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Réus na Lava Jato são soltos, mas presos provisórios padecem no DF

Decisão do STF para conceder habeas corpus ao ex-ministro José Dirceu evidencia a desigualdade no sistema prisional brasileiro

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Preso
1 de 1 Preso - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

O Supremo Tribunal Federal (STF) destrancou as celas da Lava Jato. Em menos de duas semanas, a instância máxima do Judiciário brasileiro tirou da prisão quatro alvos da operação: o empresário Eike Batista, o pecuarista José Carlos Bumlai, o ex-tesoureiro do PP João Cláudio Genu e, mais recentemente, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Todos eram presos provisórios, sendo que os três últimos já foram condenados em primeira instância. Agora, ao menos outros 20 detentos da Lava Jato que não tiveram recursos julgados em segunda instância podem deixar as grades.

A decisão que favorece uma pequena minoria evidencia a desigualdade no sistema prisional brasileiro. Especialistas ouvidos pelo Metrópoles apontam que enquanto figuras proeminentes, assistidas por advogados estrelados, são beneficiadas por essas determinações, milhares de presos provisórios em condições similares padecem nas precárias prisões brasileiras. No Distrito Federal, são mais de 3 mil os encarcerados que poderiam aguardar recurso em liberdade.

O sistema prisional do DF abriga, atualmente, 15.188 presos. Desse total, 3.350 são provisórios: 3.117 homens e 233 mulheres sem condenação. Segundo o desembargador Roberval Belinati, supervisor-geral do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do DF, apesar de a lei não fixar por quanto tempo a pessoa pode ficar presa preventivamente, o limite temporal vai até o trânsito em julgado do processo (quando não cabem mais recursos).

O desembargador ressalta a necessidade de se observar os princípios da proporcionalidade e da necessidade da medida. “A jurisprudência caminha no sentido de que, sendo a causa de maior complexidade, envolvendo vários delitos, réus, advogados, ou testemunhas, será razoável estender a prisão preventiva até o desfecho do processo”, afirma.

Caso o acusado esteja preso, a duração razoável do processo criminal, de acordo com o magistrado, é de 105 dias, não podendo ultrapassar 148 dias no procedimento ordinário e 75 dias no sumário. No caso da primeira fase do Tribunal do Júri, o prazo é de 135 dias, não podendo ultrapassar 178.

“Contudo, o TJDFT segue o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que preceitua que o ‘prazo razoável’ do processo e o ‘excesso de prazo’ da prisão preventiva não podem ser analisados abstratamente, com base em simples exercício aritmético ou de modo descontextualizado da lide penal em questão”, avalia Belinati.

Para o desembargador, os prazos processuais não podem ser avaliados com rigor absoluto. A verificação do excesso deve levar em conta as circunstâncias e a complexidade de cada caso. “O TJDFT tem assegurado uma célere análise da situação jurídica da prisão antes do ingresso do autuado no sistema penitenciário, a fim de que seja exercido um controle acerca da legalidade e da real necessidade da custódia antecipada. Evitando, com isso, o nocivo contato com o ambiente carcerário e o encarceramento antecipado de pessoas que poderiam, desde o início, responder em liberdade”, ressalta.

 

Gui Primola/Metrópoles

 

Impacto nacional
O Brasil tem uma das maiores populações prisionais do mundo, contabilizando 654 mil presos. De acordo com levantamento realizado em janeiro deste ano pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um terço desse total corresponde à fatia dos que estão encarcerados em condição provisória; cerca de 220 mil pessoas.

O número de presos provisórios atualmente no país, conforme o Infopen 2014, é quase igual ao déficit de vagas no sistema. Isso indica, segundo o relatório, que a mudança de política com relação às prisões provisórias e por tráfico de drogas podem ser alternativas para contrapor o crescimento desenfreado da população carcerária.

