HRSam: de 34 denúncias, PCDF só confirma um caso de falha médica
Secretaria de Saúde abre nove sindicâncias, enquanto o MPDFT aguarda inquérito policial ser finalizado para decidir se fará denúncia
atualizado
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Uma força-tarefa analisou as denúncias de violência e falha no Centro de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Regional de Samambaia (HRSam). Dos 34 casos observados, 22 foram considerados dentro da conduta médica adequada; sete tiveram resultado inconclusivo; três aguardam documentação; um não apresentava ligação com as investigações; e somente um apontou falha da equipe da unidade de saúde.
Segundo a polícia, em uma situação de óbito fetal, houve “assistência obstétrica inadequada”. A mãe ficou tempo superior ao indicado sem monitoramento, porque a equipe médica estava desfalcada e o médico se encontrava em outro caso. A explicação: o plantão achava-se desfalcado e com várias urgências simultâneas.
A criança nasceu sem vida. De acordo com Márcia Cristina Barros, diretora do Instituto de Medicina Legal (IML), não é possível apontar qual foi a causa da morte. O delegado-chefe da 26ª Delegacia de Polícia, Cícero Jairo de Vasconcelos, diz ainda não ter elementos para confirmar se será feita denúncia contra o médico e a equipe do plantão.
Os responsáveis pelas investigações não forneceram nomes ou datas dos casos analisados. Questionada sobre as denúncias das pacientes de abusos no tratamento, integrantes da Polícia Civil presentes à coletiva desta terça-feira (12/11/2019) disseram não ter comprovação da maior parte dos casos.
O grupo da força-tarefa foi formado por representantes das delegacias de Samambaia (26ª DP e 32ª DP); do Instituto de Medicina Legal; da Secretaria de Saúde; do Hospital Regional de Samambaia; e da Promotoria de Justiça Criminal de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-vida) e do Núcleo de Gênero, ambos do MPDFT. Também fizeram parte o Conselho Regional de Saúde de Samambaia, o Conselho Regional de Medicina e o Sindicato dos Médicos do Distrito Federal.
Sindicâncias
Já a Secretaria de Saúde faz uma avaliação separada da polícia. Assim, nove casos chegaram à pasta, vindos da 26ª DP, e farão parte de sindicância interna. Cinco deles seguem em situação sigilosa e quatro estão em vias de finalização. As situações estão centralizadas na Controladoria de Saúde.
“A obstetrícia é uma área delicada na saúde do DF. É o setor com maior número de processos e com maior evasão de profissionais”, detalhou Lucilene Florêncio. “Não podemos afastar nenhum médico até o final da apuração. Temos que aguardar toda a tramitação. E o resultado será publicado no DODF (Diário Oficial do DF) se houver punição”, afirmou a secretária adjunta.
Segundo a pasta, o HRSam apresenta baixo percentual de mortalidade. São 9,2 óbitos fetais a cada grupo de mil nascidos vivos, “melhor do que o ideal estabelecido pelo Ministério da Saúde”, informou a pasta. A unidade ainda realiza 70% de partos normais, também de acordo com o MS.
Segundo a secretária adjunta de Assistência à Saúde, Lucilene Florêncio, pesquisa interna apontou que a população avaliou positivamente o atendimento obstétrico e ginecológico no hospital. Segundo a médica, 166 pessoas foram ouvidas em setembro sobre o assunto.
Integrantes da força-tarefa:
Falta de médicos e equipamentos
A equipe da unidade de saúde argumentou que havia um déficit de 20 profissionais médicos na época dos casos. A informação veio da Promotoria de Justiça Criminal de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-Vida, do MPDFT), que também ouviu dos profissionais do HRSam sobre a falta de equipamentos, como sonar e o cardiotocógrafo — eles são necessários para avaliação das crianças antes do nascimento e já foram repostos.
Segundo as denúncia que chegaram ao MPDFT, a falta de médicos no Hospital Regional de Taguatinga também afetou o HRSam, uma vez que as mães migravam buscando atendimento. Além disso, no centro obstétrico havia um problema crônico de não funcionamento do ar- condicionado e da iluminação.
Os integrantes do Pró-Vida garantiram que, após a primeira visita do MP, houve aumento da segurança e melhorias na manutenção da unidade, dos equipamentos e da sala de triagem. O Ministério Público apresentará para a Secretaria de Saúde projeto para aperfeiçoamento das condições de trabalho e os serviços prestados no HRSam. O órgão aguarda a finalização do inquérito policial para decidir se fará alguma denúncia.
