Jovem que levou 22 facadas no DF é ameaçado de morte e decide sair do país
Quase um ano após o brutal ataque, o jovem voltou a ser ameaçado nas ruas e nas redes sociais. Para sobreviver, pretende deixar o Brasil
atualizado
Compartilhar notícia
Cada golpe de faca tirou um sonho, um sorriso, um traço de Felipe Augusto Correia Milanez. O jovem gay de 24 anos foi vítima de um ataque de homotransfobia em Brazlândia, no ano passado. Sobreviveu a 22 facadas, mas perdeu parte de si e voltou a ser alvo de ameaças.
“Não sei nem mais o que é viver. O que aconteceu comigo me fez ter incerteza da minha identidade. Eles arrancaram tudo de mim. Cada golpe de faca arrancou uma qualidade, um defeito, tudo. Hoje, só estou existindo”, desabafou Felipe.
Depois do esfaqueamento, ele viveu momentos de terror ao rever os agressores nas ruas. Na primeira vez, o reencontro ocorreu em uma chácara, em uma confraternização de um colega.
“E essa pessoa (o agressor) chegou. Passei mal, travei e não conseguia respirar. Tive uma crise de pânico. A pessoa me viu, mas não fez nada. Meus amigos chegaram, me colocaram no carro e me levaram embora”, contou.
Ameaça
Em outro episódio, o jovem reviu outro agressor andando por Brazlândia. Seria um menor de idade. Mas o pior momento, segundo Felipe, ocorreu no dia em que foi cortar cabelo na rodoviária da cidade.
“Eles (os agressores) me viram. Ficaram ali todos, literalmente, na frente do salão me intimidando. O pessoal teve que abaixar a porta do salão”, denunciou.
Neste caso, Felipe pediu socorro para a 18ª Delegacia de Polícia (Brazlândia), responsável pela investigação do ataque de 2019. Agentes foram ao estabelecimento e retiraram o jovem do local em segurança.
Ódio
Felipe também foi alvo de ameaças nas redes sociais. Um perfil fake disparou ameaças. “Escreveu que ia me pegar”, relatou.
O jovem tirou prints e denunciou o caso à polícia. Ao chegar na delegacia para prestar o boletim de ocorrência, o perfil fake havia sido retirado da ar.
Felipe levou três facadas na cabeça, causando danos à sua memória. Atualmente, faz tratamento com psicólogo e psiquiatra. Ainda sofre com crises de ansiedade e evita caminhar sozinho.
Sem fé na Justiça
Diante das ameaças e do fato de os agressores continuarem soltos, o rapaz perdeu a fé e a confiança na capacidade da Justiça. Ele diz não ter mais residência fixa, mudou-se de Brasília e, em breve, deixará o Brasil, para recomeçar a vida.
A mãe, Jamile Correia, 50 anos, vive adoecida, triste, com medo de acontecer um novo ataque. Para Felipe, infelizmente, não há outra opção. “Eu vou deixar todo mundo para trás a fim de conseguir uma vida nova. Vou ter de me desfazer de tudo que consegui até hoje para ter uma oportunidade de conseguir respirar, viver”.
Treze soltos
Pelas contas de Jamile, 14 pessoas atacaram Felipe, entre eles havia dois menores de idade. Deste grupo apenas uma está presa. Nas palavras da mãe do rapaz, o caso está sendo tratado com descaso pelas autoridades.
“Aqui no Brasil meu filho não vive. A vítima se tornou o detento”, desabafou. Segundo Jamile, é inexplicável por que os agressores continuam soltos.
“Se fosse filho de um deputado, um governador, alguém rico, fariam alguma coisa. Mas é só uma pessoa comum. É só o Felipe, filho da Jamile”.
Homotransfobia
O drama de Felipe é acompanhado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF (CLDF). Segundo o deputado distrital Fábio Felix (PSol), o DF tem se destacado nacionalmente nos crimes de homotransfobia.
“Proporcionalmente, entre 2011 e 2018, nós estivemos na liderança nacional no que diz respeito a denúncias de violência contra a população LGBTI+ e isso tem que acabar”, alertou o parlamentar.
“O Filipe teve que abandonar a casa e a cidade onde vivia; teve que abandonar a família e os amigos para continuar vivo. Saiu fugido do DF como se ele que tivesse cometido um crime. A LGBTfobia é algo atroz e que traz consequências muitas vezes insuperáveis” afirmou Felix.
Outro lado
Segundo a Polícia Civil do DF (PCDF), o caso de Felipe foi encerrado. O inquérito foi encaminhado para o Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT).