Homem é denunciado por fazer cobrança ilícita para uso de parque público no Sudoeste
Segundo relatos, no local há uma espécie de cobrança irregular, para publicidade e vendas de produtos dentro do terreno público, desde 2022
atualizado
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Moradores e empresários do Sudoeste, área nobre de Brasília, no Distrito Federal, uniram-se para denunciar um suposto esquema de enriquecimento ilícito envolvendo gestores do ParkDog, espaço público dedicado a pets, na Quadra 104 da região. Segundo relatos de moradores, no local, há cobrança irregular para publicidade e vendas de produtos dentro do terreno público, ocorrendo desde 2022 – antes mesmo da inauguração do parque, em 29 de abril deste ano.
O parque surgiu a partir da iniciativa Adote uma Praça. O programa permite que pessoas físicas e jurídicas firmem termo de cooperação para “adotarem” um espaço público e ajudar na manutenção de áreas verdes da capital. Projetos como o ParkDog são apresentados por cidadãos às administrações regionais e, após aprovados, são iniciados por meio de um termo de cooperação.
De acordo com relatos, o ex-administrador do parque, Ítalo Araújo, e a atual, Sara Fayad, passaram a exigir pagamentos mensais de empresários, os chamados “patrocinadores”, para permitirem que eles exibam mercadorias direcionadas a animais no local e em grupos de WhatsApp de frequentadores. Empresas que não aceitam ou não conseguem pagar a quantia, por outro lado, são impedidas de serem anunciadas ou “frequentarem o parque”.
“Ele [Ítalo] me ofereceu condições para ser patrocinadora do ParkDog, mas eu teria de pagar mensalidade de R$ 700, o que estava fora do meu orçamento. Então, por não ter assinado o contrato, eu não poderia falar da minha empresa no grupo de WhatsApp das pessoas que frequentam o local”, começou uma empresária, que pediu para ter o nome preservado por medo de represálias
“Eles têm divulgação exclusiva para os patrocinadores. Então, estando no parque ou no grupo, só os patrocinadores podem divulgar”, completou.
Uma outra empresária, que também pediu anonimato, contou à reportagem que, no local, há uma placa que alerta ser proibido comércio dentro da área pública. Contudo, segundo relatado, Ítalo garantiu a ela, por meio de mensagens de áudio, que patrocinadores teriam uma espécie de “passe livre”.
Segundo o artigo 14 do Decreto 39.690/2019, que regulamenta a lei do Adote uma Praça, a celebração do termo de cooperação não gera qualquer direito a pessoas físicas ou jurídicas quanto à exploração comercial dos mobiliários urbanos ou logradouros públicos que constam no termo de cooperação. Sendo proibido qualquer tipo de comércio nas áreas.
Ouça o áudio:
Procurado, o administrador do Sudoeste, Reginaldo Sardinha, esclareceu que “nunca foi autorizado pela administração comércio dentro parque”. “Até porque a gestão não é da administração e sim da gestora”.
Uma terceira empresária relatou ao Metrópoles que procurou os responsáveis pela administração do ParkDog para saber como poderia vender produtos no local. A princípio, segundo narrado, Ítalo teria apresentado uma proposta de parceria também de R$ 700 mensais. Porém, ao dizer que não teria condições de arcar com o compromisso, ele teria baixado as parcelas para R$ 100 e enviado o contrato de patrocínio a ela, em nome da atual gestora do parque.
Veja o contrato:
Contrato de patrocínio by Metropoles on Scribd
Devido ao fato de a conta bancária estar em nome de um terceiro, e não no nome do parque ou da administração do Sudoeste, a empresária desconfiou da “verdadeira destinação do dinheiro” e confrontou o gestor. Nesse momento, Ítalo teria declarado que “todo o dinheiro seria destinado ao ParkDog”, mas, segundo ela, ele não teria conseguido “prestar conta” dos gastos. Após uma discussão, ele a bloqueou no aplicativo de mensagens.
Revoltados com a situação, um grupo de pessoas se uniu para levar o caso à Administração Regional do Sudoeste. Lá, pediram para conversar com o atual responsável pelo órgão.
À reportagem o grupo contou que a intenção em procurar o administrador era “esclarecer dúvidas quanto ao que estaria acontecendo no ParkDog”, porém, diferentemente do que esperavam, teriam ouvido um: “Cuidem vocês, então”.
