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Grilagem avança sobre parque ecológico e ameaça progresso de cidade

Cerca de 45 casas de alvenaria foram erguidas em área próxima à Quadra 108 do Setor Habitacional Pôr do Sol, localizada dentro da Arie JK

atualizado

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Foto: Matheus Veloso/Metrópoles
Casas de alvenaria pequenas construídas em descampado numa invasão do Sol Nascente próxima à parque - Metrópoles
1 de 1 Casas de alvenaria pequenas construídas em descampado numa invasão do Sol Nascente próxima à parque - Metrópoles - Foto: Foto: Matheus Veloso/Metrópoles

No caminho de terra até a Quadra 108 do Setor Habitacional Pôr do Sol, chama a atenção a quantidade de placas feitas à mão com a frase “vende-se”. Entre pilhas de tijolos e restos de vegetação queimada, estão construções de alvenaria – duas já habitadas – que marcam o início da devastação da Área de Relevante Interesse Ecológico Parque Juscelino Kubitschek (Arie JK), morada de afluentes do Rio Descoberto. Em menos de 60 dias, o local viu brotar, no meio do Cerrado, pelo menos 45 edificações.

Sob a sombra de torres recém-erguidas de distribuição de energia, o Metrópoles flagrou, durante a semana, a ação de grileiros no local. E viu, ainda, como a exploração desenfreada de terras públicas pode afetar o desenvolvimento da região que já foi considerada, ao lado do Sol Nascente, uma das maiores favelas do Brasil.

Invasores aproveitam-se da situação de pobreza na região, tomam as terras para si, e não aceitam devolvê-las. Em conversas com lideranças locais, é unânime a aflição diante das constantes ameaças de morte; alguns, porém, desafiam a lei do silêncio que impera no lugar. “Vivo com medo, mas não vou me acovardar e não fazer nada, ao ver o rio [Melchior] sendo destruído”, conta um líder da região, que pediu para não ser identificado.

Veja momento que a reportagem flagrou atividade de grilagem:

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A reportagem do Metrópoles circulou, durante a semana, pela área devastada e flagrou famílias morando nas edificações
Há cerca de 45 casas de alvenaria construídas no "parque habitacional"
Todas elas possuem apenas um cômodo
As habitações estão dispostas em terrenos de 150m² e são comercializadas entre R$ 15 mil e R$ 20 mil
Além de famílias morando, a reportagem flagrou o momento que quatros trabalhadores construíam uma nova edificação
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Moradores do Pôr do Sol denunciaram atividade de grilagem na região

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A reportagem do Metrópoles circulou, durante a semana, pela área devastada e flagrou famílias morando nas edificações

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Há cerca de 45 casas de alvenaria construídas no "parque habitacional"

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Todas elas possuem apenas um cômodo

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As habitações estão dispostas em terrenos de 150m² e são comercializadas entre R$ 15 mil e R$ 20 mil

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Além de famílias morando, a reportagem flagrou o momento que quatros trabalhadores construíam uma nova edificação

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Ao lado do canteiro de obras, havia pilhas de vegetação queimadas

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As casas fazem fronteira com a vegetação do Cerrado

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A invasão começou em cima de uma parte da tubulação que transporta esgoto da Estação de Tratamento Melchior, em Samambaia

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Parte do sistema rompeu, no início de 2021. Na época, moradores disseram que pedaços da tubulação chegaram ao Rio Melchior, afluente do Descoberto, que fica a cerca de 400 metros do terreno

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A Administração Regional do Sol Nascente/Pôr do Sol diz já estar ciente do loteamento ilegal

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A cerca de 400 metros da área devastada, corre o Rio Melchior. Divisa entre Samambaia e Ceilândia, o corpo d’água é objeto de diversas campanhas de preservação promovidas por ambientalistas e políticos. Apenas em 2021, a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) registrou três rompimentos em adutoras de duas estações de tratamento (ETE) do riacho – as ETEs Melchior e Samambaia.

Moradores da região relatam que, no início do ano passado, época do rompimento, pedaços grandes da tubulação utilizada para transporte de esgoto chegaram a cair no rio. Ainda com obras de manutenção em andamento (veja fotos acima), os técnicos da Caesb precisarão reparar o encanamento subterrâneo sob a população que se acomoda logo acima, na área invadida. Ou seja, a grilagem pode comprometer a melhoria de um serviço público essencial, que é a prestação de água potável à comunidade.

“Em janeiro havia duas casas no local. Como ninguém se manifestou, de 15 de abril para cá, construíram o restante. Já tiraram a vegetação e começaram a fazer o loteamento”, explica outro morador do Pôr do Sol.

Veja localização da área desmatada:

Mapa grilagem Pôr do Sol

Distribuídas em terrenos de 150 m², as casas de alvenaria – vendidas entre R$ 15 mil e R$ 20 mil – têm apenas um cômodo, do tipo “caixa de fósforo” (veja fotos acima). De acordo com o artigo 106 do Código de Obras e Edificações (COE) do Distrito Federal, as unidades residenciais devem ser compostas de, no mínimo, dormitório, sala de estar, cozinha, área de serviço e banheiro.