O Conselho Regional de Medicina também investiga os casos paralelamente. Entretanto mantém a apuração em sigilo. Como forma de melhorar os serviços em hospitais públicos da cidade, o órgão afirmou que vai propor o retorno do partograma para o aprimoramento do registro dos nascimentos. O partograma é uma representação gráfica do trabalho de parto que permite acompanhar evolução, documentar e diagnosticar alterações e indicar a necessidade de condutas apropriadas para a correção de desvios da normalidade.
Confira o balanço dos casos analisados:
As histórias
A força-tarefa teve início em setembro deste ano, quando 31 mulheres procuraram a PCDF para denunciar supostos casos de negligência médica. Desde então, foram computadas outras três acusações. As histórias registradas junto à Polícia Civil seguiam o mesmo padrão, e o fato chamou atenção dos investigadores.
Na época, o Metrópoles trouxe o relato de uma jovem de 16 anos. A estudante V. G. S. viveu horas de apreensão após, grávida, dar entrada no HRSam apresentando fortes dores na região da barriga. Na unidade pública de saúde, foi recebida e atendida por uma médica que, sem realizar qualquer exame, diagnosticou a morte precoce de seu bebê e receitou um abortivo.
Nove horas depois, a gestante entrou em trabalho de parto e, contrariando o diagnóstico da profissional, deu à luz um menino cujo coração ainda batia. A surpresa e a alegria da mãe e dos familiares duraram exatamente uma hora e 40 minutos. Após deixar a sala de cirurgia para se instalar no quarto, ela foi informada por um médico que seu bebê prematuro, de 6 meses, havia sofrido complicações e não resistiu.
O óbito foi registrado às 23h30 daquela data. A adolescente sustentou que a morte da criança é resultado da negligência dos profissionais e poderia ter sido evitada com um diagnóstico preciso.
“A médica apenas tocou na minha barriga e disse que meu bebê tinha morrido. Sem fazer exames, me medicou. Mais tarde, por volta das 19h, outro médico me examinou, com um estetoscópio, e disse que não conseguia ouvir os batimentos cardíacos. Mesmo assim, meu filho nasceu vivo. Se fosse em qualquer outro hospital ou qualquer outro médico, ele poderia estar comigo hoje”, desabafou a jovem.
Gaze esquecida na vagina
Erika Pereira Nascimento, 25 anos, foi outra a denunciar o HRSam. Não bastasse o trauma de perder o primeiro filho por complicações na gestação, de acordo com a mulher, os médicos responsáveis pelo parto do natimorto esqueceram, no útero, duas gazes utilizadas no procedimento cirúrgico.
Erika relatou ter procurado a unidade após realizar exame de ultrassom que apontou a morte precoce do bebê. Diante da comprovação, a equipe optou pela internação da jovem. “Eles [médicos] disseram que não tinham como fazer mais nada. Realizaram os procedimentos de internação, mas o parto só veio no dia seguinte, por volta das 5h.”
Dois dias depois, a autônoma recebeu alta médica e voltou para casa. No entanto, durante a recuperação, começou a ter complicações. “Todo o meu resguardo aconteceu da maneira como me foi recomendado e, no fim dele, comecei a sentir umas dores. Percebi que saía um líquido com odor forte e sangue da minha vagina. No início, achei que era parte do próprio resguardo”, conta.
Cinco dias após os sangramentos na região uterina, as dores se intensificaram, levando-a a procurar novamente o HRSam. “Eu sentia uma dor muito forte. Quando tocava, parecia ter um caroço. Fui ao hospital ver o que era, e o médico retirou de dentro da vagina a primeira gaze, que estava podre. Em seguida, outra.”
Omissão
Segundo Erika, o profissional responsável pela extração dos materiais hospitalares omitiu a informação no prontuário, em uma tentativa de “tentar esconder o erro médico”. À reportagem, a jovem disse ter procurado a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) no dia seguinte, para denunciar o fato, e ter se sentido “esquecida”.
“Foi tudo muito difícil. Primeiro, perdi meu primeiro filho em um hospital que não tinha atendimento bom, que foi negligente. Fui esquecida, e minha irmã teve de procurar os médicos para que eles me atendessem. Depois do parto, quando estava me recuperando e sofrendo meu luto, ainda tive que passar por tudo isso, inacreditável.”
Érika Pereira Nascimento