Incêndios: morte de 3 brigadistas em 3 dias revela riscos da profissão
Brigadistas Uellinton Lopes, do DF, Saulo e Gerci, de SP, morreram combatendo incêndios. Sindicatos reclamam da falta de condições
atualizado
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A morte de três brigadistas florestais durante combate a incêndios em menos de cinco dias revela um cenário de risco na profissão. Em 26 de agosto, o corpo do brigadista do Distrito Federal Uellinton Lopes, 39, foi encontrado carbonizado. Ele combatia uma queimada no Xingu. Já Saulo Oliveira, 48, e Gerci Junior, 30, morreram apagando o incêndio em pasto próximo a uma usina no interior de São Paulo, em 23 de agosto.
Os três casos têm em comum profissionais, treinados para lidar com o fogo, mortos durante o trabalho, e também apontam para a periculosidade no serviço. Relatos de trabalhadores que sofrem graves queimaduras no meio de nada, sem comida e água para beber, além da falta de equipamentos adequados.
“As pessoas não sabem a rotina do brigadista lá no campo”, diz o presidente do sindicato dos brigadistas do DF, Odair Trindade. “A gente chega a andar o dia inteiro para chegar numa linha de fogo ou o helicóptero deixa lá e vai buscar um ou dois dias depois. Como é a alimentação desse povo lá? É um trabalho muito insalubre, trabalhar na montanha, no meio do Pantanal, trabalhar no Cerrado”, defendeu Trindade.
“As notícias e os relatos são sempre com número de focos de incêndio, mas poucas vezes são com o recurso humano, o pessoal que está lá. Para cada foco, há uma equipe se arriscando para apagar o incêndio”, completou.
De acordo com o painel do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de janeiro até agosto deste ano, foram monitorados 5404 focos de incêndio. O sindicato reclama que a categoria não é regulamentada e que os contratos são feitos como temporários.
Brigadistas florestais X Bombeiro civil
Trindade defende que não há um outro sindicato de brigadistas florestais e que há uma diferença entre a profissão e a de bombeiros civis. Segundo ele, a seleção para brigadista florestal pode incluir a análise florestal, teste de aptidão física, teste de habilidades na utilização de ferramentas agrícolas.
Já o bombeiro civil, segundo ele, é um profissional capacitado para atuar em serviços de prevenção e de atendimentos de emergências em edificações privadas ou públicas
Por outro lado, o Sindicato dos Bombeiros Civis do DF (Sindibombeiros) defende que a categoria faz parte, já que a Lei nº. 11.901,de 2009, define como bombeiro civil “aquele que, habilitado exerça, em caráter habitual, função remunerada e exclusiva de prevenção e combate a incêndio, como empregado contratado diretamente por empresas privadas ou públicas, sociedades de economia mista, ou empresas especializadas em prestação de serviços de prevenção e combate a incêndio”.
Para o Sindbombeiros, a nomenclatura diferente atrapalha para conseguir direitos à categoria. O presidente do sindicato dos brigadistas florestais contesta a informação. “A Lei 11.901 não é nossa realidade”, disse Trindade. “Simplesmente eles não nos representam”, completou.
Apesar das diferenças em pontos de vista, os dois concordam que os trabalhadores dessa categoria sofrem com baixos salários e condições de trabalho.
Condições de trabalho
O Instituto Chico Mendes (ICMBio) conta com 901 brigadistas ativos, distribuídos nas 27 unidades da federação. Os contratados estão divididos em três níveis. O nível 1 recebe como pagamento um salário mínimo e acrescido R$ 1 mil em alimentação. No nível 2 e nível 3, o salário é de R$ 2.118 e de R$ 3.530, respectivamente. Em todos os casos, o benefício para alimentação é de R$ 1 mil.
O instituto não informou a quantidade de registro de acidentes no trabalho neste ano, mas alegou que há adicionais de insalubridade, periculosidade, noturno, pré-escolar e auxílio-transporte.
O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) informou que são 145 brigadistas profissionais trabalhando no órgão do DF. Eles também estão divididos em três categorias. Os brigadistas recebem o salário de R$ 2.824,00, mais adicional de periculosidade R$ 282,40. Os chefes de brigada são remunerados com R$ 3.530 de salário, mais adicional de periculosidade 223,55; e os supervisores recebem R$ 4.236 mensalmente, com adicional 423,60 pela periculosidade.
O Ibram informou que não foi registrado acidente em serviço ou mortes em 2024.
O Metrópoles também questionou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
“Só nós sabemos a luta pelo meio ambiente”
Dezesseis dias antes de morrer, o brigadista do Distrito Federal Uellinton fez declaração à profissão. Na publicação, ele escreveu: “só nós [brigadistas] sabemos a luta pelo meio ambiente. A luta dos brigadistas poucos sabem, e só Deus vê tudo”, disse.
O trabalhador morreu em incêndio que atingiu a Terra Indígena Capoto/Jarina, no Mato Grosso. O estado é o maior com número de focos de calor do país, foram detectados 21.694 pontos em 2024.
Saulo Oliveira, 48, e Gerci Junior, 30, morreram também em combate a um incêndio em Urupês, no interior de São Paulo. Os dois estavam em um caminhão tentando apagar um foco de incêndio em uma área de pasto, quando o motorista perdeu o controle, ocasionando o vazamento de combustível que resultou no incêndio do veículo.
De acordo com a prefeitura, Urupês foi o quarto município mais afetado, com 41 focos registrados. As chamas chegaram a áreas residenciais. A prefeitura também publicou uma nota de pesar lamentando a morte dos dois brigadistas.