Candidatas à OAB no DF denunciam discriminações contra advogadas no mercado de trabalho
Pela primeira vez, chapas eleitorais têm cotas obrigatórias com 30% de participação feminina
atualizado
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Pela primeira vez, será aplicada nas eleições para a Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB/DF) uma cota mínima de 30% de participação feminina. Embora não haja nenhuma mulher na disputa pela presidência da entidade neste ano, a defesa de uma plataforma voltada para as advogadas tem destaque nos discursos dos três candidatos: Délio Lins e Silva, Juliano Costa Couto e Paulo Roque.
Atualmente, a estimativa é de que as mulheres representem 56% da advocacia do DF. No entanto, entre os cinco primeiros anos de carreira, cerca de 30% das mulheres desistem da profissão e o percentual é crescente. Aproveitando o mote definido pelo Conselho Federal da OAB para o ano de 2016 – “o ano da mulher advogada” – as candidatas esperam melhorar essa realidade.O Metrópoles entrevistou as principais integrantes de cada chapa sobre os desafios enfrentados no dia a dia profissional das advogadas e as propostas defendidas pelos três grupos para combatê-los. Nos relatos, são centrais as críticas a um assédio moral cada vez mais sutil e à precariedade das condições de trabalho para as mulheres gestantes e no período da amamentação.
Maternidade
Com o apoio da atual gestão, comandada por Ibaneis Rocha, foi encaminhado ao Congresso Nacional o projeto de lei 2881/2015, voltado para o período da maternidade. Encampada pelo deputado federal Rogério Rosso (PSD-DF), a iniciativa prevê a possibilidade de suspensão dos prazos processuais por 30 dias após o parto, desde que haja acordo do cliente. Além disso, o projeto obriga tribunais e fóruns a priorizarem gestantes e lactantes na ordem de sustentações orais, a reservarem um espaço para a amamentação e a garantirem vagas de estacionamento específicas.
Candidata à vice-presidência da entidade pela chapa Somos Mais Ordem, liderado por Juliano, Daniela Teixeira afirma que o projeto de lei é um dos pontos centrais da campanha, dentro do lema “sou advogada e exijo respeito”. Advogada privada há 20 anos, Daniela diz ter vivido na pele as dificuldades de conciliar a maternidade com a profissão.
“Num estágio avançado da gestação, o ministro Joaquim Barbosa me deixou oito horas aguardando julgamento”, conta Daniela. Ela explica que pediu preferência, mas o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que à época presidia o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), disse não haver previsão legal para atender ao pedido.
O resultado foi um parto prematuro e dois meses para pensar na situação das mulheres gestantes. “Desde que essa história se tornou publica, se tornou uma realidade da minha vida ouvir depoimentos de advogadas. Também não há creches, nem deixam a gente amamentar nos fóruns e tribunais. Eu amamentei meu filho num banheiro, até que um ministro disponibilizou uma sala em seu gabinete”, relata Daniela.
Segundo Carolina Petrarca, candidata a uma vaga no Conselho Federal da OAB também pela Somos Mais Ordem, a mudança na legislação é importante para combater o crescimento do índice de desistência entre as jovens advogadas nos primeiros cinco anos de profissão. “Neste período, é comprovado que ela começa a desistir da advocacia e ir mais para o concurso público, pelas responsabilidades que ela tem, com família, marido e por aí vai”, explica Carolina. “Nossa gestão já fez com que mulheres participassem cada vez mais e estivessem em órgãos de poder, pretendo lutar por uma política diferenciada”.
O projeto de lei, entretanto, enfrenta críticas entra as outras duas chapas. Na avaliação de Maria Clara Sampaio Leite, é preciso tomar cuidado com uma possível “proteção exagerada”. Especializada em Direito Trabalhista, ela é candidata ao posto de secretaria-geral adjunta na chapa OAB Pró-Advogado, comandada por Délio Lins e Silva, que reúne a maior quantidade de mulheres entre os grupos do pleito.
A discriminação ainda existe e é parte de um processo histórico. Essa é a primeira vez que há uma participação feminina tão ativa e não só por sermos mulher, mas pela experiência que temos na profissão. O que estou achando mais fantástico é esse movimento de mulheres dizendo ‘deixa eu participar, chegou a minha hora’. E não são mulheres recalcadas, são mulheres que têm família, que têm uma boa carreira.
