Insegurança no Setor Comercial Sul afeta cotidiano de trabalhadores
Na parte central de Brasília, assaltos e tráfico de drogas amedrontam os frequentadores de uma das áreas mais movimentadas do DF
atualizado
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No coração da capital, quem frequenta e trabalha no Setor Comercial Sul (SCS) é obrigado a lidar com os problemas de infraestrutura e insegurança em uma das áreas mais movimentadas de todo o Distrito Federal. O vaivém na região, que abriga shopping center e milhares de salas comerciais, é reduzido com a chegada da noite, quando os perigos aumentam. O empresário do ramo de obras Ailton Martins, 62 anos, que há quatro décadas está instalado no local, resume a sensação: “Quando as luzes dos postes se acendem, aqui vira terra de ninguém”.
Nesta reportagem do DF na Real, o Metrópoles aborda as principais reclamações feitas pelos frequentadores do SCS, onde uma moça de 19 anos, moradora de rua, morreu esfaqueada na tarde do último dia 23, uma segunda-feira. Tomados pelo medo, comerciantes e trabalhadores relatam os episódios de violência presenciados ou vivenciados por eles. O temor da população é reforçado pelos números registrados pela Secretaria de Segurança Pública e Paz Social do DF (SSP).
Balanço da pasta aponta que, entre janeiro e setembro deste ano, pelo menos 121 pedestres foram assaltados na região. O roubo de celulares é o tipo mais comum de ocorrência. Na capital, a média é de 140 aparelhos celulares roubados por dia, de acordo com dados da SSP. Só até agosto, 33.818 telefones haviam sido levados por bandidos.
O empresário Ailton Martins quase entrou para as estatísticas. Recentemente, o homem foi alvo de uma tentativa de assalto, mas conseguiu evitar o crime. “Vinha andando distraído, quando o ladrão pegou meu celular e correu. Na hora, nem pensei direito: corri atrás do assaltante e consegui recuperar meu telefone na altura da Galeria dos Estados.”
Na avaliação de Ailton, da lista de problemas do Setor Comercial Sul, a violência é o principal. “Se tem algo que pede urgência por aqui é a questão da insegurança”.
A reclamação de Ailton é a mesma de Guilherme Meireles, que trabalha em uma lotérica. Ele também já presenciou “momentos assustadores”, como quando uma idosa teve a bolsa roubada por um usuário de drogas. “Muitos chegam alterados, intimidando clientes. Já presenciei até uma briga entre eles”, conta.
Priscila Araújo, 28 anos, trabalha em um dos prédios do SCS e diz não saber como “ainda não foi assaltada”. Para a moça, presenciar um roubo é “mais que rotineiro”. “Amigos meus já se queixaram de terem os celulares roubados. Sabemos que a região é perigosa. A partir das 17h30, começa a ficar tenso por aqui”, explica.
Segundo a Polícia Militar, a corporação tem policiais escalados durante todos os turnos do dia em um posto de segurança comunitária estrategicamente posicionado. Uma viatura apoia os militares e rondas são promovidas de maneira rotineira. No entanto, a presença da PM não é suficiente para controlar os altos índices de criminalidade no local.
Buraco do Rato
Priscila também teme outra prática recorrente na área, alvo de inúmeras queixas: o tráfico de drogas. Segundo ela, a maioria dos crimes é cometida por usuários de entorpecentes. O fluxo intenso de pessoas é um fator facilitador para a prática, concentrada principalmente durante o período noturno, no chamado Buraco do Rato, na Quadra 5. O conjunto de ruas sem saída é escuro e abriga moradores de rua.
Na tarde de quinta-feira (1°/11), sob condição de anonimato, uma moradora do Buraco do Rato e usuária de drogas se dispôs a conversar com a reportagem. Ela confirmou que compra a droga no próprio Setor Comercial Sul, mas negou as reclamações de violência. “Todo lugar é perigoso. Dentro da sua casa é tão violento quanto aqui. Não acredito que isso seja verdade”, diz. “Vivendo um dia de cada vez” e fazendo o possível para “sobreviver às 24 horas do dia”, ela mora no espaço desde 2013.