“Eles chegam com uma conversa de que aquele terreno pertence a uma chácara antiga de um parente. Então, falam para que tomem conta dessa área e dão ajuda de custo para construir um barraco”, conta um vizinho da região, que também foi ameaçado de morte diversas vezes. “Se alguém falar [sobre a atividade de grilagem], dizem que ‘não vai dar bom'”, narra.

A reportagem tentou contato, por telefone, com um suposto comerciante dos lotes irregulares conhecido como Edinaldo, que negou realizar as vendas. Também disse não ser dono de qualquer anúncio sobre as propriedades e, em seguida, desligou.

Importância da Arie JK

Segundo o Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) é uma unidade de conservação de uso sustentável que possui características naturais e geralmente abriga exemplares raros de fauna e flora. É um território de pequena extensão, que exige cuidados especiais de proteção do poder público. Entre seus principais objetivos, constam a manutenção dos ecossistemas naturais, de importância regional ou local, e a regulação do uso admissível, de modo a compatibilizá-lo com a conservação da natureza.

De acordo com a Lei nº 1.002, de 2 de janeiro de 1996, a instalação e o funcionamento da Arie JK são regidos pelas legislações vigentes em âmbito ambiental e agrícola. As diretrizes estabelecidas incluem manejo e recuperação das matas ciliares, assim como reflorestamento das áreas degradadas. Há, ainda, a proteção das nascentes e do perímetro de drenagem dos cursos de água, de forma a disciplinar a recepção de efluentes sanitários, águas servidas e pluviais, visando à recuperação da qualidade de suas águas.

Veja efeitos da invasão:

Raio-X do Pôr do Sol

Na última quarta-feira (6/7), a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) publicou o diagnóstico comparativo dos aspectos domiciliares e socioeconômicos das 33 regiões administrativas (RAs) do Distrito Federal. O estudo faz parte da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad) 2021 por Unidade de Planejamento Territorial (UPT).

Segundo os dados divulgados, a Região Administrativa do Pôr do Sol/Sol Nascente, criada em 2019, possui população de 93.217 pessoas e área de 4.049,17 hectares. Os moradores da 32ª RA do DF recebem, em média, R$ 1.578,78 de remuneração por trabalho principal.

Ainda de acordo com a Codeplan, a RA é composta por dois setores habitacionais distintos (Sol Nascente e Pôr do Sol), que surgiram como expansão da cidade de Ceilândia. O Setor Sol Nascente começou a ser ocupado de maneira irregular nos anos de 1990, com aproximadamente 80 moradias, a princípio.

O processo de ocupação deu-se de forma contínua e acelerada, com condições mínimas de infraestrutura. Somente em 2008, mediante a sanção da Lei Complementar nº 785, ambos os territórios que hoje compõem a região foram reconhecidos como setores habitacionais de Ceilândia, e transformados em Áreas de Regularização de Interesse Social.

O que dizem os órgãos responsáveis pelo cuidado da área

Em nota ao Metrópoles, a Administração Regional do Pôr do Sol/Sol Nascente pontuou que está ciente do caso e que já encaminhou um ofício para o órgão competente de fiscalização (DF Legal). Já Secretaria DF Legal emitiu comunicado anunciando que a área está sob responsabilidade do Instituto Brasília Ambiental (Ibram).

O Ibram, por sua vez, informou que monitora a Arie JK e confirmou que “há locais com parcelamento irregular do solo, cujos usos e finalidades não condizem com o plano de manejo”. Veja a nota do órgão, na íntegra:

“O Instituto Brasília Ambiental monitora a Área de Relevante Interesse Ecológico Parque Juscelino Kubitschek e fiscaliza a região. Há locais com parcelamento irregular do solo, cujos usos e finalidades não condizem com o plano de manejo estabelecido para esta Unidade de Conservação (UC). De acordo com a Instrução Normativa nº 3, de 22 de janeiro de 2021, estão previstas nesses locais ações prioritárias como desconstituição de parcelamento de solo e de ocupações irregulares, recuperação de áreas degradadas, entre outras medidas. A Arie Parque JK é uma UC de Uso Sustentável instituída pela Lei nº 1.002, de 2 de janeiro de 1996. A região onde ela está inserida se configura no maior conglomerado urbano do Distrito Federal (30% da população total do Distrito Federal) e em contínuo crescimento populacional (Codeplan, 2019). A região possui importantes áreas, como a Área Rural Remanescente do Núcleo Rural de Taguatinga, centenas de nascentes, a bacia hidrográfica do Ribeirão Taguatinga (sub-bacia da bacia do Rio Descoberto), diversos sítios arqueológicos, um campo de murundus.
Além disso, a ARIE Parque JK é um importante remanescente do bioma Cerrado no DF. Esta, assim como as demais UCs do DF, é de suma importância pela sua rica biodiversidade de fauna e flora e pelo abastecimento de água para parte da população do Distrito Federal. Também é uma importante área para a prática da agricultura e pecuária, atividade responsável pelo fornecimento de alimentos para o Distrito Federal.”

A Delegacia do Meio Ambiente (Dema), da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), também foi procurada, mas não respondeu às perguntas enviadas. O espaço segue aberto para quaisquer manifestações.

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