Maria Clara Sampaio Leite, candidata a secretária-geral adjunta pela chapa OAB Pró-Advogado
“Eu sou uma pessoa muito privilegiada porque soube me posicionar e chegar aonde qualquer homem chegaria. Mas quando você começa a dizer que a mulher precisa de uma proteção muito além do que ela precisa, você acaba tirando essa profissional do trabalho, porque ninguém vai querer uma profissional tão melindrada”, explica Maria Clara, em relação ao PL 2.881.
O grupo é contra a suspensão de prazos e sugere, como contraproposta, a redução na anuidade para gestantes, a realização de convênios com creches já existentes por meio da caixa de assistência e cursos que possibilitem o surgimento de núcleos de solidariedade.
Segundo a candidata à vice-presidência da chapa OAB Pró-Advogado, Célia Arruda, essas propostas podem ajudar a enfrentar o problema do acúmulo de funções entre as mulheres advogadas. “É um meio ainda muito masculino e a maior dificuldade é conciliar todas as atividades. A sobrecarga realmente é muito grande. Até porque é uma profissão que exige muito por conta dos prazos e por necessidade de qualificação constante”, explica.
Candidata a secretária-geral adjunta do grupo OAB Independente, liderado por Paulo Roque, Maria Fátima Pereira de Souza diz ter se engajado na defesa das mulheres junto à OAB após uma amiga ser demitida durante a gravidez.
Nunca quis me meter na OAB, mas percebi que nós mulheres precisamos estar lá dentro para fazer valer nossos direitos. Hoje, o que eu vejo é que muitas mulheres que trabalham em escritórios, quando engravidam, acabam sendo convidadas a deixar o emprego.
Maria Fátima Pereira de Souza, candidata a secretária-geral adjunta da OAB Independente
O grupo OAB Independente, entretanto, também tem críticas ao PL 2.881. Na avaliação de Ana Lúcia Crema, candidata a secretária-geral da chapa, “a suspensão dos prazos pode levar à retirada da mulher do mercado de trabalho”. No lugar, ela sugere a criação de escritórios voluntários parceiros, que assumiriam aqueles prazos quando acionados pela gestante.
“Desta forma, a mulher não estaria fora do mercado, porque o escritório parceiro cumpriria o papel da advogada em situações especificas. Não há divisão de honorários, há uma rede de solidariedade”, ressalta. Ana Lúcia também defende a adoção de critérios rígidos para evitar que algumas pessoas hajam de má fé. Além disso, ela afirma que dar prioridade para as sustentações orais de gestantes e lactantes não é suficiente, “caso não haja, antes de tudo, um trabalho trabalho institucional para que sejam cumpridos os horários das audiências”.
Otimismo
Primeira e única mulher a ter presidido a OAB/DF até hoje, Estefânia Viveiros diz ter vibrado com a aprovação das cotas para mulheres. Com 31 anos, ela também era a mais jovem presidente regional eleita do país. “É muito fácil dizer ‘eu fui presidente, outras também podem’. Eu acho que não, acho que as cotas são muito importantes.” Atualmente, Estefânia preside a Comissão Nacional de Reforma do Códido de Processo Civil (CPC), do Conselho Federal da OAB.
Otimista, a advogada acredita que o preconceito hoje é mais sutil, mas diz que a discussão sobre as pautas de interesse feminino já é um avanço em si. “Antes, só o acesso à profissão já era uma dificuldade. Esse crescimento foi paulatino. Por mais que você enxergasse essa presença na sala de aula, isso não era refletido no mercado de trabalho. Hoje, é um fenômeno crescente na carreira jurídica, seja na magistratura, no Ministério Público ou na OAB”, avalia Estefânia, que apoia a chapa Somos Mais Ordem.
É um preconceito de sutilezas. Mas a gente sabe que mulher tem de trabalhar muito mais para mostrar sua competência, embora a OAB sempre tenha defendido a igualdade de gêneros.
Estefânia Viveiros, ex-presidente da OAB/DF
A advogada esteve à frente da entidade por dois mandatos, de 2004 a 2009. Neste período, um dos destaques da OAB/DF foi o papel desempenhado na articulação contra os escândalos de corrupção identificados na gestão do ex-governador José Roberto Arruda. Foi Estefânia quem protocolou, na época, o pedido elaborado pela Ordem a favor do impeachment de Arruda e seu vice, Paulo Octávio.