Infância ferida: conselhos tutelares do DF registram 25 mil denúncias
Falta de vagas em creches, evasão escolar, agressão e abuso lideram ranking de denúncias nos órgãos criados para proteger meninos e meninas
atualizado
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Evasão escolar, abuso sexual, trabalho infantil, falta de vagas em creches, abandono afetivo. Essas são algumas das violações de direitos que milhares de crianças do Distrito Federal sofrem diariamente e que chegam às 40 unidades dos conselhos tutelares da capital. Somente de janeiro a junho deste ano, foram 24.549 reclamações. São, em média, 136 por dia ou cinco a cada hora.
Os números constam em um relatório elaborado pela Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude e servem de alerta neste 12 de outubro, dia em que é celebrada essa importante etapa da vida, a infância.
Do total de casos, 10,4 mil estão relacionados ao desrespeito a direitos como educação, cultura, esporte e lazer. A falta de vagas em creches e a evasão escolar alavancam os dados. As denúncias incluem ainda outros temas: direito à vida e à saúde; liberdade, respeito e dignidade; convivência familiar e comunitária; profissionalização e proteção no trabalho.Com 48 mil habitantes e renda familiar baixa (R$ 2.691,78 mensais), o Paranoá é a região administrativa onde os servidores receberam o maior número de denúncias relacionadas à educação. Foram 1.741 queixas no período analisado. A unidade sul do Conselho Tutelar de Santa Maria vem logo em seguida, com 765.
Moradora de Santa Maria, a auxiliar de serviços gerais Ana Augusta, 64 anos, recorreu aos conselheiros para conseguir vaga na rede pública para os três netos: Matias Gabriel, 6 meses, Davi Lucas, 1 ano e 6 meses, e Matheus Henrique, 2. “As mães querem voltar a trabalhar e não conseguem. Quando ligamos no telematrícula, nos informam que há 5 mil pessoas na nossa frente”, reclama.
Atualmente, 11 mil crianças com até três anos esperam por vagas em creches públicas. É o caso da recepcionista Valdéria da Silva Lima, 39, que, desde o início de 2017, luta para conseguir matricular o filho Miguel Salomão, de 1 ano. “Procurei a Regional de Samambaia no começo do ano e pediram para esperar. Fico bastante chateada com essa situação”, ressalta.
De acordo com Perla Ribeiro, subsecretária de Políticas para Crianças e Adolescentes, a defasagem de vagas na rede pública do Distrito Federal é histórica. “Os conselhos acabam atendendo muitos casos de falta de acesso à escola e abandono escolar, mas tivemos uma melhora neste governo e sempre trabalhamos para suprir a carência”, diz.
A Secretaria de Educação informa que, entre 2015 e 2017, o GDF inaugurou 19 unidades de educação infantil. São, ao todo, 17,7 mil alunos matriculados em 45 Centros de Educação da Primeira Infância (CEPIs) e em 59 instituições conveniadas. Mesmo assim, ainda há falta de vagas para crianças com até três anos, mas, segundo a pasta, na pré-escola, a meta está sendo cumprida.
Quanto à evasão escolar, a secretaria destacou que, do 1º ao 5º ano do ensino fundamental, por exemplo, a taxa é de 0,35%, menor que o índice de referência fixado para 2016 – de 0,61%.
Esse é um direito que já foi violado lá atrás. Normalmente, essas crianças ficam em casa sozinhas ou com o irmão mais velho. A gente traz as famílias e as orienta. Persistindo (a evasão), adverte e encaminha à Justiça para que voltem à escola
Eduardo Rezende, conselheiro tutelar em Ceilândia Sul
Violência
Também são recorrentes as situações de violência contra meninos e meninas, como explica Ana Maria da Mata Soares, conselheira da Unidade I do Gama. “Temos ido às escolas para falar de prevenção, explicar às crianças o que pode e o que não pode, o toque saudável do adulto, como um abraço e aperto de mão, e o abusivo”, afirma.
A unidade do Conselho Tutelar do Paranoá é que mais registra abusos e agressões contra crianças. Foram 956 nos primeiros seis meses deste ano. Em São Sebastião, os servidores receberam 644 casos dessa natureza no mesmo período.
Diante de tantas denúncias, os conselheiros esbarram na falta de estrutura. Em Santa Maria, a lista é grande, conforme explica Izaquiel Souza. “A grande dificuldade é a carência geral de serviços públicos. Há ainda problemas como falta de celulares para atendimento e carros quebrados”, garante o servidor da unidade instalada na região administrativa.