Depois da separação, com quem ficam os filhos? É preciso ouvir a voz dos pequenos antes de decidir
Especialistas mostram caminhos para que a opinião das crianças seja considerada em disputas de guarda
atualizado
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“Eu quero ficar aqui com a minha mãe”, era o que dizia, aos prantos, o pequeno Samuel, de 6 anos, após a decisão judicial de manter a guarda do menino com o pai, que mora em São Paulo. O choro do garoto, filmado por uma amiga da mãe, moradora do Riacho Fundo, foi divulgado em redes sociais e sensibilizou milhares de pessoas.
Independentemente do litígio judicial ou do trauma emocional que envolve esse episódio, o caso de Samuel, que precisa morar com um dos pais após a separação, é comum Brasil afora. Segundo a Estatística de Registro Civil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram 146 mil divórcios envolvendo filhos menores de idade no país somente em 2014, ano mais recente em que a pesquisa foi feita. No mesmo ano, 3,4 mil casais com filhos abaixo de 18 anos separaram-se no Distrito Federal.
Apesar de os números de processos com decisão de guarda compartilhada e de mediações terem aumentado, muitos casos envolvem disputas de guarda acirradas.A psicóloga Márcia Regina Ribeiro Santos trabalha há 20 anos na Vara de Família do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e abordou o tema em sua tese de doutorado pela Universidade de Brasília (UnB). No estudo, a pesquisadora ouviu 11 crianças, entre oito e 11 anos, que passavam por processo de guarda na Justiça. Foram consideradas as opiniões do pequeno quanto ao sofrimento que passava, a origem de tal sentimento e quais soluções eles viam para a situação.
Segundo Márcia, o processo de separação costuma abalar emocionalmente as crianças. “Elas tendem a passar por uma divisão no sentimento por aqueles que amam. E, ao ver que o pai ou a mãe sofre, sente necessidade de ajudá-lo, sofrendo também”, explica a especialista.
Com a experiência no tribunal e por meio da pesquisa, Márcia também aponta as situações que tendem a contribuir para o conflito interno da criança. “No geral, os pais não querem abrir mão do convívio com o filho. Não querem ter mais essa frustração com o fim do relacionamento e transferem essa pressão para as crianças”.
Distância e acusações
Duas questões agravam o caso do pequeno Samuel. Uma é a distância física entre os pais. Com a guarda cedida a um deles, o menino verá o outro apenas em ocasiões esporádicas. O problema, porém, poderia ser contornado, como aponta o presidente da Associação de Pais Separados, Analdino Rodrigues Paulino.
“Atualmente, os mecanismos de guarda compartilhada permitem o convívio com os pais, mesmo à distância. A criança pode, por exemplo, passar férias e feriados com o parente mais distante, além de contar com telefone, aplicativos e videoconferências que tornam possível a participação de ambos os pais na formação do filho”.
O outro agravante são as acusações feitas pela mãe de Samuel, Rosilene Batista da Silva, e de amigos contra o pai, Irlande Grous Neto. Segundo ela, o ex-marido é agressivo e chegou a ameaçá-la de morte. Em 2009, ela o acusou judicialmente de lesão corporal. No vídeo publicado, o menino também afirma apanhar.
Para Paulino, as incitações tendem a agravar o nervosismo da criança. “É preciso avaliar com cuidado a situação. A alienação parental, quando um dos pais tenta afastar o filho do outro, é comum nessa situação. Vale ressaltar que, em poucos casos o juiz dá a guarda unilateral para o pai. Assim, se a decisão foi essa, pode-se presumir que ele apresenta condições para criar a criança. O tempo passado com a mãe, porém, pode interferir no julgamento do menino”, analisa.
A psicóloga Márcia Santos acredita que a comunicação e a flexibilidade de acesso a ambos os pais são aspectos fundamentais para que o sofrimento dos filhos seja amenizado. “Com a relação desgastada, os casais tendem a evitar o contato. Mas é preciso que criem canais de comunicação, especialmente no que tange à criação dos filhos. Além disso, a criança se sente mais segura quando há garantia que não haverá a barreira de convívio com a mãe ou o pai”, explica.
Voz das crianças
Um dos comentários mais recorrentes nas publicações do vídeo é o questionamento quanto à opinião das crianças no processo de separação. Muitos usuários de redes sociais acreditam que o menino deveria ter sido ouvido pelo juiz responsável pela ação.
Márcia Santos avalia que, de fato, a opinião dos filhos, mesmo pequenos, deveriam ter peso na decisão. Entretanto, alerta que não basta ouvir o que as crianças falam. “Cabe ao estudo psicossocial ir além da fala dos pequenos. É preciso verificar a forma como se comunicam e entender por que ele está falando aquilo. Muitas vezes a criança avalia alguns pontos, como quem é mais caloroso ou quem é mais severo apenas. Vale escutar também pessoas próximas, como parentes, para determinar o que é melhor no desenvolvimento”.
Porém, atualmente o acompanhamento psicossocial, apontado por Márcia, não é considerado obrigatório nas disputas judiciais. No DF, apenas nos casos em que o juiz avalia necessário pais e filhos são postos sob auxílio.
Mas a especialista lembra que mesmo as decisões judiciais podem ser revistas. “As famílias são dinâmicas. O momento da separação é apenas um na vida das crianças. E o que é melhor em uma fase, pode não ser em outra. Cabe aos pais avaliarem ou recorrerem da decisão se julgarem necessário”.
Veja entrevista com a psicóloga Márcia Santos
Como levar em consideração a opinião da criança no momento da separação?
Como o juiz leva em consideração a opinião da criança?
O que afeta mais a criança no processo de separação?
A decisão é permanente?
Que atitudes os pais podem tomar para evitar o sofrimento das crianças?