“Impõe o medo”, diz policial sobre delegada acusada de assédio. Ouça áudios
Delegada-chefe da Deam é alvo de uma sindicância que apura denúncias de assédio moral contra agentes, escrivães e até outros delegados
atualizado
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Policiais civis do Distrito Federal revelaram, em detalhes, como é a rotina na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), localizada na Asa Sul. A delegada-chefe da especializada, Sandra Gomes Melo (foto em destaque), é alvo de uma sindicância que apura denúncias de assédio moral contra agentes, escrivães e delegados, conforme revelou o Metrópoles neste sábado (2/1). Segundo um servidor, a chefe “impõe o medo” e, constantemente, é possível ouvir gritos nos corredores da unidade policial.
Sem se identificar, com medo de represálias, um servidor detalhou que a delegada usa uma prática de administração conflituosa.
“É uma gestão em que ela impõe o medo, pelo poder de ser delegada, e usa isso de forma excessiva, porque ela maltrata o servidor. Se a pessoa não seguir à risca o que ela manda, é desmerecida, ofendida, execrada. Já presenciei vários colegas, homens e mulheres, sendo xingados e ouvindo insultos. Os gritos ecoam dentro da delegacia”, detalhou.
Ainda de acordo com o policial, colegas servidores e funcionários terceirizados já foram flagrados chorando devido às ofensas. “É uma prática que a gente sabe que existe há muito tempo por parte dessa delegada. Dentro da PCDF, uma grande maioria de delegados e agentes sabe do que acontece, mas, por forças maiores, [a delegada] nunca respondeu por isso e [essa situação] foi se perpetuando”, desabafou.
O servidor alega que a situação chegou ao limite. Ele conta que muitas pessoas adoeceram por causa dos assédios sofridos. “Procuraram a policlínica. Eu fui um deles. Pedi ajuda porque estava desequilibrado. A gente não dorme, não trabalha bem, perdemos a vontade e o prazer de trabalhar. Nos sentimos mal naquele ambiente. Muita arrogância”, disse.
“Quando a delegada está ausente da delegacia, o clima fica bom, leve em todos os setores, tanto no expediente como no plantão. Quando ela está [presente], é um estresse no ar. Sensação de vigília, constrangimento. Todo mundo sabe que é assim, mas poucos têm coragem de falar”, completou.
Outra servidora narrou ao Metrópoles que adoeceu no período em que esteve na Deam. De acordo com ela, “não é um ambiente saudável”. Segundo o depoimento da mulher, ela evitava até mesmo ter contato com a delegada, pois sempre presenciava os colegas sendo destratados na unidade.
“Comigo ela gritou uma vez. O fato foi presenciado por outra servidora. Em outra ocasião, ela também foi extremamente grosseira; mesmo assim, sempre tentei me integrar. Com o passar do tempo, outras coisas foram acontecendo. Ela me pressionou para tomar medidas em ocorrências policiais de pessoas que eram amigas dela, ou pessoas influentes, políticas, em situações que eu não concordava, ou por ser um fato atípico, incabível. Aquilo me causava muito sofrimento mental, porque eu externava a minha opinião, mas ela me pressionava para tomar a medida que ela queria”, confidenciou a policial.
Segundo a funcionária, a reação foi piorando no momento em que começou a questionar a delegada-chefe. “Passou a me tratar muito mal, [me] acusar, para prejudicar a minha imagem profissional e me remover da unidade. Eu sentia que os servidores tinham medo de falar comigo. Fiquei com sensação de pânico só de estar naquele local, tinha insônia, não dormia”, detalhou.
Remoção
Em 2018, o diretoria do Sindicato dos Policiais Civis do DF (Sinpol) chegou a ir até a Deam, após relatos de um clima organizacional cada vez pior e situações frequentes de assédio moral e perseguições.
O grupo foi acompanhado também por advogados, que prestam assessoria jurídica ao Sinpol-DF. Eles esclareceram as maneiras como o sindicato poderia auxiliar na resolução desses problemas, inclusive judicialmente, e orientaram os policiais sobre como agir em casos de assédio, sobretudo quando cobrados a atuar em desvio de função.
À época, foi ressaltada a necessidade de atuação em conformidade com as atribuições legais. Os diretores recomendaram, ainda, que sempre que os policiais se sentirem coagidos a atuar de maneira inadequada é importante buscar o sindicato.
Durante a visita, foram discutidas outras irregularidades administrativas, por exemplo, as transferências como forma de retaliação. O sindicato também solicitou a instituição do concurso de remoção. Segundo a entidade, o deslocamento de servidor é o meio que as chefias se utilizam para manter um clima de pressão e assédio, fazendo ameaças e perseguindo aqueles que simplesmente questionam irregularidades e ilegalidades.
Decreto
O Governo do Distrito Federal (GDF) publicou, em dezembro do ano passado, um decreto que incentiva a denúncia de casos de assédio moral e sexual dentro da esfera pública, com o objetivo de identificar e punir os autores das agressões dentro das empresas de administração direta e indireta, institutos, empresas e autarquias.
A apuração é sigilosa, de caráter meramente investigativo, e serve de subsídio para eventual instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar (PAD).
Podem ser denunciados casos em ambientes de trabalho onde há convívio entre os servidores – ou fora dessa esfera, mas em decorrência de fatos ocorridos em âmbito profissional. Servidores efetivados, comissionados, terceirizados, estagiários, jovens aprendizes e colaboradores eventuais podem fazer denúncias ou serem denunciados.
