Heróis de 4 patas: veja o trabalho dos cães-policiais que atuam no DF
O tempo médio que cães levam para detectar drogas e munição nas buscas, por exemplo, é de cinco minutos, agilizando o trabalho da polícia
atualizado
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Faro impecável, treinamento minucioso e a paixão por uma bolinha de tênis. Esses são alguns dos componentes que possibilitam um cachorro comum a se tornar um “policial”. Capazes de identificar milhares de tipos de odores a mais que seres humanos, os “melhores amigos do homem” têm provado, cada vez mais, o quão importantes são para garantir a segurança pública do Distrito Federal.
Na linha de frente, os cães têm feito a diferença no auxílio ao trabalho de agentes e militares. Isso porque esses animais têm habilidade de encontrar materiais humanos e produtos ilícitos em espaços que ultrapassam os limites da percepção do homem. O tempo médio que levam para detectar drogas e munição nas buscas, por exemplo, é de cinco minutos, agilizando — e muito — o trabalho da polícia.
Durante dias, o Metrópoles acompanhou de perto a rotina da equipe de canis de algumas das principais corporações do Distrito Federal, e apurou que, além do trabalho essencial, os policiais, bombeiros e seus cães atuam e atuaram diretamente na resolução de grandes casos de repercussão garantindo justiça as vítimas.
Identificação de corpos da maior chacina do DF
Responsável por atuar em busca e localização de pessoas desaparecidas, o canil do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) foi fundado em 1992. Contudo, somente em 1998 uma portaria foi criada para regulamentar o serviço de busca de pessoas desaparecidas. Hoje, após passagens de vários heróis de quatro patas na seção, oito cachorros compõe a atual “tropa canina” da corporação.
Durante cinco dias úteis, Baruk, Delta, Bolt, Nikki, Apolo, Gamboa, Horus e Sheik passam por treinamentos intensos. No fim de semana, descansam.
Apesar de o que possa parecer, o treino dos animais resume-se a uma grande diversão. Focados em um único prêmio: uma bolinha amarela. O rabinho abanando não esconde o entusiasmo dos cachorros em completar os exercícios propostos pelos guias.
O Metrópoles esteve no canil dos bombeiros e acompanhou de perto algumas das atividades praticadas com os cães. Em um dos treinos, feito dentro de uma área que simula escombros, o animal é estimulado a encontrar uma pessoa, escondida estrategicamente em um determinado local. Ao identificar a presença humana, o cachorro deve latir para indicar a localização da vítima. No fim, então, recebe os tão aguardados troféus: brinquedo e afago.
Confira:
Por realizar buscas em matas, na água e escombros, por exemplo, bombeiros apresentam aos cães, desde filhotes, cenários semelhantes aos das ocorrências atendidas pela equipe, bem como a aromas de pessoas vivas e mortas – para este último é utilizado um composto simulador de odor cadavérico.
Foi dessa maneira que a cadela Nikki, uma pastor belga de Malinois, e o labrador Delta ajudaram equipes do CBMDF a atuarem na maior chacina registrada no Distrito Federal.
À época, a dupla ajudou os bombeiros, que trabalhavam nas buscas, a encontrarem os corpos de Cláudia Regina Marques de Oliveira, Ana Beatriz Marques de Oliveira e Thiago Gabriel Belchior. As vítimas estavam escondidas em uma cisterna, em Planaltina, e cobertas com cal, para abafar o odor da decomposição e despistar os rastros do crime. As vítimas estavam entre as 10 pessoas de uma mesma família assassinadas, em Planaltina.
A pouco mais de um ano no canil, o sargento dos bombeiros Gabriel Castro, 30 anos, detalhou à reportagem como é feita a escolha dos cães capazes de exercerem a função de salvar vidas.
Segundo ele, alguns cachorros apresentam o “dom” ainda filhotes. Durante o período, os cachorrinhos são observados enquanto brincam, demonstram instintos naturais, bem como a maneira como se comportam diante de determinados estímulos, por exemplo.
