GDF tenta reaver apartamentos de luxo ocupados por servidores
Em imóveis de alto padrão, inquilinos se beneficiam de regras feitas nos anos 1980 e pagam valores muito abaixo dos de mercado
atualizado
Compartilhar notícia
Com um dos metros quadrados mais caros do país, Brasília ainda tem aluguel de apartamentos e casas confortáveis, bem localizados e com tamanho invejável, a preço de banana. Mas as oportunidades são para os poucos privilegiados que conseguiram ocupar parte do acervo milionário de luxo do Governo do Distrito Federal (GDF).
De acordo com a Secretaria de Economia, dos 21 imóveis residenciais com essas características, 18 estão alugados a servidores por um valor bem abaixo do praticado no mercado imobiliário local. Esses servidores pagam, apenas, entre R$ 1.242,88 e R$ 2.098,66, a depender da metragem total do imóvel, para ocupar as propriedades públicas.
Segundo o GDF, devido a regras estabelecidas ainda na década de 1980, o aluguel cobrado corresponde a um milésimo do valor atualizado das residências. Em tese, tem direito ao benefício qualquer servidor, de carreira ou comissionado, civil ou militar. Contudo, cabe à administração deferir ou não os pedidos de ocupação dessas residências.
A atual gestão tenta acabar com a regalia, mas o governo ainda tem problemas com inquilinos que se recusam a deixar as unidades e se mantêm nos locais amparados por decisões liminares da Justiça. Alguns já nem mais têm vínculo com a administração local. Além disso, os cofres públicos arcam com o custo de reparos e manutenção de todas as unidades.
Não existe nenhum servidor comissionado atualmente que ocupe esse tipo de imóvel. Mas há ex-comissionados e militares. No sistema do governo, há inúmeros pedidos para que concursados tenham direito ao benefício, mas nenhum foi deferido nos últimos anos. Há o caso de uma viúva que permanece no imóvel destinado ao marido em vida e que luta na Justiça pelo direito de permanecer no local.
Entre as propriedades, há apartamentos de três e quatro quartos, na SQS 203 e também na SQS 315 (foto em destaque), considerados uns dos mais valorizados da região. Apesar disso, o valor pago pelo aluguel não ultrapassa os R$ 2,1 mil.
Só para se ter ideia, um apartamento de 215 m², com quatro quartos, três banheiros e duas vagas na garagem, nos mesmos moldes das propriedades do GDF, é anunciado em sites especializados por R$ 8,5 mil por mês, na modalidade aluguel.
Em outro caso, um apartamento de três quartos, no Bloco A da SQS 203, é anunciado por até R$ 6 mil. Quem ocupa um imóvel parecido, de propriedade do governo, no entanto, desembolsa cerca de R$ 1,9 mil por mês.
Há, ainda, uma mansão no Lago Sul, de aproximadamente 800 m², localizada na SHIS QL 10, uma das quadras mais valorizadas do bairro nobre de Brasília. O GDF estima que o valor do imóvel ultrapasse os R$ 3 milhões. Essa residência está desocupada, mas se fosse alugada, seguindo os critérios do governo, seriam cobrados apenas R$ 3 mil mensais de um eventual inquilino.
Esses são alguns exemplos de situações encontradas pela área econômica do DF e que entraram na mira do governo com o objetivo de desinchar a máquina e evitar a continuidade desses prejuízos.
Mas toda essa carta imobiliária está impedida de ser colocada no mercado para venda, já que os imóveis foram usados como garantia pelo ex-governador Rodrigo Rollemberg (PSB) a fim de retirar recursos bilionários do Instituto de Previdência dos Servidores do Distrito Federal (Iprev-DF).
Prejuízos ao GDF
Levantamento realizado pelo (M)Dados, núcleo de análise de grande volume de informações do Metrópoles, revela que, se forem considerados os valores de aluguel, que variam de R$ 1.242,88 a 2.098,66 (uma média de R$ 1.670,77) por mês, os 18 imóveis ocupados geraram R$ 360,8 mil para o GDF em 2019. Se os 21 estivessem alugados, o montante chegaria a R$ 421 mil.
No entanto, somente em projeção de gastos com toda a carta imobiliária, o GDF estimou gastar cerca de R$ 885 mil em 2019, de acordo com documento obtido pelo Metrópoles. A projeção levou em conta apenas manutenção e despesas previstas, sem as extraordinárias.
Porém, a realidade não é essa. Apenas no condomínio do Bloco A da SQS 203, onde o governo tem 11 unidades, uma taxa extra para melhorias do prédio chega a R$ 1,5 mil por mês. No ano, portanto, R$ 198 mil foram gastos além da previsão oficial apenas para honrar as contas aprovadas pela assembleia condominial.
“O ano de 2019 foi de arrumação, quando encontramos vários serviços sem contrato e tivemos um esforço grande para regularizar as ações do Estado. Agora, vamos avançar naquilo que acreditamos, que é e reduzir o tamanho do Estado e esse tipo de incoerências”, explicou à reportagem o secretário de Economia do DF, André Clemente.
“Nossa determinação é colocar todos esses imóveis à venda assim que todas as questões jurídicas forem resolvidas”, acrescentou Clemente.
De acordo com o presidente do Iprev-DF, Ney Ferraz, a atual carta imobiliária do instituto ultrapassa R$ 1,3 bilhão e a ideia é fazer uma espécie de permuta com o GDF, já que os imóveis estão gerando gastos excessivos ao órgão e o mercado imobiliário não está na melhor fase.
“Temos aproximadamente 50 imóveis, mas o nosso instituto não tem expertise em locação, além do que, o mercado não está aquecido. Mesmo desocupados, esses apartamentos geram custos. Nossa intenção é permutar e conseguir, com isso, propriedades com venda mais ágil”, disse.
Ferraz exemplifica gastos recentes extraordinários com os apartamentos da Asa Sul. “Recentemente, pombos voaram e bateram nas janelas, quebrando os vidros. Se somarmos, é uma despesa absurda que o Iprev tem que pagar. Há uma decisão do Conselho Administrativo de dar preferência através da venda direta. Já existe um processo dentro da Terracap para reavaliar os imóveis que estão desatualizados”, disse.
Ainda segundo Ferraz, cada caso será analisado individualmente, a depender do estado de conservação de cada um. “A nossa intenção é monetizar e colocar esses recursos aplicados em fundos, para que voltem a rentabilizar e melhorar ainda mais nossa performance”, frisou.
O presidente do Iprev ressalta também que o instituto tem investido na desocupação desses imóveis, e a tendência é a de que o número de 18 locações informado pela Secretaria de Economia seja reduzido.
A equipe econômica determinou a substituição dos imóveis em litígio judicial na carta de garantias por outros de valores similares, mas sem a mesma procura comercial.
“Nós acreditamos na atuação da PGDF [Procuradoria-Geral do DF], e o Judiciário deve auxiliar na solução de casos como esse. Mesmo porque a sociedade não aguenta mais esse tipo de privilégios. Estamos observando caso a caso, mas estamos fazendo tudo para resgatar a segurança jurídica no uso desses imóveis”, destacou André Clemente.