História de redenção de ex-traficante do DF vai virar filme
Após ter sido preso com 15 kg de cocaína na Europa, Henrique França fundou uma das maiores casas para tratar dependentes químicos do país
atualizado
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A história de vida de um brasiliense vai virar filme. Há pelo menos uma semana, produtores da empresa Gustavo Marcolini Filmes, em parceria com a Zazen Produções, estão no Distrito Federal gravando imagens de José Henrique França (no centro da foto em destaque), um ex-traficante internacional de drogas que deixou o crime, libertou-se do vício em entorpecente e fundou uma das maiores casas de tratamento de dependentes químicos do país.
O trabalho conta com a direção e consultoria de Marcos Prado, que esteve à frente de longas como Tropa de Elite 1, Tropa de Elite 2 e Ônibus 174. Como explica Gustavo Marcolini, o primeiro produto será um documentário, com previsão de ser finalizado em 2021. A ideia é transmitir a película em festivais, escolas públicas e universidades.
Depois, a intenção é adaptá-la para a telona e vendê-la para uma plataforma de streaming, como Netflix ou Amazon Prime. “O que aconteceu com o Henrique é algo muito raro, porque ele não se contentou apenas em cessar com o tráfico e se tratar do vício: ele também passou a tratar os outros. Então, a ideia é mostrar a vida desse personagem e levá-la para festivais de cinema, para que o grande público tenha acesso. Mais para frente, tentar em alguma plataforma de streaming”, explica Gustavo.
A história de Henrique França realmente é singular. Neto do ex-deputado federal e pioneiro de Brasília Manuel França Campos, ele conta ter iniciado seu vício aos 11 anos, no álcool. Aos 12, conheceu maconha e nunca mais parou. Adolescente de família de classe média alta, sempre teve facilidade em comprar entorpecentes.
À época atleta profissional de polo aquático, ganhou muitas medalhas e troféus, mas a entrada na cocaína fez ruir seu maior sonho: jogar na seleção brasileira. Aos 18 anos, era nome certo para figurar na lista de convocados, mas acabou preterido por não conseguir cumprir compromissos. “A droga fazia eu deixar tudo de importante em segundo plano.”
Detido na França
Fluente em quatro idiomas e bem articulado, encontrou uma forma de continuar alimentando o vício: levar drogas para o exterior. Chegou a fazer 15 viagens com cocaína para a Europa e só foi flagrado e preso na 16ª empreitada, em 2003, ao tentar desembarcar no Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, na França, com 15 quilos de pó camuflados em fundos falsos de malas.
Henrique foi detido na França no mesmo mês em que o instrutor de voo livre Marcos Arscher acabou preso na Indonésia. O brasiliense foi condenado a 15 anos de cadeia. Após três anos, conseguiu progredir de regime e passou a cumprir o restante da pena em liberdade. Já Marcos Archer foi executado por um pelotão de fuzilamento em 2015. Na Indonésia, há previsão de pena de morte para traficantes.
“Conhecia o Marcos. Eu, com certeza, acabaria indo em algum momento para a Indonésia também, porque queria ter mais dinheiro e status. Se continuasse, certamente poderia não estar aqui contando minha história”, analisa Henrique.
Mas o período na prisão francesa não foi o pior momento de sua vida. Após regressar ao Brasil, voltou a morar com os pais em um bairro nobre da capital do país. As crises de abstinência o fizeram recair, dessa vez no crack. O consumo desenfreado de pedra o fez entrar em profundo estado de depressão, ocasião em que tentou suicídio três vezes.
Sem controle algum de suas ações, vendeu objetos de valor que tinha em casa, foi ameaçado de morte e morou na rua. “Era um estado de total desmoralização e de total ingovernabilidade dos meus atos. Tinha certeza de que iria morrer naquela situação”.
Redenção
O nascimento da primeira filha devolveu-lhe um lapso de sanidade. “Não queria ser aquele exemplo ruim para ela. Então, resolvi pedir ajuda e iniciei um tratamento”.
Durante a passagem pela casa terapêutica, começou a auxiliar dependentes químicos que se encontravam em situação mais delicada que a dele. Em busca de uma vida mais tranquila e longe da cidade, foi autorizado por uma família de uma advogada e de um escritor a morar em uma fazenda na Cidade Ocidental, no Entorno do DF.
Com a permissão deles, levou 12 moradores de rua e dependentes químicos para o local. Era o nascimento da Salve a Si, uma das maiores comunidades terapêuticas do país.
“Vi que não bastava me manter limpo: eu precisava tentar reparar minimamente o mal que causei à sociedade durante tantos anos em que trafiquei drogas”, conta.
Tratamento gratuito
Atualmente, a Salve a Si tem 120 leitos, todos ocupados. Os pacientes contam com cinco refeições por dia, além de assistência 24 horas de diversos profissionais, como psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais. O tratamento é 100% gratuito e dura nove meses. Embora mantenha convênios com os governos federal, de Goiás e do DF, que custeiam parte das acolhidas, a casa ainda depende de doações para se manter.
A Salve a Si também realiza, há quatro anos, um sopão beneficente no Setor Comercial Sul. Todas as quintas-feiras, a partir das 19h, um time de voluntários se organiza para oferecer o alimento a moradores de rua e dependentes químicos. Também há um caminhão equipado com banheiros, onde pessoas em situação de vulnerabilidade podem tomar banho.
Cada unidade conta com duas pias e produtos como xampu, sabonete, perfume, desodorante, talco, creme hidratante, além de escova e pasta de dente.
Quem quiser ajudar a Salve a Si pode fazer doações nas seguintes contas:
Banco do Brasil
Agência: 2887-8
Conta: 14875-x
Caixa Econômica Federal
Agência: 2893
Conta: 00002033-4
Operação: 003