Incansável Angela: após vencer doença rara que a deixou em cadeira de rodas, professora quer encontrar o pai
Na infância e juventude, educadora batalhou para crescer na vida e, atualmente, é diretora da mesma escola pública onde estudou em Ceilândia
atualizado
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No início da vida, ela teve negado o nome do próprio pai. Na infância e na juventude, enfrentou dificuldades para conseguir estudar, mas mergulhou nos livros e virou diretora de uma escola pública no Distrito Federal. Após sofrer com uma doença grave, ouviu dos médicos que não andaria mais, só que, com força de vontade, determinação e muita fé, voltou a caminhar.
Angela Maria dos Anjos de Lima Corrêa, de 47 anos, teve uma vida repleta de desafios. Desafios esses que não a paralisaram, muito pelo contrário, fizeram parte de uma jornada admirável que hoje é exemplo para muitos ao seu redor. Atualmente, no entanto, a educadora decidiu enfrentar mais um capítulo de sua história de superações – agora, ela quer descobrir as origens e a identidade do homem que a trouxe ao mundo.
“A minha vida não foi fácil, mas peguei as minhas dificuldades e transformei em oportunidades”, pontuou. Gêmea, Angela nasceu em 1974, no município de Parnamirim, no Rio Grande do Norte. De família humilde, ela passou a infância em um sítio.
“Minha mãe teve nove filhos, mas dois morreram”, contou. Os primeiros anos de vida foram áridos e marcados por adversidades. Ainda assim, mesmo com as condições precárias, frequentava uma escola municipal.
Aos 13 anos, Angela mudou-se para Brasília e passou a morar na residência de uma família. Era a chance de escrever uma nova história. Em troca de teto e alimento, cuidava da casa e ajudava na criação dos filhos do casal. A jovem, então, foi matriculada na Escola Classe 22 de Ceilândia.
“Foi difícil. Os colegas riam de mim, por causa do meu sotaque nordestino. Fora a dificuldade em acompanhar o conteúdo. Eu era muito fraca. Cheguei a reprovar”, lembrou.
O tempo para estudos era escasso. Mas com foco e otimismo, ela apostou todas as fichas na educação, e a paixão pelo saber lhe rendeu boas notas.
Ouça relatos da educadora:
Aos 20 anos, Angela passou a sentir dores nas pernas. A princípio, era apenas um incômodo, mas dia após dia a aflição tornava-se mais aguda. No aniversário de 21 anos, a educadora teve uma forte crise. “Eu estava a caminho da cozinha, quando caí e não consegui me levantar mais. Perdi os movimentos da perna”, recordou.
Teve de ser internada no Hospital Regional de Taguatinga (HRT). Dois meses depois, seguiu para o Hospital Sarah Kubitschek. Exames apontaram mielite transversa, uma inflamação da medula. Diagnósticos preliminares determinaram que ela não andaria nunca mais.
Lágrimas
Angela traçou uma meta: voltaria a andar. “Você nascer deficiente é uma coisa. Mas ficar com deficiência após os 21 anos é totalmente diferente. Eu andava normalmente e até corria. No início, eu era muito revoltada. Chorava. E ainda enfrentei o preconceito. Em uma cadeira de rodas, as pessoas ficam nos olhando com olhar de piedade. Mas não me entreguei. Lutei e contei com a ajuda dessa família que me acolheu no DF. Eles cuidaram de mim”, assinalou.
Pouco a pouco, a jovem recuperou a capacidade de locomoção. Passou pela cadeira de rodas, pelo andador com talas na perna, muletas, chegando inclusive a andar com a ajuda de uma bengala. Até hoje, Angela enfrenta sequelas e tem acompanhamento médico no Sarah.
Confira imagens da diretora na Escola Classe 22:
Seguiu em frente com estudos e passou em um concurso público para a Secretaria de Educação do DF. Por coincidência do destino, virou professora na Escola Classe 22 de Ceilândia, a mesma onde foi matriculada tão logo chegou ao Distrito Federal. De aula em aula, ganhou a confiança da comunidade escolar, e com a ajuda de colegas de trabalho e de pais de alunos foi eleita para o cargo de diretora da unidade de ensino.
“Eu transformei a minha vida com a educação. Sou fruto de escola pública. Sempre digo para os estudantes para que estudem e andem no caminho certo”, salientou.
Em busca do pai
Ao longo das batalhas da vida, Angela sempre passou por momentos de inquietação. O coração nunca se acomodou com a ausência da figura paterna.
Em 2020, durante os dias de isolamento impostos pela pandemia de Covid-19, houve um estalo. “Eu quero descobrir quem é o meu pai. E vou descobrir. Uai, todo o ser humano tem o direito de saber quem é o pai. Quero entender a minha história. E também saber o porquê nossa mãe não nos contou e o motivo da resistência dela em não contar a identidade dele”, frisou.
Com a possível descoberta, Angela espera ainda conseguir alguma pista sobre a sua saúde e a doença que enfrentou. Rosangela (irmã gêmea da diretora), por exemplo, também sofre com problemas de saúde de origens indefinidas.
Angela, inclusive, ajuda a irmã, que nunca deixou Parnamirim. “Não quero dinheiro. Quero apenas saber quem ele é”, resumiu. A educadora é casada. E mesmo com a doença conseguiu ter um filho, que tem atualmente 14 anos. A família vive em Ceilândia.
“Sou grata a Deus pelas oportunidades que a vida me ofereceu e pelas pessoas que encontrei ao longo do caminho, que fizeram e fazem parte da minha história de vida. É claro que não foram só acertos. Mas a gente busca aprender e amadurecer com os erros”, ponderou. “Eu mantenho contato, amor e gratidão com a família que me acolheu em Brasília”, completou.
Família, amigos, viagens e fotografia são as grandes paixões da diretora. “Não desisto nunca”, enfatizou. Angela inclusive adquiriu uma máquina Canon para eternizar algumas memórias. “Com as fotos, a gente registra os momentos marcantes da vida e as paisagens, não é? Quem sabe quando eu descobrir quem é o meu pai não consigo tirar uma foto dele abraçando e conhecendo o neto? É o meu sonho. Já estou até imaginando”, disse, sorrindo.
Quando olha para trás e avalia tudo o que passou na vida, Angela pensa que poderia ter desistido, mas ressalta: “Não fraquejei. Me tornei uma pessoa mais forte. Superei uma doença grave. Vivi de novo. Fiz história e reescrevi a história da Escola Classe 22 por meio da educação”.