Os fatos devem ser descritos nas ouvidorias do órgão, tanto do assediador quanto da vítima, pela central 162 ou pelo site ouvidoria.df.gov.br. Cada caso será analisado separadamente por uma junta de servidores, que decidirá se encaminha a denúncia à Polícia Civil do DF.
O objetivo do programa é orientar e sensibilizar gestores e servidores no combate a situações de assédio dentro do ambiente de trabalho e, consequentemente, melhorar a produtividade, reduzir os casos de doenças e de pedidos de afastamento de serviço, além de promover o decréscimo de acidentes do contexto laboral.
Sindicância
A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) instaurou sindicância para apurar a conduta da delegada. O caso é conduzido pela Corregedoria-Geral de Polícia, em parceria com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), já que a prática pode configurar improbidade administrativa, em razão da inobservância dos princípios de moralidade, impessoalidade e transparência, que regem o serviço público.
O Metrópoles apurou que a sindicância foi instaurada em 14 de dezembro de 2020 e investiga a incidência disciplinar descrita no artigo 43 da Lei nº 4.878, de 1965, que trata de “praticar ato que importe escândalo ou que concorra para comprometer a função policial”.
As denúncias foram protocoladas por seis delegados de polícia e nove agentes. Os servidores detalharam situações de desgaste psicológico, como: taquicardia, insônia, sensação de desânimo, pânico laboral e, até mesmo, situações de irritação extrema e depressão. Três deles relataram ter precisado recorrer à policlínica da PCDF para receber tratamento psicológico e psiquiátrico, decorrentes dos supostos atos de “abuso de poder” e “manipulação perversa” praticados pela delegada.
Segundo os relatos feitos na Corregedoria, as supostas perseguições se iniciam a partir de uma situação que desagrade a delegada – como questioná-la acerca de uma irregularidade, manifestar opinião divergente sobre determinado assunto ou apresentar atestado médico. Os policiais afirmam que são colocados em “situações humilhantes”.
Eles detalharam que, por vezes, são ofendidos e chamados de “lerdos” e “burros”. Alguns acrescentam terem sofrido imputação de fatos falsos com o objetivo de prejudicar a imagem profissional e, assim, serem removidos da unidade, a pretexto de um suposto ato lícito.
Os policiais ressaltaram que, durante o expediente, é comum “ouvir os gritos” da delegada e que já presenciaram diversas servidoras chorando. Uma das denunciantes conta ser alarmante ver que tais situações ocorrem no ambiente de uma delegacia da mulher, local que deveria ser de proteção especial a elas, e de promoção da dignidade da pessoa humana.
Outro funcionário contou em depoimento à Corregedoria como se sentia ao ter de lidar com a delegada Sandra Gomes Melo. “Chorei, senti taquicardia e sintomas de crise de pânico, coisas jamais sentidas por mim antes desta experiência laboral. Não é possível que servidores policiais sejam condenados por um momento da vida em que adoecem e apresentam um atestado médico já homologado pela policlínica. Nós não somos robocops”, relatou.
Investigação
Por meio de nota, a Corregedoria-Geral de Polícia informou que está apurando os fatos e que o procedimento tem caráter sigiloso. “A PCDF esclarece que a CGP tem independência para apurar todas as denúncias que chegam ao seu conhecimento e aplicar os rigores da legislação”, diz o texto.
Quanto às medidas de prevenção ao assédio moral no trabalho, a corporação explicou que a Policlínica da PCDF produziu uma cartilha sobre o tema. “O material está disponível na intranet para todos os servidores, e também desenvolve vários programas que abarcam autodesenvolvimento pessoal, profissional e relacionamento interpessoal”, detalhou.
Ao Metrópoles, o Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial (Ncap), do MPDFT, também confirmou que acompanha as apurações. Ressaltou, no entanto, que “até o momento não há elementos para pedir afastamento da delegada. As provas são divergentes e não há indícios de que ela esteja assediando ou coagindo qualquer servidor que possa servir como testemunha”.
Segundo o MPDFT, as diligências apuratórias estão em andamento e qualquer providência que se fizer necessária será adotada no momento oportuno.
O que diz a delegada
À reportagem, a delegada Sandra Melo Gomes negou tal conduta com seus subordinados. “Tais fatos não procedem, são inverídicos e estão sendo devidamente apurados com a juntada de documentos e provas testemunhais que comprovam a improcedência”, respondeu.
O que configura o assédio?
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho: “Assédio moral interpessoal é toda e qualquer conduta abusiva e reiterada, que atente contra a integridade do trabalhador com intuito de humilhá-lo, constrangê-lo, abalá-lo psicologicamente ou degradar o ambiente de trabalho”.
Já o assédio sexual no ambiente de trabalho tem a característica de constranger alguém mediante palavras, insinuações, gestos ou atos, que visam obter vantagem ou favorecimento sexual. O constrangimento não precisa ser repetitivo, uma só vez já caracteriza o assédio sexual.
Ambos os casos trazem a ideia de perseguição, caracterizada por dominação do assediado. A principal diferença está na disposição dos interesses: enquanto o assédio sexual viola a liberdade sexual, o assédio moral afeta a dignidade psíquica da pessoa humana. Os dois casos desencadeiam consequências danosas às vítimas.