Hospital psiquiátrico: fotografias mostram hematomas em paciente morta
Paciente que morreu era amarrada com frequência e foi exemplo em denúncia feita pelo governo federal em 2024 contra o hospital psiquiátrico
atualizado
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A paciente de 24 anos que morreu após passar uma noite inteira amarrada era presa com frequência às camas do Hospital São Vicente de Paulo, da rede pública do Distrito Federal.
Ela chegou a denunciar ficava com braços atados a membros do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, em inspeção em março de 2024.
No dia da visita do órgão federal, a paciente estava com o braço cheio de hematomas causados pelas amarras no hospital psiquiátrico e as imagens foram usadas no relatório para apontar as violações de direitos humanos sofridas pelas pessoas. Veja as imagens:
O relato de que a jovem ficava constantemente amarrada foi colhido pela doutora em direito pela Universidade de Brasília (UnB) Carolina Barreto Lemos, que é membro do mecanismo.
“Ela me revelou esse histórico de contenções, que às vezes, eram contenções bastante violentas, que machucavam ela”, contou a especialista. “Ela me disse, com essas palavras, que ficava traumatizada de ser amarrada e que sentia medo de ser amarrada porque tudo que ela fazia, qualquer comportamento considerado inadequado, ela era amarrada ou então recebia ameaça de ser amarrada”, completou
“No registro de contenções que a gente analisou dos três meses anteriores à inspeção, ela era uma das pessoas que tinha passado por mais de uma contenção durante o período, também no diálogo com profissionais, isso foi colocado”, destacou a especialista.
A reportagem apurou que a paciente teve uma crise convulsiva antes de ser amarrada. Barreto questionou a ação da secretaria em tratar o quadro de convulsão no hospital psiquiátrico ao invés de encaminhar a paciente a um geral.
“O Hospital São Vicente de Paulo não pode fazer atendimentos de intercorrências clínicas. É um hospital psiquiátrico especializado, então só faz atendimentos de procedimentos psiquiátricos”, destacou. “A partir do momento que qualquer paciente tem uma intercorrência clínica, os pacientes devem ser encaminhados para o hospital geral. E pelo que se noticia, ela já estava desde o dia anterior tendo crises convulsivas”, completou.
“Cumprimento de legislação”
O Metrópoles perguntou à Secretaria de Saúde se é protocolo deixar os pacientes psiquiátricos amarrados pela noite inteira. De forma evasiva, a pasta respondeu que “preza pelo cumprimento da legislação nacional e internacional de proteção dos direitos humanos, das normas de segurança do paciente e dos protocolos assistenciais”.
Após a resposta, a reportagem questionou novamente a pasta querendo saber se o fato de a paciente ter sido mantida no São Vicente de Paulo em vez de encaminhá-la a um hospital geral e se o HSVP faz procedimentos de intercorrências clínicas.
Além disso, a reportagem perguntou se havia o interesse de a pasta se manifestar em relação à denúncia de a paciente que morreu ter sido amarrada com frequência, relatar traumas e apresentar hematomas no corpo. A pasta respondeu com a mesma nota anterior. Veja na íntegra:
“A Secretaria de Saúde (SES-DF) preza pelo cumprimento da legislação nacional e internacional de proteção dos direitos humanos, das normas de segurança do paciente e dos protocolos assistenciais.
Sobre o caso em questão já foi aberto processo de apuração e responsabilidade.
A Pasta está colaborando integralmente com as investigações, oferecendo todo o suporte necessário às autoridades competentes para apuração dos fatos.
As devidas medidas serão tomadas conforme o andamento das investigações, e todas as providências legais serão seguidas para garantir a devida responsabilização.
A Secretaria reafirma seu compromisso com o atendimento humanizado em saúde mental, com a transparência e com a manutenção da qualidade dos serviços prestados à população”.
Luta antimanicomial
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) cobram a reformulação da política antimanicomial da capital brasileira.
O Mecanismo também se posiciona a favor da desativação do hospital. “Essa morte traz muitos questionamentos, uma vez que comprova a incapacidade desse hospital de prover assistência em saúde. As pessoas não estão assistidas lá, elas estão desassistidas”, concluiu.
As inspeções feitas em março de 2024 também apontam para a desativação do modelo, com a dea desmobilização dos leitos do Hospital São Vicente de Paulo e a readequação da rede pública para garantir aos pacientes psiquiátricos maior qualidade no tratamento.
Além de o fechamento imediato da porta de entrada do Hospital e reelaboração do fluxo assistencial para urgências e emergências em saúde mental.
Outro lado
Quando a morte da paciente veio à tona em 30 de dezembro, o Metrópoles questionou a Secretaria de Saúde sobre a causa, que informou em nota que o óbito estava sendo investigado pelo Instituto Médico Legal (IML)
Na ocasião, a pasta acrescentou que o Relatório do Atendimento de Emergência “relata ainda que foi realizada a monitorização com desfibrilador e a aspiração do líquido, com saída de grande quantidade de conteúdo gástrico, além da intubação orotraqueal”.
“Foi cumprido também o protocolo de reanimação. A paciente foi encaminhada para a sala de emergência, mantendo a RCP com cinco ciclos de adrenalina, sem que ela apresentasse batimentos cardíacos. O Samu continuou o protocolo, sem sucesso. O óbito foi registrado às 20h41. O relatório médico informa ainda que a paciente possuía histórico de crises epilépticas convulsivas atípicas”, reforçou a pasta.
Sobre o fechamento do hospital, a SES-DF afirmou que “instituiu um grupo de trabalho para elaboração de um plano de ação para desmobilização dos leitos psiquiátricos do DF, incluindo os do HSVP”.
“A medida prevê desmobilização progressiva, que ocorrerá em consonância com a ampliação da rede de serviços de saúde mental e a abertura de novos Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Também está previsto o fortalecimento do atendimento às urgências e emergências e dos cuidados a crises em saúde mental, que será feito de forma descentralizada, incluindo serviços nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), hospitais gerais e, principalmente, nos Caps”, concluiu.