Imigração cresce e moradores de rua estrangeiros se espalham pelo DF
A reportagem do Metrópoles circulou pelas ruas do DF para contar histórias de imigrantes que procuram uma vida digna fora de seus países
atualizado
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Figura tímida que circula há quatro meses por entre os carros parados nos semáforos perto de um shopping da Asa Norte, Jéfferson Daniel (foto em destaque), 24 anos, carrega uma placa e a vontade de voltar a trabalhar para realizar seu maior sonho: trazer a família de Manaus para Brasília.
Sem documento, carteira de trabalho e Certidão de Pessoa Física (CPF), Daniel conta ter saído há cerca de um ano da Venezuela, a pé, e demorado aproximadamente duas semanas, com a ajuda de caronas, para atravessar a fronteira até o Brasil. “Foi difícil”, relembra o estudante do ramo petrolífero.
O rapaz é um dos 17.260 imigrantes registrados no DF entre 2015 e 2020, segundo relatório do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), órgão que auxilia na produção de informações qualificadas para a criação de políticas públicas no Brasil referentes ao tema.
De acordo com os dados da OBMigra, houve aumento na quantidade de estrangeiros que vieram para a capital federal, respectivamente, 1.918 e 2.612 imigrantes, entre 2018 e 2019. Porém, em decorrência do menor número de pessoas circulando pelo mundo devido à pandemia de Covid-19, somente 952 indivíduos, entre mais de 40 nacionalidades, foram registrados no DF em 2020. Até setembro de 2021, o volume já havia superado o do ano anterior.
A reportagem do Metrópoles percorreu diversas regiões administrativas e conversou com vários estrangeiros que dependem das ruas para sobreviver, como é o caso de Jéfferson Daniel.
“Eu saí [da Venezuela] porque não tenho dinheiro para manter minha família e estou passando necessidade. Não tem comida, não tem emprego. Eu estava estudando e tive de parar com tudo”, conta ele, que fixou moradia perto da Torre de TV, na área central de Brasília.
Munido apenas de um pedaço de papelão que serve de colchão, Daniel afirma ser o único estrangeiro morando na região. “Graças a Deus estou conseguindo tirar meu sustento. Tem pessoas muito boas que me ajudam diariamente”, comemora.
Para ele, a convivência com os brasileiros nas ruas é um tanto delicada. “Sinto que estou atrapalhando. Tem muita gente sofrida passando necessidade como eu nas ruas. Muitas famílias com crianças de colo”, analisa. “Não falo muito português, não tenho família aqui. É só eu e Deus”, lamenta o venezuelano.
A falta de direcionamento para quem vem de fora é a principal crítica do coordenador de Estatística do Observatório das Migrações Internacionais, Antônio Tadeu Ribeiro de Oliveira. “A grande lacuna no país é essa inserção na sociedade brasileira. A pessoa entra [no país], mas depois fica quase por conta própria”, destaca.
Andarilha circense
“Vim ao Brasil com a ideia de viajar não só por aqui, mas também por vários países”, conta a uruguaia Camila Lopez, 23, que há um ano fez uma parada em Florianópolis e, seis meses depois, mudou-se para a capital do país.
Residente em um centro cultural com mais 15 colegas no Setor Hoteleiro de Taguatinga, a artista circense rejeita a disputa com moradores de rua em situações piores que a sua nos semáforos: “Não gosto de ver as crianças”, conta. “Na maioria dos sinais, sempre encontro pessoas que são da Venezuela.”
Diariamente, Camila divide o palco de asfalto com Caio Oliveira, 21, também membro do coletivo Resistência Internacional de Artistas (RIA). Além de venezuelanos e colombianos, outros brasileiros compartilham a moradia restaurada pela organização. Agora, a uruguaia espera receber o visto de residente no Brasil e planeja seguir viagem para o Tocantins e a Região Nordeste nos próximos meses.
No Guará, o sotaque espanhol também dá as caras no semáforo. Jorge Rosales, 48 anos, ganhava a vida como pintor na Bolívia, mas diz ter escolhido o Brasil para morar em 2021 por causa da promessa feita por um amigo de que viveria dias melhores. “Vim para trabalhar. No início do ano até consegui alguns serviços, mas agora ninguém mais chama. Para não passar fome, o jeito é se humilhar pedindo”, diz ele, que pretende juntar algumas economias e voltar à terra natal até o fim do ano. “Por enquanto, vou ficando no abrigo, mas não quero essa vida muito tempo para mim.”
Distribuição de imigrantes no DF
Segundo o IMDH, há pessoas de mais de 40 nacionalidades no DF. Dos 3.297 imigrantes atendidos pelo instituto, os venezuelanos (70%) aparecem com mais frequência. Outros países de origem recorrentes são: Haiti, Cuba, Paquistão, Bangladesh, Síria e Gana. A faixa etária com maior quantidade de indivíduos é entre 18 a 59 anos, com 68%. Além disso, 47% dos atendidos são do sexo feminino e 53%, do masculino. Cerca de 60% declaram residir no DF nas seguintes RAs:
Orgulho e luta
“Nós viemos para lutar e mandar dinheiro para nossa família. Tratamos de sair de nosso país para acharmos algo melhor e não chegarmos ao extremo de fazer coisas que não devemos.” É com esse desabafo que Maria Laura Velásquez, 36, define a vinda ao Brasil, enquanto aguardava a fila da marmita para o almoço no Centro POP da 904 Sul.
Durante a visita ao local, a reportagem encontrou mais venezuelanos e um peruano à espera da refeição.
Residente há 3 anos no Brasil, ela conta ter vindo andando de seu país até Pacaraima (RR), enquanto estava grávida de 3 meses. “[Na Operação Acolhida] deram uma atenção maravilhosa para mim”, comentou.
Em resposta ao êxodo venezuelano, a Operação Acolhida nasceu em março de 2018 e já atendeu mais de 230 mil refugiados nas bases de Pacaraima (RR), Boa Vista (RR) e Manaus (AM).
Natural de Puerto La Cruz, na Venezuela, Maria Laura conta ter se refugiado em Brasília devido a ameaças que recebeu em seu país. Sem conseguir trabalho, a mãe de seis filhos procura meios de adquirir uma passagem até Curitiba (PR), onde uma oportunidade como ajudante de cozinha a aguarda.
A casa em que ela está abrigada temporariamente, em São Sebastião, é uma das duas existentes no DF coordenada por grupos da sociedade civil, como Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), Associação Voluntários para o Serviço Internacional (AVSI) e Aldeias Infantis.
Outra venezuelana que escolheu Brasília como lar é Natalia Heloísa Sanchez , 35. Na vinda ao Brasil, em fevereiro, a professora de informática relembra que sua família teve de abandonar tudo: “Emprego, casa, família, trabalho e escola para vir para cá e tentar uma vida melhor”, desabafa.
“Essa é uma guerra econômica, uma guerra contra a sociedade. Ninguém aguenta passar uma semana inteira com fome”, define.
Tentando refazer a vida em solo brasileiro, ela define o principal fator para ter abandonado a terra natal: a inflação. “Como você se alimenta se o seu salário não dá para comprar comida? Como você mantém sua família dentro de casa? É uma questão de sobrevivência mesmo.”