Golpistas que fraudaram planos de saúde enganaram 87 freiras
Três religiosas morreram sem acesso aos serviços. Grupo é investigado pela Polícia Civil e pelo MPDFT
atualizado
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Uma organização criminosa interestadual alvo da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) deixou um rastro de golpes e mortes na capital e em outros quatro estados. Enraizada no mercado de planos de saúde, a quadrilha mira em pessoas idosas e vulneráveis para fraudar a venda de seguros, sempre utilizando a contratação de planos coletivos por adesão.
Em apenas uma investida, os criminosos aplicaram o golpe contra 87 freiras de uma única congregação. Três delas morreram após procurarem hospitais particulares, quando perceberam a fraude. Outras pessoas que contrataram os serviços ao redor do país também foram a óbito, e as circunstâncias estão sob investigação.
O esquema foi alvo da polícia e do Ministério Público em 27 de novembro, durante a deflagração da Operação Esculápio, que significa, nas mitologias grega e romana, o deus da medicina e da cura. Na ocasião, foram cumpridos apenas mandados de busca e apreensão.
Os pedidos de prisão na primeira fase foram negados pelo fato de a Justiça entender que os crimes apurados não eram recentes. O esquema se perpetua há pelos menos quatro anos e já fez mais de 100 vítimas no DF, além de Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais e São Paulo.
O Metrópoles identificou as freiras que perderam a vida após serem enganadas pela organização criminosa. As irmãs Geralda Diniz Marinho, 87 anos, Joaquina Viana, 66, e Terezinha Santiago, 67 tiveram suas internações negadas pelas operadoras de saúde depois que a fraude foi descoberta. Todas pertenciam à Congregação das Irmãs Auxiliares da Nossa Senhora da Piedade, com sede em Belo Horizonte, em Minas Gerais.
As irmãs chegaram a ser transferidas de hospitais públicos para unidades particulares, mas não resistiram. A ordem das freiras ainda amargou um prejuízo de R$ 654,7 mil pagos às duas corretoras de seguros que faziam parte do esquema criminoso, segundo as investigações. Outros R$ 300 mil foram gastos com despesas hospitalares cobradas pelas instituições privadas onde estavam internadas as irmãs.
Estelionatários
De acordo com as freiras ouvidas pela Coordenação de Repressão aos Crimes contra o Consumidor, a Propriedade Imaterial e a Fraudes (Corf), representantes das empresas Planos Corretora de Seguros e Previne Corretora de Seguros Consultoria procuraram a tesoureira da congregação, em julho de 2018, em uma filial da ordem em Sobradinho. A irmã Terezinha de Jesus Rodrigues contou que os estelionatários ofereceram uma adesão a um plano de saúde englobando quase 90 pessoas.
Na época, a madre vice-presidente da congregação demonstrou preocupação diante da possibilidade de contratação de um plano tendo em vista o grande número de irmãs com idade avançada. Os suspeitos de integrar o esquema, contudo, asseguraram que o negócio era viável. Eles se aproveitaram da boa-fé das freiras.
Na suposta contratação, o acordo fraudulento foi firmado com assistência de cobertura completa (internação hospitalar, cirurgias e consultas), por R$ 800 mil, sendo que R$ 49.364,78 foram pagos em 6 de outubro de 2016, com taxa de adesão às corretoras Previne e Planos. O pagamento dos valores restantes foi dividido em parcelas de R$ 8.408,16 e R$ 112.475,01.
O delegado da Corf responsável pelo caso, Miguel Lucena, afirmou que sete inquéritos foram instaurados nos últimos três anos para investigar a ação delituosa das seguradoras Planos e Previne.
“Eles deixaram um rastro de prejuízos por onde passaram. O golpe mais duro foi contra a congregação de freiras, já idosas, com mensalidade de R$ 100 mil. Três irmãs perderam a vida sem direito à assistência médica, mesmo tendo pago o seguro para a Planos Corretora. O Judiciário precisa ser mais duro com esses golpistas”, ressaltou.
Modus operandi
O modus operandi da organização criminosa é iniciado com a abordagem às vítimas por meio de corretores autônomos ou vinculados a operadoras. As conversas ocorrem por meio da oferta de planos de saúde coletivos das maiores e principais seguradoras de saúde do país.
Em razão da dificuldade de inclusão dessas pessoas na carteira de planos, os criminosos fazem a inserção fraudulenta de dados nos contratos dos clientes perante as operadoras de saúde. São informações importantes para a análise de risco e a aprovação das prestadoras de serviço.
Após a contratação, os golpistas enviam o cadastro adulterado dos consumidores para as empresas de planos de saúde, que emitem as respectivas carteiras e realizam o envio de boletos bancários aos consumidores, o que garantia a aparência de legalidade da contratação.
Todavia, enquanto os dados qualificativos dos clientes são apurados e analisados nas auditorias dos planos de saúde, a organização criminosa recolhe a sua parte dos valores em corretagem por meio do pagamento das primeiras faturas, seja por meio do recolhimento direto (cheques e boletos) ou por meio de empresas interpostas.
Os investigadores conseguiram identificar que a organização criminosa é constituída por um núcleo duro, formado pelos líderes do esquema. Eles são encarregados da idealizar, esquematizar e gerir as ações do grupo.
Também foi descoberto o núcleo de cooptadores, formado por corretores autônomos ou vinculados às empresas integrantes do esquema. A principal função é atrair pessoas vulneráveis – idosos, doentes e clientes sem vínculos empregatício, associativo e sindical. Em geral, vítimas não elegíveis aos planos de saúde coletivos por adesão.
A organização ainda conta com um núcleo operacional, com objetivo de fazer o esquema funcionar no DF e fora dele, além de adulterar documentos, formalizar parcerias e criar vínculos empregatícios falsos com as empresas utilizadas no esquema.
Golpes continuam
O caso da Operação Esculápio está na Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor (Prodecon). Segundo o promotor Paulo Roberto Binicheski, as investigações prosseguem.
“O MP ainda não ajuizou ainda novas ações, tendo em vista que algumas diligências aguardam conclusão. Novas pessoas que apareceram no decorrer das investigações precisam ser ouvidas, e os resultados das perícias estão em fase de análise”, explicou.
O promotor revelou que as diligências apuram a ligação do grupo criminoso do DF com outros membros presentes em diversos estados da Federação, especialmente no Rio de Janeiro e Paraná.
Binicheski esclareceu que há outras demandas que precisam ser apuradas, dada a dimensão nacional do esquema, o número de empresas e pessoas envolvidas no círculo criminoso.
Sobre a empresa Planos e Previne, investigadas por aplicarem o golpe contra a congregação de freiras, o promotor afirmou que ambas não funcionam mais nos endereços cadastrados.
“Já foram identificadas outras empresas abertas que migram para diversas atividades similares ainda investigadas, mesmo após a descoberta do esquema criminoso. Um dos pedidos que serão realizados pelo Ministério Publico à Justiça será o fechamento dessas empresas e a cassação do registros de corretores de seguros dos envolvidos”, finalizou.