“O administrador foi enfático quando disse que, por ele, poderiam retirar as grades e acabar com o parque. Além disso, havia uma ‘manobra’, se é que podemos chamar assim, de nos oferecer a todo tempo o parque, para cuidarmos, como se o fato de questionarmos a gestão pressupunha querermos estar no lugar dele”, disse um dos denunciantes.
“Em nenhum momento, ele falou algo sobre a relação com o Ítalo. Não explicou o fato de ele [Ítalo] dizer recorrentemente que teria ganhado um cargo na administração e que, por essa razão, teria de passar o contrato do Adote uma Praça para outra pessoa”, completou.
Questionado sobre o assunto, o deputado Reginaldo Sardinha desmentiu as informações e informou que conhece Ítalo apenas por conta do parque. “Como ele seria funcionário da administração se o nome dele nem consta no Diário Oficial do DF?”, indagou o político.
“Foi feito o adote uma praça há mais ou menos 2 semanas. E a adotante chama-se Sarah, que é a responsável pelo ParkDog. Desconheço que o senhor Ítalo usasse meu nome, até porque o projeto só foi concluído há duas semanas. Quanto às práticas irregulares, também não tenho conhecimento”, pontuou o administrador.
Quanto ao fato de ter sido procurado pelo grupo, Reginaldo esclareceu que nunca recebeu denúncias formais sobre atuações ilegais dentro do terreno público e que, caso isso ocorra, tomará as medidas necessárias para investigar os envolvidos.
O deputado declarou, ainda, que apenas tem conhecimento de algumas reclamações sobre o uso do parque: “Fiz uma reunião com os moradores e a responsável pelo Adote uma Praça, em 5 de maio, quando foi debatido o uso do parque, não sendo informado cobranças para o uso do local. Assim, foi feito um acordo sobre horários e formas de utilização e selado um acordo entre ambas as partes. Espero que as brigas e a intolerância acabem”, finalizou.
Voluntariado
Uma quarta pessoa ouvida pela reportagem contou que, logo após o projeto do parque começar a sair do papel, ela se voluntariou para ajudar a cuidar da área publica. No entanto, com o tempo, acabou se afastando da função, por “não concordar com o comportamento de Ítalo”.
“Ítalo nos dava várias instruções. Uma delas era abordar todas as pessoas que entrassem no parque para pedir doação. Até aí, tudo bem. Contudo, os valores não eram fixos e deveriam ser cobrados de acordo com o perfil da pessoa e a raça do animal. Por exemplo, se alguém estava com um vira-lata, o valor era X. Por outro lado, se era um lulu-da-pomerânia, o valor dobrava”, disse.
Segundo outro ex-voluntário, a pressão para cobrar doações era tamanha ao ponto de muitas pessoas deixarem de frequentar o local. “Virou até pauta em um grupo de moradores da cidade. Tem gente que fala que foi a maior decepção da vida, por ter ajudado de alguma forma; outros sequer querem voltar ao local. Além dessa pressão para dar dinheiro, há preconceito com tamanhos e raças de cachorros e com moradores de outras regiões”, pontuou.
O que diz a administração
A Administração Regional do Sudoeste explicou que, para anunciar em área pública e em parques, é necessário uma autorização administrativas, sendo proibido a exploração comercial.
Atualmente, o órgão cuida apenas da gestão do Parque Urbano Bosque do Sudoeste: “Ele está sob gestão patrimonial. Os funcionários são contratados da Administração Regional do Sudoeste, Octogonal e SIG, além de seguranças terceirizados. Todos os contratos realizados pela administração regional podem ser encontrados no site”
Em relação ao Adote um Parque, a administração indicou que o projeto é coordenado pela Secretaria de Estado de Projetos Especiais do Distrito Federal, sendo regulamentada no Decreto 39,690/2019 da Lei 488, de 17 de maio de 1933.
Defesa
À reportagem Sarah Fayad disse que “não há contratos com empresas que apoiam o ParkDog”: “Foi pensado em ser feito um contrato inicialmente, porém, em consulta aos advogados do ParkDog vimos que não é uma prática correta. Por isso, todas as doações, até o momento, foram voluntarias ou com bens materiais”.
“Existiu um modelo de minuta de contrato para avaliação, mas não foram assinados por não estar dentro das normas do Adote uma Praça, conforme pode ver em documentação do GDF. Inclusive, não é permitida a prática comercial no interior do parque”, declarou.
O Metrópoles procurou Ítalo Araújo, que optou por não se manifestar quanto as acusações.