Justiça determina reintegração de posse às terras do quilombo Kalunga
Decisão favorece comunidade Kalunga, uma das maiores do Brasil, e dá prazo de 90 dias para que invasores deixem local
atualizado
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O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) determinou a reintegração de posse de todas as terras que compõem o território da Comunidade Quilombo Kalunga, em Goiás, no prazo de 90 dias. A área abarca parte dos municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre de Goiás. O acórdão atendeu a um pedido do Ministério Público Federal (MPF) e foi publicado na última segunda-feira (2/9).
A desocupação de um imóvel deverá ser feita em 90 dias. Ao final do prazo, a reintegração de posse em favor da comunidade quilombola deverá ser efetivada.
Segundo a decisão do TRF1, o agravante alegava ser proprietário do imóvel objeto da disputa e que não haveria justificativa para a reintegração de posse em favor da comunidade tradicional. No entanto, no parecer do MPF, constam nos autos provas de esbulho (privação ilegal e total da posse do bem) possessório das terras. O tribunal deu urgência em assegurar os direitos fundamentais dos Kalungas.
O procurador regional da República Felício Pontes Jr., afirma que a Comunidade Kalunga vive diariamente uma situação real de invasões, esbulhos e ameaças, tanto por parte de proprietários – possuidores e detentores de terras particulares (ainda não desapropriadas) encrustadas em seu território –, quanto por parte de terceiros que não possuem qualquer relação com as terras, mas que mesmo assim as invadem.
“Várias são as notícias de invasão do território Kalunga por pessoas não quilombolas, algumas delas armadas, com o objetivo de fixar residência em determinadas áreas de seu interior e de derrubar a vegetação nativa”, esclarece o procurador.
O outro lado do paraíso
Em agosto, o Metrópoles mostrou as dificuldades da comunidade Kalunga, em Cavalcante. O município conta com 3 mil estradas vicinais, mas apenas 11 km são pavimentados. A reportagem especial “O outro lado do paraíso” mostrou que a falta de estradas compromete, ainda, o acesso à saúde, a benefícios sociais e viola o direito de ir e vir de um povo que vislumbra cenas paradisíacas ao acordar, enquanto lida com a falta de infraestrutura básica.
O Metrópoles percorreu 1.411 km para traçar um panorama da vida de pessoas que têm direitos básicos violados diariamente, porque estão ilhadas no alto de serras e em áreas rurais. São histórias de crianças que percorrem 200 km por dia para chegar à escola mais próxima, o que implica trocar o dia pela noite e engolir – literalmente – uma boa quantidade de poeira ao longo do trajeto. Há relatos de gestantes que deram à luz sem qualquer auxílio médico, porque estavam longe demais para serem atendidas a tempo.
O lamento de uma filha que perdeu a mãe, morta no único transporte público para o quilombo: um pau de arara. Histórias de um povo que atesta que até mesmo o paraíso é desigual.