“A nossa unidade é de busca e salvamento. E quando somos acionados, precisamos atuar com eficiência e presteza. Desse modo, os nossos cães entram como facilitadores. Isso porque eles conseguem cobrir áreas maiores e têm uma ferramenta poderosa – o focinho, capaz de captar partículas de odores no ar que humanos não conseguem. Então, eles são muito importantes no auxílio e atendimento da corporação à população”, declarou o sargento.
Indagado, Gabriel explicou que os cachorros atuam como integrantes do CBMDF por, aproximadamente, 8 anos, como em outras corporações. Após isso, os animais se “aposentam”. “Com a aposentadoria, eles passam a viver com o condutor. Se a pessoa não tiver condições, abrimos a oportunidade para a equipe do canil. Se mesmo assim ninguém puder ficar com o cão, o que é muito difícil, bombeiros no geral podem se candidatar. Por fim, caso não haja voluntários, a população pode apresentar interesse”, explicou.
O maníaco Lázaro Barbosa
Comprovando o quão importantes são para garantir a segurança do Distrito Federal, os cãezinhos também ganharam espaço, desde os anos 1960, dentro da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF).
Com ativa atuação nas ruas da capital, equipes do Batalhão de Policiamento com Cães (BPCães) são responsáveis por significativas apreensões de drogas, armas e explosivos. Ações de choque, intervenções táticas e o patrulhamento de vias públicas são outras ações realizadas pela unidade.
No batalhão, os animais são estimulados de maneiras específicas. Enquanto alguns recebem treinamento para se tornarem especialistas em identificações de narcóticos e armas, outros são educados para buscas e proteção. Mas não se engane em achar que esses “heróis de quatro patas” trabalham de graça. O “pagamento” exigido, contudo, não envolve dinheiro. Boas carícias e brincadeiras com uma bolinha já fazem a alegria desses “profissionais”.
Apesar das atividades feitas com os cães ser pura diversão, o treinamento minucioso dos animais auxilia em prisões importantes efetuadas por policiais militares. Durante uma tarde, a reportagem acompanhou duas simulações utilizadas em treinamentos com os animais. Na primeira, policiais demonstraram com os cães são capazes de fazer a identificação de odores de drogas. Na segunda, é possível ver que o cachorro somente ataca um alvo se tiver a permissão do condutor.
Confira:
Uma das cadelas utilizadas no treinamento acompanhado pelo Metrópoles é a Zaira, que curiosamente obedece comandos em japonês. Com três anos de idade, a pastorbBelga de Malinois é “especialista” em detecções. Conduzida pelo sargento Oshiro, 37, a cadela atuou no caso do maníaco Lázaro Barbosa. À época, Zaira ajudou policiais a rastrearem o odor do criminoso.
“A Zaira é uma cadela que convive comigo. Eu tenho essa liberdade de levá-la para casa. Aqui nós percebemos que os cães que têm uma vida próxima ao condutor, apresentam níveis de cortisol menores. Ou seja, o estresse do animal é muito mais baixo do que de outros que permanecem em quartéis”, pontuou o sargento.
“Então, quando estou trabalhando, ela está ao meu lado. Se estou de folga, ela também está. No entanto, o treinamento dela é contínuo. Mesmo fora do batalhão, eu saio com ela, vou para alguma praça e escondo em algum lugar o princípio ativo que ela deve achar. Faço também o exercício de detecção de pessoa. Tudo o mais próximo da realidade”, declarou.
Para o militar, o auxílio de cachorros na atividade policial é “fundamental”. “Tem serviço que não existe profissional ou máquina que faça, né? O cão é preparado para fazer o serviço que um humano demoraria horas para fazer. Por exemplo, em rodovia, um cachorro consegue identificar drogas em mala em questão de minutos, coisa que um ser humano não faria com tamanha rapidez. Ou seja, para o cão, basta uma molécula de algo que ele precisa achar. Se existir isso, ele encontrará a droga, a arma ou qualquer outro artigo que ele foi treinado para identificar”, finalizou.
O BPCães, hoje, conta com aproximadamente 48 cachorros, que são conduzidos por pouco mais de 100 policiais. O número, contudo, e segundo a equipe, é muito pouco para a demanda do DF, que cresce de maneira desproporcional. O dobro de pessoal ajudaria o batalhão a atender melhor a população, conforme relatado.
