metropoles.com

Jovens do socioeducativo farão curta-metragem sobre indígena Galdino

Curta-metragem ficcional, aprovado em edital da Lei Paulo Gustavo, está na fase inicial do desenvolvimento e deverá ser lançado em dezembro

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)
Gomem e uma mulher de costas para a câmera com uniforme do sistema socioeducativo e um homem de cocar em foco
1 de 1 Gomem e uma mulher de costas para a câmera com uniforme do sistema socioeducativo e um homem de cocar em foco - Foto: Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)

Há 27 anos, na madrugada do dia seguinte ao Dia dos Povos Indígenas e na véspera do Aniversário de Brasília, uma tragédia afastou todo o clima de celebração da capital federal. Galdino Jesus dos Santos, liderança do movimento indígena do país e então cacique do povo Pataxó-Hã-Hã-Hãe, foi queimado vivo, por cinco jovens de classe média alta do Distrito Federal, enquanto dormia.

O crime sem propósito é uma mancha permanente na história não só do DF, mas de todo o Brasil, e tornou-se um caso emblemático em todo o mundo. O choque permanece até os dias de hoje não só pela crueldade do ato, mas pela impunidade dos autores: todos os cinco participantes do assassinato de Galdino hoje são servidores em diferentes órgãos públicos, com salários que giram em torno de R$ 15 mil.

Garantir que o episódio daquele sábado 20 de abril de 1997, e o líder do povo Pataxó-Hã-Hã-Hãe, não caia no esquecimento é uma batalha disputada arduamente por lideranças indígenas, agentes públicos de diferentes órgãos e movimentos sociais nacionais e internacionais.

O Centro de Atendimento Socioeducativo de Luziânia (Case), município do Entorno do Distrito Federal, junta-se a esse movimento, com o projeto de um curta-metragem que pretende imortalizar a memória de Galdino por meio da sétima arte. O filme, aprovado em edital deste ano da Lei Paulo Gustavo, ganhará vida pelo trabalho dos adolescentes integrantes do Case, orientados pelo agente socioeducativo e cineasta Junior Cette.

“O principal objetivo é colocar esses adolescentes, que vêm de um contexto de marginalização, diante de uma arte que é elitizada e mostrar que o jovem marginalizado pode produzir essa arte, que tem o poder de convencer as pessoas que estão assistindo. Convencer e mudar a mentalidade do público a respeito de um caso que impactou o DF e o Entorno e dar importância à luta da sociedade indígena”, diz o orientador do projeto.

Junior explica ainda que o filme não será um documentário, ou seja, a intenção não é fazer uma retomada dos fatos do caso de 1997. Pelo contrário, a intenção é, por meio da ficção, mostrar as pessoas que existem por trás das lutas e tragédias vividas não apenas por Galdino, mas por tantos outros indígenas.

“Quando o público acompanhar a história e os diálogos, vai se aproximar daquele personagem e se sensibilizar com histórias como as do Galdino”, completa.

O curta-metragem, que ainda está na fase inicial de desenvolvimento, pretende contar com a participação de, no mínimo, seis integrantes do socioeducativo, que irão assumir funções tanto de escrita e pesquisa quanto de produção audiovisual. Segundo previsto no edital, o filme deverá estar pronto em meados de dezembro.

Junto às atividades cinematográficas, os adolescentes terão uma experiência imersiva na Casa de Cerimônias Indígenas  Bahsakewii Yepá-Mahsã, localizada no Território Indígena do Noroeste. O espaço, que realiza desde cerimônias tradicionais indígenas até exposições e oficinas para o público em geral, é coordenado pelo cacique da comunidade Balaio, Álvaro Tukano, 71, que empresta o espaço e suas vivências como uma das lideranças à frente do movimento indígena nos anos 1980 e 1990 ao longa.

