GDF ignorou sete alertas de problemas no viaduto que caiu em Brasília
Órgãos de controle, entidades ligadas à construção civil e pessoas que transitam pelo local diariamente já previam o desabamento
atualizado
Compartilhar notícia
O relato de especialistas e de pessoas que passam diariamente pelo viaduto do Eixão Sul não deixa dúvidas: a queda de parte da estrutura foi uma tragédia anunciada. Infiltrações recorrentes, vibrações incomuns e rachaduras visíveis na ligação sempre causaram preocupação.
A constatação de pedestres e motoristas é corroborada por diversos documentos de órgãos de controle e entidades ligadas à construção civil que, desde 2009, alertam o Governo do Distrito Federal (GDF) sobre a necessidade de uma atenção maior aos acessos da cidade.
Veja a seguir os avisos ignorados pelo Executivo local nos últimos anos.
2009 – Relatório do Crea-DF
O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Distrito Federal (Crea-DF), em parceria com diversas entidades, entregou ao GDF, na época do governo José Roberto Arruda (PR), um documento batizado de Relatório Final de Trabalho de Patologias de Obras Públicas.
A conclusão do relatório apontava à época que, em caso de omissão sobre as recomendações, os gestores deveriam ser responsabilizados. “Após este relatório, não será mais possível tergiversar sobre desastres em obras públicas de engenharia. O que se espera é a pronta ação das autoridades do DF para evitar futuros arrependimentos em função de ocorrências que venham a custar vidas e importantes prejuízos materiais.”
Ao Metrópoles, oito anos depois, o professor João Bosco lamenta não terem dado o devido valor ao trabalho. “Infelizmente, praticamente nada foi feito. A interlocução com os gestores nem sempre foi frutífera”, desabafou o docente.
2010 – Cartilha sugeria mais fiscalização
Um ano depois, chegou às mãos do governador-tampão Rogério Rosso (PSD) a Cartilha de Prevenção Contra Catástrofes, elaborada pelo Crea-DF e pelo Sindicato dos Engenheiros do Distrito Federal. Um dos pedidos era para que o GDF contratasse mão de obra qualificada para fazer “prevenção contra tragédias” em viadutos situados na região central.
Entre os procedimentos sugeridos, constavam a fiscalização das empresas e profissionais responsáveis por construções e reformas de empreendimentos públicos e a vistoria permanente de obras do governo.
2011 – Preocupação na Copa do Mundo 2014
Devido ao anúncio de que Brasília seria uma das sedes da Copa do Mundo 2014, o mesmo relatório – feito dois anos antes – foi encaminhado ao GDF, desta vez na gestão Agnelo Queiroz (PT), com foco nas estruturas situadas no Plano Piloto.
“Naquela época, já havíamos identificado diversos problemas estruturais, pois queríamos que as manchetes dos jornais fossem sobre vitórias do Brasil e não de tragédias. Felizmente, nada ocorreu. Mas, devido à falta de cuidado durante tantos anos, a estrutura não suportou agora”, disse o professor João Bosco.
2012 – Relatório do TCDF é deixado de lado
Em 2012, o alerta veio do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), o qual realizou auditoria operacional sobre conservação e manutenção de bens públicos. O relatório avaliou a destinação de recursos para obras e reparos, e constatou prédios e construções públicas que não apresentavam bom estado de conservação, ameaçando a segurança dos usuários. A Corte cobrou providências, mas o GDF ignorou as recomendações.
2013 – Urbanista condenou estrutura
Contratada pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), uma empresa privada inspecionou todos os viadutos da Galeria dos Estados. Foi constatado, à época, inúmeros pontos de corrosão das ferragens, que se agravaram com a falta de manutenção. O arquiteto e urbanista Jônatas Bueno trabalhou na avaliação dos monumentos e lembra ter se deparado com uma situação precária.
“Era possível ver que os cabos de proteção sofreram corrosão devido às infiltrações nos locais, mas também por falta de concretagem nas nervuras entre os alvéolos. Ou seja, desde o momento da construção de Brasília, essas estruturas estavam fadadas a sofrerem corrosão e, por fim, colapso, causando o desabamento, o que ocorreu nesta terça [6/2]”, disse.
