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Cada peso, uma medida: vagas de cotistas viram casos de Justiça no DF

Três eventos expõem fragilidade e confusão nos critérios raciais e socioeconômicos para acesso a vestibulares e concursos no DF

atualizado

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JP Rodrigues/Especial para o Metrópoles
Brasília (DF), 02/08/2018  – Evento: Cotas-  Local Jardim Mangueiral  Foto: JP Rodrigues/Metrópoles
1 de 1 Brasília (DF), 02/08/2018 – Evento: Cotas- Local Jardim Mangueiral Foto: JP Rodrigues/Metrópoles - Foto: JP Rodrigues/Especial para o Metrópoles

Há o caso de um candidato de pele morena que não foi considerado pardo na luta por uma vaga para professor de Informática e Redes, em concurso do Instituto Federal de Brasília (IFB), pelo sistema de cotas raciais. Há a história das irmãs gêmeas que estudaram juntas em escolas públicas e só uma – a com nota menor, inclusive – foi considerada apta a ingressar na Universidade de Brasília (UnB) pelo sistema de cotas para estudantes que cursaram o ensino médio nessas instituições.

Tem ainda um jovem aprovado para medicina na UnB, por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em vaga destinada a estudantes com renda bruta familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo, mas cuja família teria renda acima de R$ 20 mil. São, enfim, situações que expõem a fragilidade do sistema de cotas em vestibulares e concursos no Distrito Federal. E que acabaram virando casos a serem resolvidos na Justiça.

O analista de sistemas Emilson Ribeiro Neto (foto em destaque), 37 anos, procurou o apoio da Justiça para garantir uma vaga no Concurso de Docentes 2016/1 do IFB. Ele tentou por meio do sistema de cotas, por se considerar pardo, e foi aprovado em primeiro lugar no resultado de ampla concorrência. Porém, considerado inapto no exame de verificação pela comissão que avalia a autodeclaração, acabou eliminado.

Filho e neto de negros, Emilson diz que o documento emitido pela Polícia Civil, apresentado durante o processo seletivo, comprova a cor parda. Entretanto, a comissão do concurso que avalia os candidatos para vagas pelo sistema de cotas vetou o pedido.

“Sempre fui reconhecido como pardo. É o meu fenótipo. Tenho a cor da pele escura e cabelo carapinhas. Há documento comprobatório sobre como costumo me autoafirmar. Em momento algum prestei informação falsa sobre a minha declaração racial”, disse.

Ele obteve notas melhores do que o candidato classificado em primeiro lugar no resultado final do concurso em ampla concorrência e, ainda assim, ficou fora da lista de aprovados. Somadas as notas, Emilson alcançou 665,43 pontos. Já o primeiro colocado fez 654,70, e foi aprovado.

Emilson entrou com processo na 15ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal e aguarda que o problema seja resolvido pela Justiça. “Eu sou professor voluntário, amo a profissão e meu sonho sempre foi dar aula. Foi o primeiro concurso no qual me inscrevi como pardo”, afirma.

Na fase recursal do concurso, não houve sequer análise do recurso. A justificativa foi que mantinha-se a avaliação anterior sem nenhum tipo de respaldo administrativo ou técnico. Acredito e confio na Justiça acima de tudo. Espero que a decisão me favoreça. Não agi de má-fé

Emilson Ribeiro Neto

Veja abaixo a justificativa da eliminação de Emilson, segundo os advogados, no processo:

Reprodução

Impedimentos
A diretora de Gestão de Pessoas do IFB, Maria Cristina, confirmou que Emilson foi classificado no Concurso de Docentes 2016/1, mas a legislação exige a veracidade da autodeclaração com a verificação de traços fenotípicos.

“A comissão foi criada de acordo com a legislação. O candidato se submeteu ao exame de verificação e não foi aprovado. A autodeclaração não foi confirmada. Todos os direitos no nível administrativo foram concedidos e ainda existe o recurso judicial, o qual a constituição garante para todos os cidadãos. Ele recorreu e o Instituto Federal de Brasília apresentou as contrarrazões. Agora, o processo está tramitando judicialmente e ainda não temos um desfecho. Podemos dizer que, na esfera administrativa, foi feito tudo o que cabia ao IFB”, explicou Maria Cristina.

“Tudo que foi solicitado foi feito. A comprovação não é documental. É fenotípica. Agora resta aguardar a decisão judicial”, completou.