“As pessoas que estão encarceradas [seja em regime fechado ou no semiaberto, como é o caso dos jovens no socioeducativo] acabam cometendo algumas coisas pequenas e são tratadas como as pessoas mais perigosas na sociedade. Acham que todos os jovens têm que ser iguais, mas eles não têm as mesmas oportunidades. Eles [os jovens do socioeducativo] não têm as mesmas condições dos de classe alta. Eles muitas vezes não têm pai, mãe, o que comer ou esperanças para o futuro”, reflete Álvaro Tukano.

“Esse trabalho é muito importante, porque é fatal a situação do Brasil em relação à falta de educação e respeito às minorias. Eles acham que porque é ‘mendigo’, porque é ‘índio’, eles podem tacar fogo ‘brincando’. E enquanto o Galdino deixou órfãos e deixou uma história, as pessoas que fizeram aquilo continuam estudando, trabalhando e hoje são desembargadores”, completa o cacique.

4 imagens
Junior Cette e Marleide Borges conversam com Álvaro Tukano, liderança indígena e cacique da comunidade Balaio
Gravações ocorreram na Casa de Cerimônias Indígenas Bahsakewii Yepá-Mahsã, no Território Indígena do Noroeste
Jovens do sistema socioeducativo de Luziânia farão curta ficcional sobre indígena Galdino
1 de 4

Álvaro Tukano, 71, Cacique da comunidade Indígena Balaio e liderança indígena

Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)
2 de 4

Junior Cette e Marleide Borges conversam com Álvaro Tukano, liderança indígena e cacique da comunidade Balaio

Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)
3 de 4

Gravações ocorreram na Casa de Cerimônias Indígenas Bahsakewii Yepá-Mahsã, no Território Indígena do Noroeste

Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)
4 de 4

Jovens do sistema socioeducativo de Luziânia farão curta ficcional sobre indígena Galdino

Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)

 

Jovens no Socioeducativo

Em abril deste ano, o Metrópoles mostrou um levantamento do Observatório de Violência e Socioeducação do Distrito Federal que revelou que 73,14% dos jovens do sistema socioeducativo estão em lares com renda familiar entre um e três salários mínimos, enquanto 22,06% são de famílias ainda mais vulneráveis, com renda menor que um salário mínimo.

Além disso, o relatório aponta que 94,67% dos menores são moradores da periferia e do Entorno do DF. Desses, cerca de 54 jovens são do Entorno.

A agente socioeducativa e psicóloga Marleide Borges acredita que o cenário em que esses jovens estão imersos é marcado por desigualdades sociais e econômicas e, por isso, ela acredita que o projeto é importante por dar oportunidade de reflexão e diálogo entre dois grupos marginalizados.

“Se a gente for olhar onde a gente trabalha [nos centro socioeducativo], nós não vemos filhos de ricos lá, mas a gente sabe que eles também transgridem. Tanto que existiu um menor envolvido no assassinato do Galdino. Então o que a gente quer refletir a partir desse filme é que diante desses vários cenários, existe um pai, uma família, infâncias e uma memória que se perdeu nessa tragédia”, disse.

Assassinato do indígena Galdino

Era madrugada de sábado, 20 de abril de 1997, quando Galdino Jesus dos Santos, liderança do movimento indígena do país e então cacique do povo Pataxó-Hã-Hã-Hãe, dormia em uma parada de ônibus da 704 sul.

O cacique havia perdido o horário do toque de recolher da pensão onde estava hospedado após passar todo o dia 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, em eventos e passeatas na capital federal em defesa aos direitos dos 305 povos e comunidades originárias do Brasil.

Cinco jovens de classe média alta do DF avistaram Galdino enquanto andavam de carro pela W3 Sul e, segundo afirmaram à época, acreditaram que passava apenas de mais uma das pessoas em situação de rua do Plano Piloto de Brasília. Tomás Oliveira de Almeida, 18, Max Rogério de Souza, 19, Antônio Novely Cardoso Vilanova, 19, Gutemberg Nader Almeida Júnior, 17, e Eron Chaves Oliveira, 19, decidiram então queimar o cobertor com o qual Galdino dormia, para tirá-lo do sono no susto.

