-mail e pelo telefone do escritório dele, mas não obteve êxito.
R$ 10 bilhões
Na sentença de primeira instância, o juiz Aragonê Nunes Fernandes destacou as cifras bilionárias envolvidas na licitação, em torno de R$ 10 bilhões, e as implicações políticas e sociais decorrentes. Ele também afirmou que várias ações tramitam na Justiça com o objetivo de invalidar o certame, tendo sido uma delas sentenciada em janeiro.
No mesmo mês, em outro processo, o juiz Lizandro Garcia Gomes Filho, da 1ª Vara de Fazenda Pública, suspendeu os contratos da mesma licitação. Nessa decisão, além da Viação Piracicabana, da Viação Pioneira e da Auto Viação Marechal, também foram suspensos os contratos com a Expresso São José e o consórcio formado pela HP Transportes Coletivos e a Ita Empresa de Transportes.
Responsável pela defesa do Executivo, a Procuradoria-Geral do DF informou, por nota, “que há vários processos sobre esse tema e que o Governo do Distrito Federal tem sustentado a legalidade da licitação”.