Os K9 da PCDF
Inacreditavelmente gerida por apenas quatro agentes da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), a seção dos K9 da corporação faz parte da Divisão de Operações Especiais (DOE). O canil é o mais novo da capital, entre as áreas responsáveis pela segurança pública do DF.
Com apenas seis anos de atuação, a equipe e seus nove cães são os responsáveis por dar auxílio a operações feitas pelas 31 delegacias espalhadas pela unidade da Federação. A seção, inclusive, é uma das principais ferramentas utilizadas pela pasta em cumprimentos de mandados de busca e apreensão.
No departamento, Urus, Kali, Alfa, Dom, Duque, Black, Yankee, Ozzy e Jimmy recebem treinados minuciosos para identificar diferentes tipos de drogas, além de armas e munições. “Utilizamos nos treinamentos tanto drogas reais acauteladas pela Justiça, como odores sintéticos que mimetizam os odores dos narcóticos, quanto a pólvora, para treinamento de busca de armas e munições”, esclareceu a agente Cinthia Versiani Pontes, 36 anos.
Para ilustrar como funcionam as atividades, a seção da DOE convidou o Metrópoles a participar de uma simulação de detecção de drogas. Para isso, a equipe de reportagem ficou responsável por esconder um objeto, com o odor, em um galpão utilizado pela seção durante treinamentos.
Após uma volta na sala, o equipamento foi escondido, sem que o cão tenha visto. Em seguida, Urus, Kali e Alfa foram colocados na área da atividade. O resultado: os cães percorreram o mesmo caminho feito pela repórter, que caminhava com o objeto na mão, até encontrarem o local do esconderijo. No fim da ação, é claro, não pôde faltar muita festa e brincadeira para comemorar a descoberta dos animais.
Assista:
No canil, os K9 seguem um cronograma preciso de treinamento diário. “A rotina de descanso e treinamentos dos cães varia de acordo com a demanda da seção. Quando temos um período de muitas operações, procuramos alternar o auxílio dos cães para que haja tempo suficiente de descanso. Os cachorros também têm, diariamente, os momentos de liberdade, em áreas próprias, para que possam relaxar, brincar e fazer as suas necessidades”, declarou Cinthia.
“O trabalho dos cachorros é essencial na PCDF, pois otimiza o tempo dos policiais nas buscas e proporciona encontrar ilícitos onde o olho humano não consegue ver”, finalizou a agente.
À reportagem o agente Ricardo Santos Textor, 39 anos, contou que a operação com cães da PCDF atua em diferentes locais. Nos Correios, por exemplo, os animais auxiliam em apreensões frequentes de drogas escondidas em aparelhos eletrônicos, livros e até em alimentos.
“Em uma outra situação, estávamos na carceragem da Polícia Civil, como fazemos semanalmente, e o Urus parou próximo a um bueiro em frente a entrada. Sem que tenha recebido qualquer comando, ele indicou que havia odor de drogas saindo do local. Olhamos e, no meio da sujeira, encontramos algumas porções de maconhas que foram dispensadas dentro da caixa de esgoto. Provavelmente viram a equipe com os cães chegando e tentaram se livrar da droga, mas o Urus pegou o cheiro no ar”, comentou.
Assim como no caso da PMDF, o canil da PCDF sofre com uma grave falta de pessoal. Apesar de existirem cursos oferecidos a outros agentes que queiram fazer parte da equipe, não há previsão da ida de novos policiais à seção, uma vez que o quadro de agentes da PCDF está sucateado.
Sem ter ao que recorrer, a equipe de quatro agentes têm se desdobrado para auxiliar em dezenas de mandados judiciais expedidos diariamente, bem como para atender outras operações da corporação. Quando a situação torna-se “impossível”, é necessária a solicitação de trabalho de outras corporações, como a Polícia Rodoviária Federal (PRF).