A brincadeira logo se tornou em tragédia, conforme as chamas de espalharam mais rapidamente do que os jovens previam. O cacique teve 95% do corpo queimado, incluindo queimaduras de terceiro grau – que atingem todas as camadas da pele e podem chegar aos ossos. O cacique morreu no dia 21 de abril daquele ano, aniversário da capital federal, no Hospital Regional da Asa Norte (Hran), referência no atendimento a vítimas de queimaduras no DF.

Quase um quarto de século após a tragédia, familiares de Galdino trabalham para manter viva a sua memória e ainda lutam pelos direitos que ele veio a Brasília reivindicar, quando acabou morto. O assassinato de Galdino continua a provocar repercussões nas ações cotidianas do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe.

“É uma história que para a sociedade está morta, mas segue viva e guardada dentro da gente. Reacender essa memória é viver a nossa história”, descreve Iglesio de Jesus Silva – de nome indígena Thyrry Yatsô –, sobrinho de Galdino, que tinha 11 anos quando recebeu a notícia da morte do tio.

5 imagens
Praça foi reinaugurada com o nome do indígena em abril de 2023
Indígena tira pichação de escultura em homenagem a Galdino
Fotografia do índio Galdino Jesus dos Santos é vista durante protesto contra a impunidade realizado por indígenas na Esplanada dos Ministérios, em 19 de abril de 2001
Em 8/11/2001, a índia pataxó Marilene Jesus dos Santos chora ao mostrar fotos do laudo de seu irmão, Galdino, durante protesto no terceiro dia do julgamento dos acusados do assassinato
1 de 5

Indígena Galdino

Reprodução
2 de 5

Praça foi reinaugurada com o nome do indígena em abril de 2023

Lúcio Bernardo Jr./Agência Brasília
3 de 5

Indígena tira pichação de escultura em homenagem a Galdino

Breno Esaki/Metrópoles
4 de 5

Fotografia do índio Galdino Jesus dos Santos é vista durante protesto contra a impunidade realizado por indígenas na Esplanada dos Ministérios, em 19 de abril de 2001

Joedson Alves/Estadão Conteúdo
5 de 5

Em 8/11/2001, a índia pataxó Marilene Jesus dos Santos chora ao mostrar fotos do laudo de seu irmão, Galdino, durante protesto no terceiro dia do julgamento dos acusados do assassinato

Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Iglesio se tornou historiador e reconstruiu a história de vida do tio e seu simbolismo dentro da comunidade em uma biografia premiada. “Continuamos lutando pela terra. Muitos indígenas foram assassinados antes e depois de Galdino, mas sem qualquer repercussão local ou nacional. A lembrança do ocorrido tem possibilitado fazer com que as demandas do passado se transformem em exigências do presente”, diz.

Enquanto isso, atualmente, quase 30 anos após o crime, os cinco participantes são servidores em diferentes órgãos públicos.

Saiba onde trabalham e quanto recebem:

  • Tomás Oliveira de Almeida, 45 anos, é técnico legislativo no Senado Federal e recebe salário de R$ 18 mil por mês;
  • Max Rogério de Souza, 46 anos, é analista judiciário no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e do Territórios (TJDFT) e recebe salário de R$ 17 mil por mês;
  • Antônio Novely Cardoso Vilanova, 46 anos, é servidor da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), lotado no Hospital Regional de Santa Maria (HRSM), e recebe salário de R$ 12 mil por mês;
  • Gutemberg Nader Almeida Júnior, 44 anos – e menor de idade à época do crime –, ocupa cargo de chefia na Polícia Rodoviária Federal (PRF) e recebe salário de R$ 12 mil por mês;
  • Eron Chaves Oliveira, 46 anos, trabalha no Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) e recebe salário de R$ 9 mil.

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comDistrito Federal

Você quer ficar por dentro das notícias do Distrito Federal e receber notificações em tempo real?