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IBGE estima 20 mil crianças em condição de trabalho infantil no DF

Embora o número seja alto, apenas 57 denúncias foram formalizadas no MPT nos últimos 5 anos. Subnotificação é o maior desafio para fiscais

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Mãe ao lado de crianças na rua próximo a semáforo na Asa Norte no Plano Piloto. Conscientização contra o trabalho infantil
1 de 1 Mãe ao lado de crianças na rua próximo a semáforo na Asa Norte no Plano Piloto. Conscientização contra o trabalho infantil - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

O 12 de junho foi instituído no Brasil como o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil. A data fortalece o engajamento para a conscientização da sociedade sobre um grave problema, que atinge cerca de 20 mil crianças e adolescentes somente no Distrito Federal, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2019. O contingente representa 3,8% da população na faixa de 5 a 17 anos na capital do país.

Considera-se trabalho infantil toda atividade econômica ou de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remunerada ou não, realizada por criança ou adolescente com idade inferior a 16 anos, ressalvada à condição de aprendiz a partir dos 14 anos, independentemente de sua condição ocupacional.

Os dados referentes às denúncias e fiscalizações realizadas pelos órgãos que fazem parte da rede de proteção dessas crianças e adolescentes dão conta de que a subnotificação de denúncias é um dos obstáculos para combater a prática ilegal.

De 2019 até 21 de maio deste ano, o Ministério Público do Trabalho (MPT) recebeu 57 denúncias de trabalho infantil no DF. Desses casos, 21 resultaram na assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), após constatação das condições de exploração.

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Criança na rua próximo a semáforo na Asa Norte no Plano Piloto. Conscientização contra o trabalho infantil
Criança na rua próximo a semáforo na Asa Norte no Plano Piloto. Conscientização contra o trabalho infantil
Criança na rua próximo a semáforo na Asa Norte no Plano Piloto. Conscientização contra o trabalho infantil
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Sombra projetada no asfalto de criança de mão dada com adulto na região central de Brasília

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Esses registros englobam trabalho com idade inferior a 16 anos, fora da condição de aprendiz, trabalho noturno e piores formas de trabalho infantil – exploração sexual, trabalho na catação de lixo, trabalho infantil doméstico, trabalho em ruas, logradouros públicos, entre outros.

Ana Maria Villa Real, procuradora do Trabalho e coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do MPT, ressalta que a condição é uma gravíssima violação aos direitos humanos e uma violência contra a infância.

A procuradora alerta que a subnotificação dos casos é um dos grandes desafios no combate e direcionamento de políticas públicas, visto que algumas dessas condições de trabalho estão invisibilizadas na sociedade.

“Só no Brasil, temos mais de 700 mil crianças e adolescentes em situações de piores formas de trabalho infantil, o que não reflete a totalidade de pessoas nessa situação, já que as estatísticas oficiais não contemplam algumas das piores formas de trabalho infantil, como a exploração sexual de crianças e adolescentes e o trabalho infantil no tráfico de drogas”, explica.

Conforme explica Ana Maria, há vários eixos de atuação do MPT frente ao problema. Temos a atuação repressiva, por meio da qual buscamos a responsabilização de exploradores ou mesmo dos municípios que não implementam políticas públicas de prevenção e erradicação ao trabalho infantil. Na atuação repressiva, busca-se uma tutela inibitória e ou reparatória, a exemplo do dano moral coletivo, perseguindo-se em muitos casos o próprio pagamento das verbas rescisórias que são devidas às crianças e adolescentes vítimas do trabalho infantil.

O MPT atua também de forma promocional, por meio do diálogo com as escolas e as secretarias de educação, por meio do diálogo com empresas, no sentido de convencê-las a cumprir a cota de aprendizes, voltadas prioritariamente para adolescentes entre 14 e 18 anos, faixa etária de maior incidência do trabalho infantil (80%) no país e por meio do diálogo com os próprios municípios e com a sociedade de um modo geral.

Para a procuradora, a própria forma como a sociedade enxerga certas situações a impede de vê-las como exploração, o que consequentemente reflete no baixo índice de denúncias registradas e no próprio controle social.

“Por exemplo, nos casos de exploração sexual, sobretudo quando envolve adolescentes, as pessoas acabam julgando-a como ‘prostitutas’, porque acham que escolheram aquele caminho e acabam não denunciando e o que é pior corresponsabilizando-as pela prática de uma violência da qual são exclusivamente vítimas. É bom destacar que crianças e adolescentes não se prostituem. Prostituição é um termo que não se aplica a criança e adolescentes, que serão sempre vítimas de exploração sexual, presumindo-se como inválido qualquer eventual tipo de consentimento”, explica ela.