No cenário referente às unidades federativas, o DF está entre as quatro que ostentam menor percentual de presos provisórios em relação ao total de encarcerados. Com 21,23%, fica atrás apenas de São Paulo (15,32%), Mato Grosso do Sul (15,12%) e Amazonas (13,57%). No extremo oposto, despontam nas piores colocações Sergipe e Alagoas, com 82,34% e 80,92%, respectivamente.

O tempo médio dessas prisões é de 270 dias no DF, mas pode chegar a 974 dias no estado de Pernambuco, seguido pelo Rio Grande do Norte, onde a média é de 682 dias. A maioria dos presos provisórios está encarcerada por tráfico de drogas (29%), roubo (26%) e homicídio (13%).

Dois pesos, duas medidas
A prisão preventiva é uma das modalidades mais controversas do sistema jurídico e ganhou evidência com a Operação Lava Jato. De acordo com o Código de Processo Penal (CPP), a prisão preventiva pode ser decretada para garantir a ordem pública ou econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Atualmente, não há prazo para sua duração.

Processos de grande repercussão, como o Mensalão e a Lava Jato, têm um tratamento distinto daquele dado às ações comuns, segundo Sérgio Salomão Shecaira, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Por serem casos acompanhados de perto pela sociedade e pela imprensa, eventuais demoras, atrasos e ilegalidades ganham maior exposição e têm mais chances de serem coibidos. “Não podemos comparar processos de repercussão nacional com os comuns porque, no fundo, são coisas diferentes”, avalia.

Para o especialista, “ninguém dá atenção para as prisões preventivas do cotidiano, do usuário de drogas que está sendo processado por tráfico somente porque é pobre e mora na favela”. Para Shecaira, os detentos acusados de cometer crimes comuns, como roubo ou furto, dificilmente serão beneficiados por uma decisão mais liberal do STF.

Na prática, não são todos iguais perante a lei.

Sérgio Salomão Shecaira, professor da Faculdade de Direito da USP

Vários fatores contribuem para a formação desse cenário de desigualdade, segundo o professor. Entre eles, falta de recursos financeiros, instrumentos de capacitação e assistência adequada para a defesa. “Não posso dizer que um escritório que defende um, dois, três, 10 clientes é igual a um defensor público responsável por mil pessoas em condições precárias”, pondera.

Shecaria faz uma observação: “O advogado de uma pessoa que tem recursos viaja a Brasília custeado pelo cliente, conversa com os ministros, apresenta memoriais ao magistrado, algo que o sujeito de uma pequena cidade do Piauí que furtou um pacote de balas num mercadinho não terá condições de fazer”.

Assimetria
Uma das medidas para combater essa assimetria, de acordo com o especialista, é investir nas defensorias públicas dos estados. “Se nós tivéssemos uma equiparação, por certo que toda pessoa pobre teria uma defesa mais justa, mais razoável, mais instrumentalizada, que poderia fazer com que um maior número de processos fossem objetos desse recurso e chegassem ao STJ e STF. Não é isso que acontece.”

Para o defensor público Carlos Henrique Lessa, da 1ª Vara Criminal de Brasília, a decisão do STF não deve surtir efeito no sistema prisional do DF. Segundo o profissional, a deliberação da Corte foi tecnicamente correta do ponto de vista da Defensoria Pública, porque, em sua avaliação, “não pode se permanecer com presos provisórios por tempo indeterminado”. No entanto, também acredita que a lei não é igual para todos.

Prisões preventivas x Lava Jato
A questão das prisões preventivas na Lava Jato será debatida pelo plenário do STF. O ministro Edson Fachin, relator dos casos da operação na Corte, enviou o habeas corpus de Antonio Palocci direto para julgamento dos 11 membros. Na 2ª Turma, composta por cinco ministros, o entendimento de Fachin pela manutenção das prisões tem sido voto vencido; no plenário, há mais chances de prevalecer o juízo do ministro-relator.

De acordo com o jornal O Estado de S.Paulo, além de Celso de Mello, que votou com Fachin na Turma, devem ir contra a revogação da prisão Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que votaram a favor do habeas corpus, devem ser acompanhados no plenário por Marco Aurélio Mello.

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