Investigada por assédio moral, deputada Sandra Faraj apresenta atestados e não depõe
Ministério Público do Trabalho apura denúncias contra distrital evangélica, acusada de supostamente perseguir funcionários por motivos religiosos na administração do Lago Norte. Mas ela não compareceu quando foi convocada para esclarecer situação
atualizado
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Qual limite separa a prática da fé do exercício do assédio moral? Essa é uma pergunta para a qual o Ministério Público do Trabalho (MPT) no Distrito Federal busca resposta sobre um caso envolvendo a distrital Sandra Faraj (SD). A deputada de primeiro mandato é investigada em um processo inusitado.
Evangélica atuante, a parlamentar foi acusada de forçar ex-funcionários da Administração Regional do Lago Norte, que chefiou entre 2013 e 2014, a frequentarem cultos da religião dela. Segundo denúncias de ex-subordinados, Sandra teria impedido que eles usassem símbolos de crenças diferentes à dela no trabalho e até exonerado comissionados de outras religiões. É uma história mesmo de arrepiar, que a distrital nega veementemente. Mas, em vez de se explicar, ela tem fugido dos depoimentos feito o diabo da cruz.Segundo o MPT, a parlamentar deixou de comparecer pelo menos três vezes para depor. Uma das justificativas era de que estava doente. Convocada somente como testemunha, apresentou atestados que não justificam a ausência dela. Despacho da procuradora Renata Coelho, que investiga as denúncias, afirma que os motivos alegados não seriam suficientes para impedir os depoimentos.
Como gestora de órgão público, Sandra figura como testemunha na ação do MPT, que tem como principal investigado o Governo do DF, a quem ela representava como administradora regional.
Pela legislação, o assédio moral é configurado pela exposição dos trabalhadores a situações humilhantes, constrangedoras e repetitivas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.
O Metrópoles teve acesso a um mandado de segurança sobre o processo, que corria em segredo de Justiça. Nele, o MPT afirma que as investigações ficaram suspensas por mais de dois meses por causa da ausência de Sandra Faraj.
Segundo consta no mandado de segurança, a equipe da então administradora fazia culto no local de trabalho e quem se recusava a frequentar era excluído do espaço físico e perseguido. O atual administrador de Taguatinga, Ricardo Lustosa, também é alvo do inquérito do MPT, pois era chefe de gabinete dela.
“Situação desumana”
Em outro trecho, a denúncia relata transferência de servidores para outro setor por causa da religião: “Retiraram os servidores das antigas acomodações no segundo andar do edifício e no térreo. (Os servidores da topografia) foram lotados numa sala sem iluminação e ventilação natural e com a divisão com a sala do servidor de computadores. A situação é desumana e poucos se importam”.
A distrital nega as acusações. “Isso é perseguição religiosa. Eu não interfiro na religião de ninguém porque o que me interessa é o perfil técnico”, afirmou. Ela disse acreditar que as denúncias tenham partido de um grupo “que ficou insatisfeito” após a administração dela ter sido “dura com muita coisa que não estava funcionando bem”. Ricardo Lustosa não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Sobre os atestados, o advogado da distrital, Bruno Alvim, afirmou que em nenhum momento a Sandra Faraj fugiu das obrigações com o MPT. “Ela tomou medicação que impedia a locomoção dela. Os prontuários estão à disposição”, garantiu.
Público x privado
O caso de assédio moral na Administração Regional do Lago Norte é um dos sete que chegaram neste ano à Corregedoria da Controladoria-Geral do DF, de acordo com uma relação obtida pelo Metrópoles por meio da Lei de Acesso à Informação.
No MPT, as suspeitas são investigadas pela procuradora Renata Coelho. Como está à frente da ação, ela não quis comentar detalhes do caso, mas aceitou falar de forma genérica sobre o assédio moral. Segundo ela, as características de assédio dentro da administração pública são diferentes das registradas em empresas privadas.
Enquanto no ambiente privado os abusos envolvem a exigência de metas e jornada excessiva, no serviço público as situações têm viés político. “O assédio funciona como uma limpeza de quadro, ou porque o trabalhador tem uma religião diferente ou porque não gosta de trabalhar com mulheres, por exemplo”, diz a procuradora.
O administrador faz pressão suficiente para que o funcionário se sinta impossibilitado de continuar ali, afetando o ambiente
Denúncias
Para a procuradora, as ocorrências são subnotificadas porque dificilmente a vítima chega, de fato, a denunciar o abuso, por medo de retaliação do chefe. A maior parte só decide expor a situação quando deixa o emprego. “Quando o caso chega até aqui, é de gente que vem sofrendo assédio há muito tempo”, diz Renata Coelho.
A maioria dos casos de assédio sofridos por servidores públicos não ocorre de forma individual. Eles afetam, principalmente, comissionados e terceirizados. “Como eles podem ser mandados embora a qualquer momento, podem sofrer retaliação interna”, conta a procuradora.
Represálias
Uma represália comum é transferir o servidor para uma área que ele não gosta. “No fundo, o administrador público tem que lembrar que ‘está’ administrador e não é proprietário daquele emprego. Ele é um servidor público”, acrescenta a procuradora do Ministério Público do Trabalho.
Renata Coelho sugere ao governo a criação de formas para registrar denúncias que ocorrem no próprio GDF. “O governo precisa de meios mais eficazes e transparentes de apuração interna de denúncias”, pontuou. “Houve alguns casos em que tivemos até dificuldade de intimar representantes do GDF para depor.” O corregedor-geral do DF, Elomar Bahia, negou que haja “leniência” por parte do governo.
Bahia disse que o órgão tem dado “pleno acesso a assediados e buscado parceria com o Ministério Público”. “A gestão atual, que busca prevenir casos de assédio moral, atuou para permitir todo o acesso no limite daquilo que é exigido pelo sigilo”, afirmou.
Em um ponto, o corregedor e a procuradora concordam. Eles acreditam que a Justiça deveria penalizar o autor do assédio moral em vez de cobrar indenização apenas do órgão em que o caso ocorreu. “Hoje, na prática, é o povo que paga pelo assédio, não o gestor”, explicou a procuradora.
“É interessante que o responsável responda pelos atos cometidos. Mas, por outro lado, há que se considerar que, às vezes, o interessado opta por litigar a administração para evitar o contato mais direto com o assediador”, ressaltou Bahia.