Inspeção aponta falhas no uso de R$ 2 mi na assistência social do DF
Os contratos com as associações têm uma série de lacunas. Enquanto isso, os CRAS estão sem profissionais para o atendimento ao público
atualizado
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Quem precisa de assistência social no Distrito Federal é vítima da falta de vagas, enormes filas e da indisponibilidade de insumos e serviços. Quando conseguem atendimento nos Centro de Referência de Assistência Social (Cras), os usuários ainda enfrentam uma lista de espera, hoje de 200 pessoas. A carência de recursos e de pessoal estão no centro das justificativas para o mau andamento do setor. Porém, a ausência de controle dos contratos vigentes e de gestão das casas de atendimento abrem lacunas sobre o uso dos recursos públicos.
De 2013 a 2017, duas associações, a Casa Santo André e a Casa Azul, mantiveram contratos com o Governo do Distrito Federal (GDF). No entanto, dois anos após o encerramento de alguns convênios, o Executivo não consegue comprovar como foram gastos cerca de R$ 2 milhões. Além disso, a confusão nos termos de colaboração firmados com as entidades não possibilita a fiscalização eficaz do cumprimento das metas estipuladas.
Relatório da Controladoria-Geral (CGDF), concluído em fevereiro e disponibilizado em maio deste ano, mostra análise de 10 contratos com as associações. Somente com a Casa Santo André foram celebrados quatro convênios e dois termos de colaboração, no valor de R$ 38,5 milhões em 4 anos. Desses, R$ 1,8 milhão não foram comprovados com notas fiscais pela extinta Secretaria de Estado de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Sedestmidh).
Embora a CGDF tenha afirmado que falta encaminhamento dos documentos por parte da Casa Santo André, localizada no Gama, a presidente da instituição, Fabiana Moraes, afirmou ao Metrópoles ter apresentado por reiteradas vezes os documentos solicitados. “Para receber a verba, nós tínhamos que apresentar nota todo mês. Então, como não há comprovação?”, questionou.
Segundo ela, corre na Justiça algumas ações para resolver a situação. “Fomos injustiçados de todas as formas. Havia um gestor da secretaria dentro da casa para verificar os serviços. Todos os atendimentos foram mostrados, mas eles ignoraram nossa defesa.”
Casa Azul
No caso da outra conveniada, segundo a Controladoria, o GDF usou recursos públicos para pagar por acolhidos que nem sequer estavam sendo atendidos. À época, a instituição era responsável pelo acolhimento de 1.450 crianças e adolescentes de seis a 17 anos. O custo mensal por pessoa correspondia a R$ 273,32. No entanto, a Sedestmidh não dava baixa no sistema quando a entidade comunicava o desligamento de um dos atendidos.
A falta de gestão provocou dois problemas: o pagamento indevido por pessoas que não eram atendidas; e o travamento de vagas que deveriam estar disponíveis. Assim, de acordo com a auditoria, somente nas unidades de Samambaia, Samambaia Expansão e Riacho Fundo 2, entre fevereiro e março de 2017, 108 vagas ficaram ociosas, um possível prejuízo ao Tesouro Distrital de R$ 29,5 mil.
A secretaria foi comunicada três vezes e chegou a responder, em novembro de 2017, às reclamações da Controladoria. O órgão disse que os CRAS não tinha condições operacionais de fazer os desligamentos de maneira imediata por falta de pessoal. Deste modo, informaram que as baixas só eram feitas quando ocorria uma nova vinculação. Veja trecho da inspeção:
Segundo o órgão de controle, a Sedestmidh foi avisada que o procedimento deveria mudar, mas a pasta voltou a responder que faltava pessoal e estava realizando concurso para sanar o problema. A reportagem foi até a Casa Azul e ouviu os gestores da associação.
A coordenadora da entidade, Iracema Moreira, afirmou que envia mensalmente os relatórios ao órgão, que na atual gestão passou a se chamar Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedes). “A cada 30 dias, informamos quais são nossas atividades e qual foi a presença de cada aluno”, disse.