Outra situação muito comum são os casos de trabalho infantil doméstico, em que as pessoas naturalizam esse tipo de exploração e até a enxergam como caridade, como se a família exploradora estivesse, na realidade, acolhendo a vítima do trabalho infantil. E a verdade é que a criança ou a adolescente – a esmagadora maioria das vítimas de trabalho infantil doméstico são meninas – vivem sob forte exploração, muitas vezes sem frequentar a escola e receber salários. “Definitivamente, não são pessoas da família, porque não são tratadas com os demais integrantes daquele núcleo, tampouco são consideradas para fins de herança. Essa exploração e hipocrisia precisam acabar”, destaca.

“Trabalho infantil tem cor e endereço”

Painel de Informações Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, formulado com base em dados obtidos em fiscalizações da Auditoria Fiscal do Trabalho, detalha o perfil das crianças e adolescentes encontradas nessas condições.

No DF, entre 2017 e 2022, os auditores realizaram 39 operações, nas quais foram encontradas 49 crianças e adolescentes em situação de trabalho. Dessas, 43 estavam nas piores formas de exploração.

De todos esses casos, 77% eram meninos. A faixa etária está concentrada entre 13 e 17 anos. “O trabalho infantil tem cor e endereço. São crianças e adolescentes pobres, de comunidades periféricas e negros. A maioria são meninos, mas no trabalho doméstico, as meninas são a maioria”, destaca a procuradora do MPT.

Tayane Dalazen, advogada trabalhista, avalia que existe no Brasil uma cultura de que o trabalho prematuro é dignificante. Contudo, a realidade é bem diferente, visto que forma-se uma mão de obra precarizada, sem escolaridade e sem perspectiva de futura inclusão no mercado de trabalho de forma digna.

“A minha atuação, inclusive, iniciou quando eu estava ao lado de amigos que, com boa vontade, eventualmente compravam balinhas, paninhos e afins, de crianças nas ruas, imaginando que iriam ajudá-las. Ocorre que, em sentido contrário, ao assim proceder estimulamos o ciclo da miséria, perpetuando o trabalho de crianças nas ruas”, destaca Tayane.

Segundo a advogada, além de perpetuar o ciclo da pobreza, que engloba o subemprego e a má qualificação, o trabalho infantil prejudica a aprendizagem da criança. Quando não a retira a vítima da escola e a torna vulnerável em diversos aspectos, incluindo a saúde, exposição à violência, assédio sexual e esforços físicos intensos.

Direito à infância

A procuradora Ana Maria ressalta que crianças e adolescentes têm direito ao não trabalho, justamente para que possam se desenvolver plenamente. “Todas as infâncias precisam ter direitos iguais, não importa se negras, pobres ou periféricas. Trabalhar é algo do mundo adulto. Crianças e adolescentes são seres em formação que precisam de cuidados e atenção especiais. O trabalho infantil rouba a infância, priva a criança de viver as experiências próprias daquela fase, e pode deixar sequelas graves e até matar”, ressalta.

Nesse sentido, uma forma de combater o trabalho infantil é por meio da aplicação da Lei da Aprendizagem, que garante aos jovens aprendizes contratação com carteira assinada e direitos trabalhistas, e estabelece que os adolescentes continuem estudando. Na prática, as normas contribuem para coibir a exploração de menores.

De acordo com a legislação, as empresas com mais de sete funcionários devem contratar aprendizes. Já as entidades sem fins lucrativos e empresas de pequeno porte não têm a obrigatoriedade de contratação, mas podem participar do projeto.

Canais de denúncia

O trabalho infantil deve ser denunciado e pode ser feito por canais como Disque 100, no site do MPT, no sistema Ipê de trabalho infantil do Ministério do Trabalho, perante Conselhos Tutelares, Promotorias e Varas da Infância e demais órgãos integrantes do Sistema de Garantia de Direitos.

No DF, a população tem acesso ao Ligue 125, canal desenvolvido pela Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) para facilitar a comunicação de casos de violações de direitos humanos de crianças e adolescentes.

As ligações no 125 são recepcionadas pela Coordenação do Sistema de Denúncias de Violação dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cisdeca) e os casos repassados para análise e apuração do Conselho Tutelar do local da ocorrência.

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