Homicídios
Somente em outubro, o Buraco do Rato foi palco de dois homicídios. O primeiro deles aconteceu no início do mês, quando um homem morreu após ter sido esfaqueado. Segundo testemunhas e amigos, o rapaz era conhecido como Wallace e tinha 21 anos. A vítima morava na rua e já havia sido presa por roubo. Ele levou uma facada no lado direito das costas.
Duas semanas depois, também a facadas, Tânia de Cassia Rodrigues da Silva, 19 anos, foi encontrada caída por pedestres. Ela chegou a ser encaminhada para o Instituto Hospital de Base (IHB), mas não resistiu aos ferimentos.
Um mês antes de morrer assassinada, Tânia foi presa por tentativa de homicídio, também no SCS, perto da Boate Star Night. Ela tinha tentado tirar a vida de outra mulher.
Infraestrutura precária
Auxiliar de serviços gerais de um dos prédios, Pedra Lúcia, 53 anos, trabalha no SCS e comenta: “Lá não é Buraco do Rato à toa”. A maior queixa dela é quanto à falta de lixeiras para descarte dos resíduos produzidos pelos empreendimentos comerciais e edifícios residenciais do espaço. “Sem lixeira, as pessoas jogam o lixo no chão, o que atrai os ratos”, conta.
A opinião é compartilhada pelo dono de um restaurante, Eustáquio Silva, 73 anos, que culpa os bueiros da região pela “infestação de ratos”. “Os bueiros ficam abertos, os ratos saem e corremos o risco de cair no buraco. É terrível, eles ficam rondando a lanchonete, mas não conseguem entrar porque fazemos de tudo para evitar. Colocamos grades com aberturas pequenas, veneno e fazemos vistoria cotidianamente.”
O grande fluxo de veículos é outro problema para quem frequenta a região. Adoniran Freitas, 56 anos, se queixa dos estacionamentos, incapazes de suportar a quantidade de carros do espaço. Sem locais para atender a alta demanda, ele tem usado o transporte público para chegar ao SCS.
É o que eu preciso fazer, caso contrário perco maior parte da minha manhã procurando por uma vaga. Ficamos à mercê dos guardadores de carro, mas nem sempre podemos confiar. Já vi alguns veículos serem roubados
Adoniran Freitas, advogado
Iniciativas
Enquanto o poder público falha em implementar soluções, um grupo trabalha na revitalização do Setor Comercial Sul como polo de desenvolvimento do DF há pelo menos três anos. O coletivo No Setor, dos sócios Caio Dutra, Felipe Velloso e Ian Viana, tem trabalhado para explorar positivamente a participação cotidiana do setor. “Historicamente, o lugar carrega esse estigma de crimes e violência, mas representa também um potencial muito grande para o desenvolvimento do DF”, afirmou Caio Dutra.
Assim, o grupo já desenvolveu projetos, como o Setor Carnavalesco Sul, que levou a folia para mais de 30 mil pessoas; o Setor Criativo Sul, que mantém painéis, palestras, oficinas e outras atividades na região; além de feiras, festas e um programa de turismo para apresentar as atrações do local.
Para o coletivo, o SCS tem a seu favor fatores importantes para a transformação que se almeja, como a localização central, a circulação diária de milhares de pessoas e possibilidades diversas de acesso. Eles trabalham para transformar a área em centro de desenvolvimento turístico, cultural, econômico e socioambiental.
Propostas
Procurado pela reportagem para dizer quais são os planos para a região, o governador eleito Ibaneis Rocha (MDB) reconheceu que o SCS é uma área com muitos problemas. “Tem a segurança, a manutenção, a reconstrução… A primeira coisa a fazer é recuperar calçadas e praças, além de melhorar a iluminação pública”, afirmou.
“Aqui está tudo abandonado. Podemos fazer um espaço cultural. Hoje, inclusive, já está sendo utilizado para esse fim, graças à iniciativa privada. Vamos incentivar”, acrescentou. Ainda segundo o emedebista, “a segurança é o ponto mais sensível da região, e vamos reforçar isso. Com segurança e os espaços livres recuperados, a população vai redescobrir o SCS”, finalizou.