DF tem 16 mil processos na 1ª instância há mais de 10 anos
Especialistas criticam a demora e apontam o perigo da judicialização exagerada de casos. Associação acredita que digitalização pode ajudar
atualizado
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Mais de 3.650 dias. Dez anos. É o tempo de espera de quase 16 mil processos que aguardam o fim da tramitação na primeira instância do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Apesar de o número ser considerado baixo pela Associação dos Magistrados do Distrito Federal e Territórios (Amagis-DF), especialistas ouvidos pela reportagem acreditam que a demora não deveria ser tão grande, além de apontarem para o perigo da judicialização desnecessária.
O pior, porém, vem do sofrimento de quem aguarda a resolução dos casos, como a família de Ingridh Martins. A jovem morreu aos 16 anos, após um acidente de trânsito. Os parentes e amigos só viram o motorista do carro, Igor de Rezende Borges, ser condenado em primeira instância no fim de outubro deste ano. “Ela era uma menina incrível e teve todos os sonhos destruídos. Tudo por causa de um irresponsável que continua solto”, lamenta Ribamar Martins (foto em destaque), primo da vítima.
A colisão que resultou na morte de Ingridh ocorreu em 27 de abril de 2008, na DF-001, estrada que liga Taguatinga a Brazlândia, nas proximidades da entrada do Assentamento 26 de Setembro. Igor conduzia um veículo e, como consta nos autos do processo, apesar de advertido pelos passageiros, passou a dirigir na contramão. Assim, colidiu com outro automóvel que trafegava em direção contrária. Cinco pessoas perderam a vida, enquanto três sofreram lesões corporais.
Testemunhas contaram que o acusado teria ingerido vodca antes de assumir a direção. Ele iria para uma festa e, alterado, começou a fazer manobras arriscadas. “A Ingridh estava no local errado, na hora errada. Nem o conhecia, mas acabou pegando carona por conta de outra amiga. Estava bêbado e ainda disse que gostava de aventura”, revolta-se o primo.
Veja os números e o tempo de processos no TJDFT:
Decisão
Segundo a decisão proferida em 23 de outubro de 2019 – 11 anos e seis meses depois do acidente –, o juiz presidente do Tribunal do Júri considerou que o acusado não teria demonstrado qualquer tipo de remorso após a tragédia. Pelo contrário, estava preocupado somente com o estrago do veículo, mais precisamente sobre o acionamento do seguro. “Ele não ligou para socorro nenhum. Primeiro, entrou em contato com a mãe, pedindo o acionamento do seguro. Depois, para o advogado”, diz Ribamar.
A Justiça entendeu que Igor de Rezende Borges assumiu o risco de matar ao dirigir embriagado. Ele deverá cumprir a pena, inicialmente, em regime fechado. O recurso da sentença pode, no entanto, ser feito em liberdade, desde que se apresente mensalmente em juízo e não se ausente do Distrito Federal. “A família sofreu e ainda sofre muito com o que aconteceu. É um absurdo demorar tanto um processo, e ele ainda continuar solto. O que parece é que qualquer um pode fazer algo igual e sair impune”, destaca Ribamar.
Constituição ferida
Para o advogado e professor de direito constitucional Max Kolbe, processos com tanta demora para transitar em primeira instância ferem a própria Constituição. “Não deveria ser assim. Está lá, no artigo 5º [da Constituição Federal], que no âmbito judicial está assegurada a razoável duração do processo. Dez anos não é tempo razoável”, opina.
Kolbe afirma que a Justiça comum deveria prestar mais atenção e tomar como exemplo a maneira como os processos trabalhistas são resolvidos. “Normalmente, a Justiça comum é muito morosa, aceita muitos recursos. Na trabalhista, é mais rápido. Talvez a introdução dos processos eletrônicos faça com que essa situação se agilize”, avalia.
André Ramos Tavares, também professor de direito constitucional, aponta a necessidade de ver o motivo pelo qual tantos processos judiciais são criados. “A sociedade costuma levar todos os seus conflitos para o Judiciário. A conciliação, geralmente mais rápida, é pouco praticada”, pontua.
Segundo ele, o Judiciário tem um custo alto e um protocolo muito extenso para garantir diretos à ampla defesa e também à reflexão do magistrado. Todos esses fatores fazem com que um certo tempo seja necessário na resolução de casos. “A gente vive em uma sociedade que quer resultados instantâneos. O prazo de pouco mais de um ano para se resolver a maioria dos processos é razoável”, pondera, ressaltando a diferença brusca de processos em tramitação há um ano e há três anos.
Tavares sugere a necessidade de trabalhar uma maior conscientização das vantagens de se evitar a ida aos tribunais. Para o professor, as soluções só são avaliadas depois do problema. “Uma coisa é a pessoa assinar um contrato e não querer cumprir. Nesse caso, não há o que fazer. Outra é alguém não saber até onde pode ir e o que pode fazer para resolver o problema. Isso acontece muito”, afirma.
Desempenho satisfatório
O presidente da Amagis-DF, juiz Fábio Esteves, destaca a comparação do número de processos ainda em tramitação com o montante que chega ao TJDFT todos os anos. “É pequeno. Não estamos fora do padrão, em matéria produtiva temos um dos melhores tribunais do país”, afirma.
De acordo com Esteves, a maior parte dos processos que aparecem com tramitação superior a 10 anos são aqueles de trato sucessivo, ou seja, que podem sofrer com algum tipo de revisão a qualquer momento. “Nos casos de pensão alimentícia ou inventário, isso acontece muito isso. Quando acham um bem desconhecido, por exemplo, precisam dividir tudo novamente”, argumenta.
Processos criminais, a exemplo do citado na reportagem, o juiz crê que não há. Segundo ele, a média do tempo levado nesses casos é de seis a oito meses. “Nessa esfera, por mais de 10 anos, só se o réu está foragido e não pôde ser apresentado à Justiça. Quando acontece, o processo fica suspenso.”
Para ele, a expectativa é que a digitalização dos processos, aliada à alta especialização do tribunal, torne o andamento processual ainda mais célere. “Possuímos uma estrutura inigualável e, hoje, tudo funciona perfeitamente bem. Com os processos eletrônicos, vai melhorar ainda mais”, finaliza.
O TJDFT preferiu não se posicionar sobre o assunto.