Grande Colorado: Justiça busca conciliação de moradores e urbanizadora
Os mais de 30 mil condôminos reclamam que terão de pagar por terrenos já comprados nas décadas de 1980 e 1990
atualizado
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A Justiça vai interferir no impasse envolvendo a regularização de condomínios do Grande Colorado, em Sobradinho. O juiz Carlos Frederico Maroja de Medeiros, da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF, determinou a realização de uma audiência prévia de conciliação entre representantes de moradores, a Urbanizadora Paranoazinho (UP) e o Governo do Distrito Federal (GDF).
A decisão que designa a tentativa de entendimento, datada dessa segunda-feira (15/07/2019), ocorreu no âmbito de um pedido formulado por três condomínios: Solar de Athenas, Jardim América e Rural Recanto dos Nobres. A mediação ficará a cargo do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) em data ainda a ser estabelecida pela Justiça.
Caso tal fase não se converta em pacificação, o processo segue o rito normal e deve partir para a instrução, destinada à produção de provas.
Moradores reclamam
Os condôminos querem a anulação do edital publicado em 11 de junho de 2019, mas o juiz negou liminar. O documento contém as regras para negócio entre a empresa e interessados em regularizar os lotes. De acordo com residentes, contudo, este seria um segundo pagamento pelas terras, já compradas, a maioria delas nas décadas de 1980 e 1990. O preço médio do metro quadrado previsto é de R$ 120.
A referida publicação tem como base mediação conduzida pelo GDF, iniciada em janeiro e que teria sido concluída em uma reunião de 31 de maio de 2019. Advogado da causa, Mario Batista disse ao Metrópoles que o último encontro ocorreu com representatividade apenas de uma das partes, a Urbanizadora Paranoazinho.
O defensor pediu cautelar para suspender os efeitos da negociação, mas a solicitação acabou negada. Porém, segundo Batista, um ponto deve ser levado em conta: o magistrado alegou que a mediação não estabeleceu obrigações aos moradores, que podem ou não aderir ao procedimento de regularização. “A UP vinha utilizando isso de uma forma oficial. Com a publicação do edital, as pessoas menos informadas entendem que é uma coisa de governo”, pontuou.
Procurada pela reportagem, a Urbanizadora Paranoazinho preferiu não se manifestar sobre o assunto. Em nota, a Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF) disse que não foi notificada até o momento, mas, provavelmente, o DF será intimado a comparecer nessa audiência.
MPDFT
Nessa terça-feira (16/07/2019), o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) informou que, “diante da complexidade” envolvendo a regularização do Grande Colorado, tem recebido manifestações por meio da Ouvidoria ou em contato pessoal nas quais cidadãos dão seus relatos sobre o processo. Como é uma briga entre particulares, contudo, o órgão nada pode fazer na maior parte dos casos.
A Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb) tem atendido os moradores e avaliado individualmente cada situação. Em nota, a unidade informou existirem também ações judiciais que chegam para pronunciamento ministerial.
Entenda
A papelada revelada pelo Metrópoles mostra que os residentes do Grande Colorado, em sua maioria, compraram e pagaram pela terra vendida por Tarcísio Márcio Alonso, que chegou a ser condenado e preso por grilagem de terras no Distrito Federal e em São Paulo. Aponta, ainda, que ele revendeu os mesmos quinhões para a atual Urbanizadora Paranoazinho, uma sociedade anônima criada exclusivamente para gerir o bilionário negócio, cuja participação dos empresários José Celso Gontijo e Rafael Birmann veio à tona.
O GDF entrou na história quando o atual governador, Ibaneis Rocha (MDB), conduziu uma tentativa de conciliação em que, publicamente, defendeu o pagamento à administradora. Chegou a se exaltar com os síndicos inconformados diante dos valores propostos pela Urbanizadora Paranoazinho, de, em média, R$ 120 o metro quadrado.
O governo, inclusive, disponibiliza linha de crédito do Banco de Brasília (BRB) para financiar em até 100% a dívida dos residentes da localidade.
Desde que o GDF chancelou e publicou as regras para o pagamento das glebas à Urbanizadora Paranoazinho, os ocupantes delas que ainda não aderiram ao acordo passaram a sofrer uma pressão constante de funcionários da empresa interessada no negócio, que pode render lucro de R$ 12 bilhões.
Muitos relatam receber, em um só dia, dezenas de ligações de representantes da administradora. Nas conversas, os agentes fazem um trabalho maçante no sentido de convencer o grupo de que, caso não se renda à conciliação, corre o risco de perder as terras.
O que diz a Urbanizadora Paranoazinho
Embora não tenha se manifestado sobre o fato de a Justiça ter determinado a realização de audiência de conciliação, no último dia 11, data da primeira reportagem mostrada pelo Metrópoles, Ricardo Birmann, presidente da Urbanizadora Paranoazinho, afirmou que a empresa sempre atuou com “responsabilidade, transparência e preocupada com a segurança jurídica”. “Desde que assumimos, temos uma postura de muito rigor. A área estava imersa neste universo de insegurança. Iniciamos o maior processo de regularização fundiária da história”, pontuou.
Birmann reconheceu a participação de José Gontijo no quadro societário da urbanizadora, mas nega a interferência de Tarcísio nos negócios. “Ele tem dinheiro a receber, mas não participa ativamente das decisões”, explicou.
A Urbanizadora Paranoazinho também informou, por meio de nota, que “Tarcísio Márcio Alonso, assim como cerca de 60 outros herdeiros, advogados e cessionários, tinha direitos ao espólio de José Cândido de Sousa, antigo proprietário das terras que compõem a Fazenda Paranoazinho. A partir de 2008, a UP negociou e adquiriu toda a área por meio de inúmeras negociações com esses diferentes herdeiros/cessionários, sempre tomando as precauções legais, sempre por escrituras públicas e sempre com registro em cartório de registro de imóveis”.
O que diz a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação
Também por meio de nota, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) sublinhou que “o quadro societário da empresa trata-se de matéria de cunho exclusivamente relacionado à Urbanizadora, sobre o qual à secretaria não cabe qualquer juízo, competindo-nos tão somente, nessa fase, a continuidade na análise e aprovação dos projetos urbanísticos a serem encaminhados com base nos critérios estabelecidos entre os particulares envolvidos”.
Sobre a participação do governo na negociação entre terceiros, a pasta destaca ter realizado “a mediação do conflito fundiário que já durava mais de uma década, entre a UPSA e os moradores da região, garantindo a participação de quaisquer interessados em todas as reuniões realizadas, buscando sempre uma solução para a questão fundiária, sobretudo com vistas à efetiva regularização da região”.
“Por fim, importante ressaltar que a adesão à proposta apresentada pela Urbanizadora Paranoazinho não é obrigatória, tratando-se de faculdade dos moradores para que, além de encerrar a discussão quanto à propriedade, a empresa assuma todos os custos inerentes ao processo de regularização legalmente estabelecido, incluídos todos os estudos e compensações necessários, como ambiental e urbanístico, bem como as obras de infraestrutura mínimas previstas para a região e ainda não executadas”, conclui o texto.