Segundo Bueno, tudo foi documentado e enviado à Novacap, mas pouco foi feito. “Sabemos que as estruturas de concreto têm seu tempo de vida útil, mas, neste caso, a tragédia era anunciada e poderia ter sido evitada. Uma má notícia é que a maioria dos viadutos de Brasília encontra-se no mesmo estado”, disse o profissional.
2015 – Deputado tem lei vetada
Como se não bastasse virar as costas para as observações do TCDF, de especialistas e de entidades, o GDF ainda barrou uma medida que poderia evitar o desabamento do viaduto do Eixão Sul.
A Lei nº 5.825, de 2017, de autoria do deputado distrital Cristiano Araújo (PSD), obrigava o governo a fazer anualmente perícia técnica em pontes e viadutos integrantes do sistema viário do Distrito Federal.
A proposta foi vetada pelo governador Rodrigo Rollemberg em 2015, mas, ao retornar para a Câmara Legislativa, acabou aprovada em 2017. Mesmo assim, não emplacou, segundo o parlamentar.
“Esse acidente anunciado é um alerta para que o governo tenha mais cuidado e apreço pelas vidas de milhares de pessoas que transitam diariamente por esses locais, praticamente todos abandonados há décadas”, atacou o deputado.
2018 – Motoristas e pedestres demonstravam receio
Nos últimos meses, não era preciso ser engenheiro para perceber a existência de algo estranho com o viaduto do Eixão Sul. Segundo pedestres e motoristas que passam diariamente pelo local contaram à reportagem, já era possível observar sinais de problemas apresentados pela estrutura há alguns meses.
O radialista José Carlos de Lima, 70 anos, transita pelo local todos os dias, pois trabalha no Setor Comercial Sul, a cerca de 100 metros de onde a armação de cimento caiu. Ele observava o umedecimento incomum das paredes, além de estranhar os tremores a cada passagem de veículos pesados. “Já almocei no restaurante ao lado de onde houve o desabamento, mas há algum tempo não frequentava o estabelecimento, justamente por medo”, disse.
A jornalista Beatriz Souza, 21, reforça a insegurança descrita por José Carlos. “Há muita infiltração nessas estruturas, goteiras. Quando chove, formam-se cachoeiras”, diz. Ela atravessa o viaduto todos os dias para ir ao trabalho, na Advocacia-Geral da União (AGU), no Setor de Autarquias.
“Ouvi um estalo, e tudo caiu”
O cuidador de carros José Ferreira do Nascimento, de 42 anos, estava embaixo do viaduto. Ele almoçava próximo a uma pilastra que desabou. “Ouvi um estalo, olhei pra cima e, de repente, o outro lado estalou, e tudo caiu. Foi uma questão de minutos”, comenta.
Acostumado a passar horas sobre a estrutura, vigiando veículos, José Ferreira relembra que um dia comentou com a esposa sobre a precariedade do lugar. “Essa estrutura já estava comprometida há anos. Ontem fui visitar uma amiga no hospital, com minha esposa, e falei que, se o DF tivesse um terremoto, esse viaduto seria o primeiro a cair”.
Governador admite falta de manutenção
Após o desastre, o próprio governador Rodrigo Rollemberg (PSB) admitiu que o acesso deveria ter passado por manutenção. “Brasília é uma cidade que está envelhecendo. Fizemos manutenção e reforço de estrutura em vários locais, mas este ainda não tinha recebido o serviço”, explicou, ainda no local do incidente.
A justificativa do chefe do Executivo não convenceu quem acompanhava o trabalho do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil. Durante o pronunciamento, Rollemberg recebeu uma sonora vaia do público. “Nossa preocupação era com vítimas, mas não há. Agora, vamos avaliar para saber como fazer a recuperação da área o mais rápido possível”, complementou.
O diretor-geral do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), Henrique Luduvice, também confessou que os reparos no viaduto não estavam entre as prioridades da atual gestão. “A Novacap já vinha fazendo algumas restaurações. Seis viadutos já foram restaurados, e havia previsão que esse e outros pudessem ser atendidos”, ponderou.