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Audiência de custódia define destino de quase mil presos por mês no DF

Desde a implantação da prática no DF, 51,49% dos detidos em flagrante foram liberados. Os 48,51% restantes continuaram encarcerados

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1 de 1 martelo1 - Foto: Arte/Kacio Pacheco/Metrópoles

Algemado e acompanhado de dois policiais, João* entra cabisbaixo na sala. Sentado em frente ao defensor público, entrelaça os dedos sobre a mesa e dirige o olhar ao juiz, que, com ar protocolar, dá início à audiência de custódia. “O senhor não sai daqui condenado ou absolvido. Sai preso ou em liberdade”, explica, didaticamente, o magistrado. Após elencar os direitos do homem, o juiz prossegue na inquirição: idade, estado civil, antecedentes criminais.

O jovem de 22 anos, que ainda veste o uniforme do posto de combustível em que trabalha, responde lacônico às perguntas. Explica que é frentista no local há um mês e meio. “Era, na verdade. Agora acho que vou ser mandado embora.” O rapaz, que não tinha nenhuma passagem pela polícia, estava desviando dinheiro da empresa e foi preso na noite anterior. Ele é acusado de furto duplamente qualificado.

Promotor e defensor se manifestam para que João responda ao processo em liberdade. Após analisar o caso, o magistrado decide soltar João. O rapaz recolhe seus pertences, guardados em um saco plástico, e sai pela porta da frente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). “O dinheiro era uma mixaria”, revela o juiz, “e agora ele ficará com anotação na carteira de trabalho”.

A “sentença” de João é uma entre as 431 liberdades provisórias — 47% do total — que foram concedidas em maio pelo Núcleo de Audiência de Custódia (NAC) do TJDFT. Todos os meses, aproximadamente 1 mil presos são encaminhados ao NAC e têm seus destinos definidos entre a prisão e a soltura. Nas primeiras semanas após a implantação, em 14 de outubro de 2015, foram realizadas 550 audiências. O número saltou para 913 no último mês do levantamento, em maio, dois anos após a prática se tornar rotina no tribunal da capital.

Luiz*, por sua vez, não teve o mesmo fim na Justiça. O rapaz faz parte da maioria apertada que permaneceu atrás das grades após passar pela audiência de custódia. Ainda no mês de maio, 477 pessoas — 53% do total — tiveram a prisão em flagrante convertida em preventiva. No caso do jovem de 20 anos, que “faz bico” na gráfica do pai, um roubo de celular no pátio de uma escola, uma passagem por tráfico e uma condenação o mantiveram encarcerado. “Se você vai viver na bandidagem, a escolha é sua. Mas vai pagar caro”, enquadra o juiz.

Das nove audiências de custódia realizadas naquele dia, apenas três casos terminaram em liberdade provisória.

Do projeto à idealização
A audiência de custódia foi lançada em fevereiro de 2015 para dar solução rápida aos casos de prisão em flagrante. O objetivo do projeto é garantir a apresentação do preso a um juiz em até 24 horas e analisar a legalidade e a necessidade da manutenção da prisão. A partir do procedimento é possível diferenciar aqueles que devem ter a preventiva decretada e os que podem ter a liberdade provisória concedida.

A iniciativa chegou ao Distrito Federal sob a promessa de mudar a cultura do encarceramento. Passados quase dois anos da implantação do projeto, a Justiça do DF soma 13.873 audiências de custódia realizadas, de acordo com levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Desse total, 48,51% dos casos resultaram em prisão preventiva e 51,49% em liberdade provisória.

Em São Paulo, onde o projeto foi lançado em fevereiro de 2015, a audiência de custódia já conta com 48 mil atos. A estatística também revela um quadro equilibrado entre prisões e solturas: 52,35% contra 47,65%, respectivamente. Ao todo, no Brasil, foram realizadas 229 mil audiências. No recorte nacional, as prisões preventivas são mais numerosas do que as concessões de liberdade (54,85% e 45,15%).

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Tipos penais e decisões
Homens presos em flagrante por roubo. De acordo com levantamentos realizados pelo NAC nos cinco primeiros meses deste ano, esse é o perfil mais comum das pessoas que passam por audiências de custódia no DF. No quesito gênero, o sexo masculino é maioria esmagadora: 93%, contra 7% de mulheres, em maio deste ano. Pelas estatísticas do núcleo, os tipos penais mais recorrentes, além do roubo, são furto, tráfico e Lei Maria da Penha.

Em casos de roubo, os juízes decidiram, na maioria das vezes, manter os acusados atrás das grades (77% prisão x 23% liberdade). A lógica é a mesma em relação ao crime de tráfico (70% prisão x 30% liberdade), de acordo com os dados do levantamento de março.

Quando os presos são acusados de furto ou enquadrados na Lei Maria da Penha, por outro lado, eles são, em sua maioria, colocados em liberdade provisória. Nos casos de furto, o percentual é de 38% em relação a prisões preventivas, contra 62% de concessões de liberdade provisória. Nas ocorrências da Lei Maria da Penha, a porcentagem fica em 23% de prisões versus 76% de liberdade provisória.

