Grilagem: um em cada cinco presos em operações é servidor público
Entres os investigados estão bombeiros, PMs, funcionários de empresas públicas e até trabalhadores da Agência de Fiscalização (Agefis)
atualizado
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A cobiça por terras públicas no Distrito Federal levou 50 pessoas para a cadeia em 2017. Chama atenção que, entre os grileiros presos em operações da Polícia Civil, muitos deveriam justamente zelar pelo patrimônio do governo. Desse total, de cada cinco detidos pelo crime de parcelamento irregular do solo, um é servidor público.
Bombeiros, policiais militares, fiscais da Agência de Fiscalização (Agefis), funcionários da Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap) e de administrações regionais figuram entre os responsáveis por invadir e ocupar áreas sem autorização. A maioria se aproveitava da função pública para favorecer os esquemas ilegais e embolsar milhões de reais.
Em apenas uma das investigações, a PCDF e o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) descobriram que um condomínio irregular não tinha nem mesmo saído do papel e os criminosos haviam vendido 700 lotes. “Estimamos que apenas os investigados nessa ação movimentaram cerca de R$ 10 milhões negociando terras públicas”, disse a promotora de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb) Selma Leão.Por meio da Prourb, o MPDFT tem intensificado as apurações sobre ocupações irregulares no Distrito Federal. “O combate à grilagem de terras é uma prioridade para o Ministério Público. Além da ocupação desordenada, o parcelamento irregular do solo é um crime que traz diversos outros problemas, como danos ambientais e danos milionários aos cofres públicos”, destacou Selma.
Penas mais severas
A delegada-chefe da Dema, Marilisa Gomes, defende penas mais duras aos servidores. “A lei deveria ser mais rígida em casos em que há participação deles. Teriam que ter a pena aumentada. Quando você passa em um concurso, assume uma função, você representa o Estado. Existem várias obrigações e responsabilidades”, analisou a delegada.
“Eu não posso dizer que os criminosos ficaram ousados. Eles sempre foram, é algo intrínseco deles. Mas é um grupo que vai se readaptando para evitar serem pegos. Chama atenção um grupo tentar fazer uma fraude dentro de um órgão público, no caso a Terracap. Ou seja, utilizando um procedimento lícito, que é a venda direta, mas para uma situação que não seria possível, por meio de corrupção”, destacou a delegada, ao se referir da Operação Sacerdote (Leia memória).
Drones
Para auxiliar no trabalho da polícia, agentes foram treinados para operar dois drones que serão destinados à Dema. “Usaremos esses equipamentos para somar nas investigações. Eles poderão facilitar a retirada de fotografia de áreas impossíveis de se chegar com viaturas”, explicou a chefe da especializada.
Confira a entrevista com a delegada Marilisa Gomes
Ela alerta que os compradores também podem ser autuados por participação no crime.
“Os adquirentes não podem alegar desconhecimento da lei ou da origem desses lotes. Entendemos que quem compra também participa do crime. Já tivemos casos em que essas pessoas responderam criminalmente, foram denunciadas pelo Ministério Público”.
Quem parcela glebas do governo têm enfrentado um duro revés na Justiça. Os investigadores têm conseguido atribuir a eles não apenas o crime de grilagem, mas também organização criminosa, corrupção ativa, corrupção passiva, tráfico de influência, lavagem e ocultação de bens, que tem resultado em penas elevadas.
Operações
Em 2017, a Dema realizou 46 operações, cumpriu 112 mandados de busca e apreensão e evitou que 3.498 lotes públicos fossem vendidos. As investigações evitaram o prejuízo de R$ 267,8 milhões aos cofres públicos. Atualmente, existem 514 inquéritos sobre parcelamento irregular em andamento na unidade.
Os trabalhos continuam. Em janeiro deste ano, a delegacia desmantelou um grupo criminoso que parcelou ilegalmente a Chácara 12 da Colônia Agrícola Águas Claras, no Guará. Entre os alvos tinha um bombeiro militar do DF reformado, que já foi preso temporariamente duas outras vezes em investigações da PCDF. O militar Carlos Eduardo de Andrade Muniz coordenava várias empresas de construção e engenharia. Após cinco dias, ele ganhou a liberdade.
O grupo faturava com a construção de imóveis em áreas invadidas. A corporação informou que o caso é acompanhado pela corregedoria: “Tão logo mais informações sejam repassadas pela Polícia Civil do DF a respeito do caso, estas serão agregadas aos autos do processo administrativo já em andamento, uma vez que o militar, hoje na reserva remunerada, responde a Conselho de Disciplina, no âmbito do CBMDF”.
