Governo fechará Pioneira, funerária que mantinha papa-defuntos no DF
Secretaria de Justiça vai pedir à Agefis o lacramento de outro estabelecimento do ramo que funcionava clandestinamente em Ceilândia Sul
atualizado
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A Secretaria de Justiça abriu procedimento para cassar o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Funerária Pioneira, em Taguatinga. A empresa é suspeita de manter um esquema de papa-defuntos no Hospital Regional de Ceilândia (HRC), mesmo após ser alvo de investigações policiais.
Além disso, a Sejus vai pedir à Agência de Fiscalização (Agefis) o lacramento de outra funerária que funciona clandestinamente na EQNM 17/19, em Ceilândia Sul. A operação também incluirá a retirada das placas de publicidade dos estabelecimentos. A pasta determinou as medidas após o Metrópoles revelar o novo modus operandi da Máfia das Funerárias na capital do país.
Para o subsecretário de Assuntos Funerários da Sejus, Manoel Antunes, a denúncia feita pelo portal não deixa dúvidas de que grupos denunciados no âmbito da Operação Caronte continuam a atuar no Distrito Federal. “Mediante a comprovação da fraude documentada na matéria jornalística, vamos solicitar a interdição e a retirada das propagandas”, destacou.
“Também adotaremos medidas administrativas para aplicar as sanções previstas no artigo 29 do Decreto nº 28.606, de 2007 [que prevê cassação do TAC e multa], garantindo o princípio do contraditório e da ampla defesa”, complementou Manoel, ao se referir à Pioneira.
A reportagem veiculada no domingo (2/12) mostrou como um papa-defunto se reinventou para permanecer lucrando com o milionário mercado da morte. Eremito Araújo Nunes era sócio da Funerária Cristo Rei, fechada por problemas documentais em junho deste ano. O estabelecimento ocupava duas lojas numa rua privilegiada para o ramo: em frente ao HRC.
Com a autorização para fazer a prestação de serviços funerários cassada, Eremito se aliou ao dono da Pioneira – outra investigada pela Polícia Civil do DF – e reorganizou um exército de papa-defuntos. Ao convencer familiares a fechar negócio com a Pioneira, recebia comissão de 30% sobre o valor total do sepultamento.
Em razão da proximidade com o hospital da maior e mais populosa cidade do DF, há um número grande de comércios desse tipo nas redondezas. Na quadra onde ficava a Cristo Rei, existem outras duas funerárias que operam legalmente: a Bom Jesus e a Pax Memorial Amor Eterno. Eremito mirava justamente os clientes dessas empresas.
Normalmente, quem procura por serviços funerários na região faz orçamentos na Bom Jesus e na Pax. Eremito abordava os interessados na saída e os convidava a entrar em uma de suas lojas vazias. Para evitar que os clientes se espantassem com a ausência de funcionários e materiais de escritório, dizia que o lugar seria reformado para “melhor atender ao público”.
O papa-defunto oferecia sempre um preço bem menor do que a Bom Jesus e a Pax. Com o negócio fechado, encaminhava a pessoa à Pioneira, que tem endereço em Taguatinga. Sem saber que falava com um jornalista, ele explicou como seria um sepultamento padrão. “Fica R$ 1,4 mil. Você paga no cartão, cheque ou dinheiro. A gente pega o corpo e deixa preparadinho na clínica até a hora de levar para o cemitério”, disse Eremito.
Assista:
Licitação polêmica
O serviço funerário do DF jamais foi licitado. Em novembro, o GDF finalmente realizou concorrência pública para selecionar 39 empresas que serão autorizadas a operar na cidade. As regras para participar do certame estão no portal da Secretaria de Justiça e Cidadania. A sessão pública de recebimento das propostas será em 11 de dezembro, das 10h às 11h.
No entanto, muitas funerárias já há anos no mercado reclamam dos termos colocados no edital. A principal queixa é com relação aos lances a fim de obter uma outorga: sendo o mínimo fixado em R$ 154 mil e o máximo, em R$ 3.091.297,02.
Sem querer se identificar, o proprietário de uma funerária de pequeno porte disse que o certame, do modo como se apresenta, contribuirá para o monopólio do ramo das funerárias no DF. “Quem tem muito dinheiro, vai dar o lance máximo, de R$ 3 milhões. Mas a maioria é pequeno empresário e não tem de onde tirar esse valor. Só vai contribuir para que grupos grandes tomem o controle de todo o serviço, eliminando a concorrência”, reclamou.
Contestação
O subsecretário de Assuntos Funerários, Manoel Antunes, rebate. Segundo ele, os valores descritos se referem a um cálculo projetando a lucratividade média das empresas do ramo. “Atualmente, se uma funerária fizer um sepultamento por dia, cobrando os serviços mais básicos, em 10 anos ela terá um lucro de R$ 3 milhões”, projeta.
Entendo que alguns não concordem, mas o que se busca é profissionalizar o setor. Tem gente no ramo há 40 anos que faz transporte de cadáveres em um Up [utilitário de pequeno porte da Volkswagen]. Um corpo de uma pessoa com mais de 1,80 metro não cabe no carro. São coisas absurdas desse tipo que queremos corrigir com o edital em questão
Manoel Antunes, subsecretário de Assuntos Funerários
Operação Caronte
A Pioneira – para onde Eremito encaminha os familiares de pessoas mortas no HRC – esteve no alvo da PCDF e do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) em outubro do ano passado, quando a Operação Caronte foi deflagrada. Liderada pelo médico Agamenon Martins Borges, a quadrilha falsificava e vendia atestados de óbito por até R$ 6 mil. O documento é gratuito, mas o grupo se valia do desconhecimento das pessoas.
A funerária é a principal suspeita de captar ilegalmente a frequência dos rádios da PCDF em busca de informações sobre mortes classificadas como aparentemente naturais. Depois, funcionários ligavam para os familiares para obter vantagens ilícitas. O dono da Pioneira, Cláudio Barbosa Maciel, foi um dos detidos na ação.
À época, os investigadores descobriram que o esquema arquitetado por Cláudio Maciel tinha três linhas de atuação: a primeira consistia em captar clandestinamente as comunicações da Polícia Civil. Em uma segunda frente, assediavam familiares na saída do Hospital Regional de Taguatinga (HRT), após informações repassadas por trabalhadores do local. Na terceira, corrompiam Agamenon, que nem sequer olhava os cadáveres e fornecia atestados de óbito.
Os criminosos geralmente se passavam por servidores do Instituto Médico Legal (IML). Alegavam aos parentes das vítimas que uma equipe do órgão iria prestar assistência – ou uma funerária ligada ao grupo poderia ajudá-los. Em agosto, o Metrópoles revelou que Agamenon havia ingressado nos quadros da Secretaria de Saúde ao passar em um concurso público para ser pediatra da rede pública.