Médico acusado de liderar a Máfia das Próteses se compara a Neymar
Preso desde 1º de setembro, Johnny Wesley Gonçalves Martins prestou o primeiro depoimento à Justiça desde a deflagração da Operação Mr. Hyde
atualizado
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O médico Johnny Wesley Gonçalves Martins, apontado como líder da Máfia das Próteses, negou qualquer envolvimento com a organização criminosa apontada como responsável por mutilar pacientes e fazer cirurgias desnecessárias para maximizar lucros. Johnny, que atua na empresa de próteses TM Medical, da mulher dele, comparou-se ao jogador de futebol Neymar ao ser questionado por que trocou as salas cirúrgicas pelo mundo dos negócios.
As declarações foram dadas nesta sexta-feira (27/1), na primeira audiência de Johnny Wesley no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Ao juiz Paulo Marques da Silva, da 2ª Vara Criminal de Brasília, o médico afirmou que é vítima de denúncias falsas feitas por empresários concorrentes.Dediquei a minha vida inteira a fazer cirurgia. Mas passei a sofrer câimbras nos braços e precisei parar. Nasci para ser cirurgião, não para ser clínico. É a mesma coisa de pedir para o Neymar ficar no banco de reservas
Johnny Wesley, médico apontado como líder da Máfia das Próteses
Prisão especial
Preso desde a deflagração da Operação Mr. Hyde, em 1° de setembro de 2015, Johnny Wesley chegou ao TJDFT escoltado por policiais às 10h. Como o médico também é formado em direito e possui a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ativa, tem direito à chamada Sala de Estado Maior — local destinado a advogados presos que aguardam julgamento.
Como o DF não possui essa instalação específica, prevista no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), o réu está detido em um alojamento especial do 19º Batalhão da Polícia Militar, próximo ao Complexo Penitenciário da Papuda.
Magro e com a fisionomia abatida, o neurocirurgião vestia terno preto, camisa azul e gravata rosa. Como estratégia de defesa, ficou calado ao ser questionado pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT).
“Intriga”
Antes, no entanto, quis falar para “esclarecer que tudo se tratava de intriga da oposição”. Por duas horas, fez questão de mostrar aos presentes que tinha estudado o processo em detalhes. Johnny Wesley citava páginas da denúncia e lembrava dos termos usados por delegados e testemunhas nos depoimentos. Também relembrou seu extenso currículo, com formação em medicina, engenharia civil e técnico em transações imobiliárias.
Na versão do acusado, o processo se deu por conta da denúncia de um ex-sócio. O empresário teria ficado “magoado” com o rompimento da sociedade e decidiu passar “informações falsas” à Polícia Civil.
Mariza Aparecida Rezende Martins, mulher de Johnny Wesley, teria feito uma sociedade com os donos da SOS Medical. No entanto, a parceria não deu certo porque os proprietários tinham posicionamentos divergentes. Mariza era responsável pela parte jurídica da empresa, segundo contou Johnny Wesley.
TM Medical
A mulher, então, saiu da sociedade e recebeu R$ 3,2 milhões. Com esses recursos, ela teria aberto a TM Medical. O sócio da mulher é Micael Alves, que atuava como vendedor da SOS Medical, e que também foi preso na Operação Mr. Hyde. “Ele era tudo que Mariza precisava. O melhor vendedor do Distrito Federal. Também é fisioterapeuta e conhecia bem os produtos”, contou.
O médico destacou que a presença dos vendedores é importante porque eles podem “orientar” os médicos quanto à realização dos pedidos, para que nada falte ao paciente, e para que mercadorias não sobrem no momento da compra. “Muitas vezes, o pedido do médico vem incompleto”, disse.
Com o afastamento de Mariza da SOS, Johnny aceitou a proposta de se tornar sócio da SOS Medical. Porém, ele afirma que encontrou algumas provas de que “o dono majoritário da empresa era desonesto” e, após 39 dias, decidiu sair do negócio.
“Quando falei que não iria mais ser sócio, fui proibido de entrar na empresa. Comecei a registrar ocorrências na polícia. Foi aí que começaram a investigar. Chamaram o empresário para dar depoimento e ele prestou informações falsas a meu respeito”, argumentou Johnny Wesley.
De acordo com o médico, ele passou a atuar na parte financeira da TM Medical a pedido da esposa, mas não constava no quadro societário. “Não me apresentava como sócio. Fazia balanços de funcionários, como horas extras, mas não tinha poder de mando”, destacou. Porém, o acusado demonstrou conhecer bem o processo de vendas e do controle de produtos.
Fortuna em imóveis
Sobre os seus bens, Johnny Wesley contou que sempre foi discreto. Saiu de casa, em Goianésia (GO), aos 14 anos. Foi aprovado na faculdade de medicina aos 16. Depois de formado, passou a adquirir imóveis. Atualmente, disse, ele tem 160 propriedades, todas localizadas em Tocantins, nos municípios de Gurupi, Porto Nacional e Palmas.
“Eu não atuava mais como médico desde 2015. Deixei a medicina por conta de um problema no braço, sentia câimbras durante as cirurgias. A partir daí, passei a administrar meus imóveis. Eles rendem mais do que a TM Medical”, disse.
Ao juiz, o médico comentou ainda o processo de aquisição e distribuição de kits de órteses, próteses e materiais especiais na empresa da mulher. Afirmou que nenhum produto é violado e que todos passam pelo controle do estoquista da empresa. Alguns são levados diretamente para o hospital, onde são esterilizados.
Johnny Wesley disse desconhecer o pagamento de propina para médicos, adulteração nos produtos, venda casada ou compra desnecessária de materiais. No entanto, admitiu que conhece boa parte dos médicos citados na investigação e que todos, ao menos uma vez, utilizaram produtos da TM Medical.
Réus por organização criminosa
Em 23 de setembro, Johnny Wesley se tornou réu, ao lado de outros 16 acusados de integrar a Máfia das Próteses. Todos foram denunciados pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) por organização criminosa. A pena é de três a oito anos de prisão e multa. Johnny Wesley, entretanto, pode ter a punição agravada porque é acusado de ser um dos mentores do esquema.
A denúncia é apenas a primeira etapa da apresentação de uma série de crimes que o MPDFT pretende fazer à Justiça.
Até o momento, 93 pessoas foram arroladas para serem ouvidas no processo decorrente da Operação Mr Hyde, conduzida pela Polícia Civil e pelo MPDFT. As audiências serão realizadas até 31 de janeiro. A expectativa é de que as primeiras sentenças saiam nos próximos meses.
O esquema
Segundo as investigações da Polícia Civil e do MPDFT, a TM Medical fornecia órteses, próteses e equipamentos especiais. Quanto mais materiais caros eram usados em cirurgias para colocação de órteses e próteses, maior era a propina recebida pelos médicos, que chegavam a ganhar 30% extras sobre o valor pago pelos planos de saúde pelas intervenções cirúrgicas.
Além dos pacientes — muitos dos quais sofreram sequelas provocadas pelas lesões intencionais —, outro alvo do esquema são os planos de saúde, que acabavam pagando mais caro por uma cirurgia não necessária de órteses ou próteses. A propina geralmente era paga por depósito nas contas dos médicos ou então entregues em espécie nas proximidades dos hospitais onde ocorriam as cirurgias.