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Emilson Ribeiro Neto, 37 anos, entrou com recurso para garantir a vaga
Emilson mostra documento que comprova a cor da pele
O sonho do analista de sistemas é ser professor
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Emilson Ribeiro Neto com o filho Beijamim Ribeiro. "O meu filho é branco, eu não. Olha a diferença da nossa cor de pele", avaliou

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Emilson Ribeiro Neto, 37 anos, entrou com recurso para garantir a vaga

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Emilson mostra documento que comprova a cor da pele

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Histórico

O caso do analista de sistemas não é inédito nem o único a expor a fragilidade do sistema de cotas em vestibulares e concursos realizados no DF. O Ministério Público Federal (MPF) também apura uma suspeita de fraude no vestibular de medicina da UnB deste ano.

De acordo com a denúncia enviada ao órgão, um jovem passou, por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em vaga destinada a estudantes com renda bruta familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo. No entanto, segundo a denúncia apreciada pelo 2º Ofício Criminal, ele mora com o pai, tenente-coronel do Corpo de Bombeiros, que tem remuneração fixa de  R$ 16.664,21 com benefícios de R$ 4,2 mil, que somam uma renda acima de R$ 20 mil.

A família reside na cobertura de um condomínio de alto padrão localizado no Sudoeste. O rosto do estudante estampa, ainda, a propaganda de um cursinho particular preparatório para vestibular.

A reportagem entrou em contato com a instituição. O local não trabalha com bolsas de estudo e cobra oito parcelas que variam de R$ 1.020 a R$ 1.097, a depender do turno. O curso é preparatório para o Enem. As aulas são ministradas de segunda a sábado.

Por meio de nota, o Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe) informou que o candidato citado pela reportagem está enquadrado no Sistema de Cotas para Escolas Públicas no processo seletivo de Vagas Remanescentes da UnB por ter apresentado documentação compatível para concorrer nesta categoria.

“É importante lembrar que o candidato responde civil e criminalmente por eventual falsidade da declaração, feita no momento da inscrição para concorrer às vagas reservadas aos candidatos de baixa renda, bem como pela documentação por ele apresentada, nos termos do subitem 5.6.3 do Edital nº 1, de 15 de janeiro de 2018”, esclarece o texto.

O Metrópoles tentou contato com a família do aluno, mas, até a publicação desta reportagem, não havia recebido retorno.

Gêmeas
No mês passado, as gêmeas Carina e Marina Bastos da Costa Soares, 21 anos, também revelaram a história delas ao Metrópoles. As estudantes contam que prestaram o vestibular tradicional da UnB para o curso de medicina veterinária, referente ao segundo semestre deste ano, e obtiveram notas altas, mas apenas uma delas foi aprovada, Marina.

“Nos inscrevemos no sistema de cotas para estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas em 2016. Tentávamos o vestibular há quatro anos e foi a primeira vez que fomos aprovadas, as duas. Estávamos muito felizes, pois sempre quisemos continuar estudando juntas”, conta Carina, a gêmea que não se enquadrou nas vagas.

Carina obteve notas melhores do que a irmã e, ainda assim, ficou fora da lista para o mesmo curso. Somadas as provas de conhecimento, a estudante tirou 111.164 pontos. Já Marina, 28.473.

UnB aceita uma gêmea e rejeita outra no sistema de cotas. O nome de Carina (à direita) não constava na lista dos cotistas de escola pública

O problema está sendo resolvido pela 17ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal. O Cebraspe informou que a candidata Carina Bastos não apresentou documentação exigida para concorrer no Sistema de Cotas para Escolas Públicas conforme regras do edital e, por isso, o indeferimento para essa condição.

“Sua irmã, Marina Bastos, enviou a documentação e obteve a homologação desta no Vestibular de 2016 da UnB e, conforme item 4.3.3 do edital de 2018, teve sua condição para concorrer no sistema de cotas para escolas públicas neste ano automaticamente aceita.”

Em 2007, Alan Teixeira da Cunha e Alex Teixeira da Cunha, 18 anos, gêmeos univitelinos, passaram pela mesma situação. Na ocasião, os jovens – filhos de pai negro e mãe branca – disputavam vagas no vestibular da UnB por meio do sistema de cotas raciais. À época, a regra previa apenas critérios de raça e não socioeconômicos ou de origem escolar.

A submissão de fotografias à banca avaliadora levou o júri a decidir que Alan era negro, mas, Alex, não. O irmão “branco” recorreu – possibilidade prevista no edital do vestibular. A decisão foi alterada, mas os gêmeos não passaram no vestibular daquele ano.

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