Segundo Iracema, quando um aluno tem mais de cinco faltas dentro de um mês, os assistentes sociais da casa procuram saber o motivo. “Tentamos contato com a família. Caso não haja mais o interesse em estar conosco, fazemos uma sugestão de desligamento e encaminhamos à secretaria”, completou.
A partir daí, diz a coordenadora, o órgão precisa organizar a saída da criança e a entrada de outra. “Às vezes demora essa substituição. Nós não podemos fazer por conta própria. Então, precisamos esperar pela ação deles.”
Prejuízos
O resultado da falta de controle e de informações, segundo a inspeção da CGDF, é a falta de atendimento a crianças e adolescentes em vulnerabilidade social, a baixa ocupação das unidades conveniadas, o desvio de finalidade de aplicação de recursos, a não execução do objeto pactuado e a possibilidade de prejuízo ao erário.
Hoje, os Cras, portas de entrada da assistência social no DF, não conseguem sequer atender à população. A reportagem foi à unidade do Riacho Fundo 2 para verificar o atendimento, mas ela estava fechada para reunião interna. A prática ocorre às sextas-feiras para deliberações. Veja a foto:
Em dezembro, o Metrópoles mostrou dezenas de pessoas esperando por atendimento. Em Samambaia Sul, Riacho Fundo e Santa Maria, elas dormiam na fila. A carência do serviço foi justificada pela falta de funcionários nas 27 unidades existentes.
A situação continua a mesma, segundo o presidente do Sindicato dos Servidores da Assistência Social e Cultural do Governo do Distrito Federal (Sindsasc), Clayton Avelar. “No Cras da Fercal, nesta sexta-feira (10/05/2019), por exemplo, havia um profissional para atender o público. Em Planaltina, a única especialista está de licença médica e não tem especialista para atender. Essa é nossa situação”, lamentou.
O sindicato é contra a realização de convênios com entidades para acolhimento da população em situação de vulnerabilidade. “Esses R$ 2 milhões que não há comprovação poderiam ser usados para melhorar as estruturas dos Cras, por exemplo. Podíamos ter o básico, como internet”, ponderou.
Atendimento
Nos Centros de Referência, a população em situação de vulnerabilidade e risco social recebe atendimento do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif). Por meio dele, as pessoas podem acessar outros serviços, benefícios, programas e projetos socioassistenciais.
O Metrópoles divulgou recentemente que mais de 20 mil famílias cadastradas no Benefício de Prestação Continuada (BPC) ainda precisam entrar no Cadastro Único (CadÚnico) do Governo Federal, até 31 de dezembro, sob risco de perder o benefício. O agendamento, feito pelo número 156, não tem sido eficiente.
A atual gestão da secretaria não havia respondido à demanda da reportagem até a última atualização dessa matéria.
O outro lado
Em nota, a Secretaria de Desenvolvimento Social informa que o Relatório de Inspeção emitido pela Controladoria-Geral do Distrito Federal “ainda está sendo analisado pelas áreas responsáveis nesta pasta”. “om relação às prestações de contas apresentadas dos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, foi realizada uma primeira análise onde ainda cabe o direito de resposta da instituição e a reanálise das documentações a serem apresentadas”.
Além disso, alega que a instituição em questão teve a sua inscrição cancelada junto ao Conselho de Assistência Social do Distrito Federal – CAS.”Diante disto, o Termo de Colaboração nº 42/2016 foi rescindido em 28/12/2018 e seu extrato de rescisão foi publicado no DODF Nº 24, 4 de fevereiro de 2019, p. 24. Desta forma, os repasses à instituição foram suspensos desde então”.
Segundo a secretaria, “a instituição que celebrou parceria para suportar os serviços prestados pela Casa Santo André é o Instituto Inclusão e o valor global do Termo de Colaboração para a prestação deste serviço por 60 meses é de R$ 35.157.623,80. Os 27 CRAS estão em pleno funcionamento, onde são referenciadas mais de 5 mil famílias em situação de vulnerabilidade em cada unidade. Desemprego, moradia irregular, insegurança alimentar e outras violações de direito são os principais problemas verificados nas unidades”.