“Não passa droga alguma”
“Ao soltar um cão em um ônibus, e caso haja alguma droga ou arma ali, é certeiro, o animal encontrará o ilícito imediatamente”. Assim o agente Marcos Cordeiro, 59 anos, começou a explicar como o trabalho dos cachorros da PRF é indispensável.
“Certa vez paramos um ônibus e o cão Baruk, que já está aposentado, indicou que havia algo em uma mala. Quando abrimos o objeto, encontramos uma caixa, que estava dentro de uma outra caixa com um aspirador de pó. No interior do tal aspirador, havia uma pistola e 50 munições. A arma poderia ser usada, em algum momento, pelo criminoso para cometer assaltos a outros passageiros, e o Baruk impediu. A apreensão foi muito memorável porque o cão estava se recuperando de uma cirurgia”, comentou o policial.
Empenhado a ganhar uma bolinha como prêmio, no mesmo ônibus, Baruk também identificou uma outra mala, pertencente ao mesmo passageiro, com 2kg de cocaína. “É impressionante porque a atuação dos cachorros é muito rápida. O que um ser humano levaria horas para encontrar, eles percebem em questões de segundos. Esses animais não discriminam, não ligam para raça ou orientação sexual. Apenas vão atrás do que foram treinados para encontrar. E tudo em troca apenas de um brinquedo”, disse.
Instituído em 2008, em Brasília, no canil da PRF, vivem, hoje, sete cães: Rocky, Megan, Eva, Sofie, Pancho e Axel. Os dois últimos, contudo, acabaram de se aposentar. “A sétima integrante da equipe, a Aurora, de 9 meses, é nossa estagiária. Ainda está sendo treinada e acompanhada”, contou o policial, aos risos.
Seis desses animais só obedecem ordens proferidas em alemão. Apenas a Pastor Alemão Sofie segue comandos em outra língua – o francês.
No local, os animais vivem em um ambiente pensado para garantir o bem estar deles. Conforme relatado por Cordeiro, além de iluminação diferenciada durante o período noturno, os cachorros só dormem no embalo de um “som ambiente”. E tem mais: o cão escolhe o condutor. Se não houver uma química entre os dois, não é possível a parceria.
O Metrópoles visitou o canil e, durante uma manhã, acompanhou uma demonstração de como funciona um dos treinamentos feitos com os cachorros da PRF. Em caixinhas com buracos individuais, um objeto com odor semelhante ao de produtos ilícitos foi inserido. Três cães, então, foram posicionados para indicar o local exato.
Nesse momento, o agente demonstrou como o comportamento de cada cachorro é individual. Enquanto alguns são mais detalhistas, outros seguem diretamente para o odor.
Veja:
“Hoje estamos com sete policiais no canil da Polícia Rodoviária Federal. Durante esse nosso período de atuação, quase dez toneladas de maconha foram apreendidas. Isso só foi possível devido a ajuda nos nossos cachorros”, finalizou.
Adaptação e cuidados
Os filhotes começam o treinamento aos 35 dias de idade, e os que estão aptos a se tornarem farejadores podem ser identificados no 10º mês de vida. São poucos. As características requeridas são muitas. Coragem, perseverança, foco e sociabilidade são indispensáveis.
Conforme informaram as corporações, todos os animais são acompanhados cuidadosamente por equipes de veterinários. Além disso, os cães têm os momentos de descanso, de descontração e, obviamente, dos treinos.
Para trabalhar como condutor, os policiais e bombeiros precisam passar por cursos. Além disso, nunca mais poderão deixar delegacias, quarteis e batalhões sem uma bolinha.
Aposentadoria
Assim como no caso do CBMDF, depois de aposentados, os cachorros das corporações citadas nesta reportagem são doados aos policiais, que se comprometem a ter o máximo de cuidado com os animais. Caso as equipes não tenham condições de ficar com os cachorros, formulários são abertos à população.
Cidadãos que tenham interesse em se habilitar, passam por análise criteriosa das corporações durante a seleção. Se todos os requisitos exigidos são apresentados por alguém, essa pessoa torna-se apta a cuidar de um cão policial aposentado.
Na PRF, por exemplo, há dois cachorros disponíveis para adoção. Interessados podem se cadastrar por meio deste link.