GDF ignorou recomendação para reduzir repasse a empresas de ônibus
Segundo parecer da Procuradoria do DF, governo deveria utilizar tarifa usuário, que renderia economia de R$ 124 milhões aos cofres públicos
atualizado
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O gasto de R$ 600 milhões com as gratuidades no transporte público, principal motivo para aumentar em até 25% as passagens de ônibus e metrô, poderia ter sido menor caso o Palácio do Buriti tivesse acatado uma recomendação da Procuradoria Geral do Distrito Federal. Segundo o órgão, o repasse do valor referente ao passe livre às empresas deveria ser calculado com base na chamada “tarifa usuário” e não na “tarifa técnica”.
Com isso, a economia para os cofres do GDF seria de pelo menos R$ 124 milhões nos últimos dois anos. O parecer (leia abaixo) foi feito a partir de uma demanda do DFTrans, no final de 2014, e concluído em janeiro de 2015. Mês em que Rodrigo Rollemberg (PSB) foi empossado governador, adotando um discurso de que havia recebido o Distrito Federal quebrado e teria que fazer uma gestão calcada na austeridade e controlando cada tostão.
Com respaldo da PGDF, o departamento chegou a rever a metodologia adotada para calcular o repasse às concessionárias de ônibus. Mas a pressão dos empresários foi tamanha, alegando que os contratos de concessão do sistema foram assinados com base na tarifa técnica, que a Secretaria de Mobilidade Urbana recuou da decisão.
Grosso modo, a tarifa técnica é o custo do transporte dividido pelo número de passageiros pagantes equivalentes. Uma conta simples que representa o valor real por passageiro pago às empresas de ônibus e metrô.
Porém, nem sempre o que é desembolsado pelo passageiro é o mesmo valor que entra no caixa das empresas. Atualmente, no Distrito Federal, a diferença entre os valores – R$ 3,70 para R$ 4,05 – chega a R$ 0,35, quantia custeada pelos cofres públicos, a título de subsídio.
A variação parece pequena, na casa dos centavos, mas atinge cifras milionárias levando em consideração que o sistema transporta mais de um milhão de passageiros por dia, sendo 330 mil beneficiários do passe livre.
Ressarcimento
A Procuradoria não foi o único órgão a fazer a recomendação ao GDF. Também em 2014, a Controladoria Geral orientou o Executivo a fazer o repasse das gratuidades às empresas levando em conta a tarifa usuário.
E foi além. Sugeriu que as empresas que haviam recebido indevidamente o pagamento pelo cálculo da tarifa técnica restituíssem os valores ao erário, como determina a lei.
A decisão de ignorar as recomendações não tem respaldo legal, na avaliação do deputado distrital Wasny de Roure (PT). “A diferença estimada no cálculo final entre uma tarifa e outra é de 33%. É um volume de recurso considerável”, afirma o parlamentar, que preside o grupo de trabalho responsável por sugerir soluções ao Executivo a fim de reduzir as tarifas de ônibus e metrô, reajustadas em 2 de janeiro.
Transparência e qualidade
Economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Piscitelli defende que seja revisto o lucro das empresas. “É necessária uma auditoria, que deveria ter sido feita bem antes, pois esse furo nas contas do sistema está aí há décadas. O problema, para mim, está na apuração dos preços”, destaca.
Paralelamente à abertura da caixa-preta do subsídio, a solução para reduzir a parcela de contribuição do Estado no transporte público seria, na avaliação de especialistas, aumentar o número de passageiros. E isso só pode ocorrer quando ônibus e metrô oferecerem locomoção com qualidade, tornando-se mais atraentes para quem usa o carro nos deslocamentos.
O outro lado
O secretário de Mobilidade, Fabio Ney Damasceno, garante que a PGDF e a Controladoria erraram nos cálculos. Para ele, essa diferença de R$ 62 milhões a cada ano não pode ser contabilizada.
Existe um erro de conceito de como funciona o sistema de transporte. Se a gente muda a tarifa, o governo teria que cobrir com mais dinheiro; não tem sentido esse tipo de explicação. Não tem economia
Fabio Damasceno, secretário de Mobilidade
Segundo Damasceno, houve uma ampla discussão com a PGDF sobre o assunto. Em setembro de 2015, a Procuradoria voltou a se manifestar. Dessa vez, admitindo o uso da tarifa técnica, desde que as empresas concessionárias apresentassem justificativas sólidas suficientes para embasar a metodologia.
Diante do imbróglio, chegou-se ao consenso de que seria necessário um estudo técnico, elaborado por uma consultoria independente, sobre o funcionamento de todo o sistema. O levantamento ainda não começou, mas será feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).