Linha do tempo
Em setembro de 2017, durante a Operação Sacerdote, da Dema, sete pessoas foram presas. Randel Machado de Faria, síndico do condomínio Ville de Montagne II; Sérgio Rafael Alejara; e o servidor do Tribunal de Contas do DF (TCDF) cedido à Agência de Desenvolvimento (Terracap), Gustavo Adolfo Moreira, que ocupava o cargo de diretor de Gestão Administrativa e de Pessoas (Digap) da agência. O grupo agia tentando vender terrenos em áreas verdes públicas no Setor de Mansões Dom Bosco, no Lago Sul, o que é proibido.
Ao Metrópoles, o TCDF informou apenas que o servidor esteve cedido a outros órgãos de 13 de abril de 1987 até 19 de julho de 2017, data de sua aposentadoria. O tribunal ressaltou que ele já se encontrava aposentado quando da prisão.
No mesmo mês, a Dema descobriu que um auditor fiscal de atividades urbanas da Agência de Fiscalização do DF (Agefis) estava envolvido com um grupo criminoso que atuava invadindo terrenos públicos valiosos, de 20 mil m², localizados em uma das áreas nobres do Distrito Federal. Os lotes são avaliados em torno de R$ 3,8 milhões cada. O agente Paulo José da Silva é suspeito de tentar evitar o trabalho de fiscalização na área. Ele solicitava dinheiro do grupo e, em troca, fornecia informações sobre operações do órgão que estavam sendo feitas em diversas cidades do DF.
A Agefis informou que foi instaurada comissão para apurar o processo administrativo contra o servidor. Atualmente, ele está aposentado. “Somente ao final do processo e o servidor seja considerado culpado é passível a aplicação de todas as penalidades precistas na Lei nº 840, de 2011”, informou.
Em julho do mesmo ano, quatro pessoas foram presas pela Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Administração Pública (Decap) acusadas de integrar uma organização criminosa que falsificava documentos públicos para a concessão de habite-se e alvarás, entre outros documentos, nas administrações regionais de Riacho Fundo I, Taguatinga e Samambaia. Entre os detidos está um servidor comissionado. Um fiscal da Agência de Fiscalização (Agefis) e um funcionário da administração de Taguatinga foram levados coercitivamente (obrigados) a depor.
Os integrantes do grupo chegavam a faturar R$ 300 mil por mês, já que cobravam entre R$ 5 mil e R$ 25 mil por serviço clandestino realizado. Supõe-se que a organização seja formada por mais de 30 pessoas, inclusive despachantes e corretores de imóveis. As investigações continuam.
Um dia após a ação da Decap, Haroldo Cardoso dos Santos foi exonerado do cargo de diretor da Diretoria de Articulação da Coordenação de Desenvolvimento, da Administração Regional do Riacho Fundo 1. Rebecca Christina de Lima também deixou a função de assessora técnica da Coordenação de Licenciamento, Obras e Manutenção da Administração Regional de Taguatinga.
Outro servidor de administração regional também foi pego pela Polícia Civil. Em setembro de 2017, Fernando Santiago Braga, da Administração Regional de Ceilândia, acabou detido com mais sete pessoas por grilagem de terras no Setor Pôr do Sol, em Ceilândia. Três policiais militares, um deles reformado, também estiveram entre os presos. Os nomes deles não foram divulgados. A Operação Confraria foi realizada pela 23ª Delegacia de Polícia.
Braga foi indicado ainda na gestão de Agnelo Queiroz pela associação de moradores para trabalhar na área de regularização do Pôr do Sol. Na época, como era uma demanda da comunidade, ele foi colocado na função. Com a troca de governo, uma deputada distrital pediu a continuidade dele no cargo. Ele foi mantido na função, cada vez com mais poderes, devido a influência sobre a comunidade, especialmente na invasão investigada pela polícia. Fernando acabou sendo exonerado do governo.
Exoneração
A Controladoria-Geral do Distrito Federal explicou que quando servidores são presos, eles não são automaticamente afastados do cargo. Quando já houver materialidade e autoria conhecidas, como nos casos citados pela reportagem, o órgão de origem do ocupante de cargo público instaura um Procedimento Administrativo Disciplinar.
Se a autoridade instauradora do PAD considerar que a permanência do acusado no exercício do cargo ou função tem o potencial de prejudicar as investigações, poderá determinar seu afastamento pelo prazo de 60 dias, prorrogável uma vez por igual período, a fim de que não venha influir na apuração da irregularidade.