Os casos referentes a homicídios analisados pelo NAC em março, por sua vez, terminaram, quase todos, em prisão provisória (93%). Já nos crimes previstos no Código de Trânsito Brasileiro, ampla maioria (98%) teve liberdade provisória concedida.

Transparência e humanização
O juiz Aragonê Nunes Fernandes participou da implantação da audiência de custódia no TJDFT em outubro de 2015. Quase dois anos depois, avalia que a prática foi “um ganho excepcional para a sociedade”. Segundo o magistrado, apesar de ter sido disseminada a ideia de que as audiências surgiram para “soltar presos e reduzir o contingente carcerário”, a consequência, na verdade, é um tratamento mais humanizado e individualizado dos presos.

Deixamos presas apenas aquelas pessoas que efetivamente precisam manter-se detidas cautelarmente. Aqui, pessoas acusadas de crimes mais graves, que abalam a sociedade, permanecem encarceradas

Aragonê Nunes Fernandes, juiz de direito

A ideia de transparência e avanço também é compartilhada pelo defensor público André Praxedes. Sob a ótica da Defensoria Pública, a audiência de custódia é importante, segundo ele, não só pela decisão de manter ou não a prisão, mas também para verificar a qualidade do ato prisional.

Praxedes ressalta que quem vivencia a audiência de custódia “sabe que aqui se faz um trabalho sério”. “O objetivo é verificar realmente aqueles que podem responder a um processo em liberdade e aqueles que, pela situação específica, não podem”, diz.

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A Justiça, contudo, acolheu parte da argumentação do SindFaz e impediu que o GDF cobre o reajuste sem lei específica local
Ao julgar o caso, na 1ª instância, o juiz entendeu que a a guarda do adolescente deveria ficar com o irmão
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Decisão é do TJDFT

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A Justiça, contudo, acolheu parte da argumentação do SindFaz e impediu que o GDF cobre o reajuste sem lei específica local

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Ao julgar o caso, na 1ª instância, o juiz entendeu que a a guarda do adolescente deveria ficar com o irmão

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Críticas ao modelo
Apesar de reconhecer méritos na audiência de custódia, o delegado Fernando Cocito tem ressalvas com relação à prática. Segundo Cocito, a preocupação da polícia sempre teve foco nos crimes de roubo e no começo, quando da implantação, os números de soltura eram altos. Agora, para o delegado, o NAC tem optado pela prisão preventiva. “Acredito em uma mudança de mentalidade dos juízes que compõem a custódia. O pessoal que está lá agora está sendo mais linha dura”, avaliou.

Outro ponto de atenção do delegado se refere à integridade física dos presos. Nas audiências, o juiz pergunta ao detido se ele foi agredido por policiais durante a ação. Alguns chegam a apresentar hematomas, outros não. Mesmo assim, caso a reposta seja afirmativa, o caso é enviado à Corregedoria para apurar a conduta dos agentes. Para Cocito, o magistrado que decide pela soltura ou prisão deveria ter o mesmo poder discricionário diante de alegações de agressão, quando não há indícios de lesão no laudo do exame de corpo de delito.

Por sua vez, o promotor de Justiça Júlio Augusto Souza considera imprescindível levar o preso, fisicamente, à presença das autoridades do Judiciário. “Essa impressão pessoal é fundamental”. De acordo com Souza, no momento da audiência o acusado pode esclarecer se a prisão foi regular e se foi agredido ou não. “Na fase policial não há um contraditório no sentido técnico-jurídico, mas naturalmente deve ser dada à pessoa a oportunidade de falar a versão dela”, ponderou.

Nova sede
Atualmente localizado no Bloco B do TJDFT, o Núcleo de Audiência de Custódia terá uma nova sede no segundo semestre deste ano. Sob a promessa de reduzir custos, aumentar a segurança e ganhar em celeridade, o NAC, localizado hoje no Bloco B do TJDFT, será deslocado para o Departamento de Polícia Especializada (DPE), ao lado do Parque da Cidade. A expectativa é de que a mudança ocorra em breve.

Com a transferência, segundo o tribunal, os presos não precisarão ser deslocados da carceragem da Polícia para o Fórum. Deve haver, ainda, economia com escolta, viaturas e combustível. O núcleo será onde funcionava a Delegacia de Captura Policial Interestadual (DCPI) no prédio paralelo à carceragem da PCDF — a DCPI será remanejada.

Na carceragem haverá uma cela para abrigar apenas os presos que serão submetidos a audiências de custódia. O transporte dos detidos até o NAC será feito pelo subsolo e filmado por câmeras de segurança. Segundo integrantes da Polícia Civil ouvidos pelo Metrópoles, a mudança permite agilidade e uma dinâmica mais eficiente do que no atual sistema, já que não será necessário fazer o transporte dos detentos com escolta.

*Os nomes reais dos presos foram trocados para preservar as partes.

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