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GDF abre mão de receita no SIG em benefício de interesses privados

Projeto de lei complementar que aumenta potencial construtivo no setor chega à CLDF nos próximos dias. Medida ameaça tombamento

atualizado

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SIG
1 de 1 SIG - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Na tentativa de aprovar um projeto com potencial bombástico e sem fazer alarde, o Governo do Distrito Federal (GDF) decidiu abrir mão de recolher aos cofres públicos a Outorga Onerosa do Direito de Construir (Odir). A taxa é aplicada quando se permite a ampliação da área construída, exatamente o que vai ocorrer se a Lei do SIG (Setor de Indústrias Gráficas) passar na Câmara Legislativa (CLDF).

O Palácio do Buriti pretende enviar na próxima semana, para apreciação dos deputados distritais, uma proposta que autoriza a elevação da altura dos prédios na região, que margeia o Eixo Monumental e faz fronteira com o Sudoeste. O governo prevê o aumento do potencial construtivo do setor, permitindo que as edificações passem dos atuais 12 metros de altura para 15 metros. Na prática, a medida significa a criação de um pavimento a mais. Assim, prédios no local poderão abrigar até cinco andares.

Arquitetos, urbanistas e outros profissionais alinhados à defesa da preservação de Brasília consideram que este será o primeiro passo para a desconfiguração do projeto concebido por Oscar Niemeyer e Lucio Costa, reconhecido em todo o mundo.

“A implementação do Plano Piloto não foi feita para se sujeitar aos interesses da área imobiliária, portanto aquela visão da Esplanada é a mesma do dia em que foi inaugurada, até hoje. O projeto da capital incorpora isto: você tem uma linha do horizonte, e Brasília construída dialoga com essa linha do horizonte. Se entupir aquilo de coisa alta, acabou Brasília”, alerta a arquiteta Maria Elisa Costa, a filha de Lucio Costa que se tornou um símbolo da manutenção do legado deixado pelo pai. “O problema de Brasília é que, se você começa a abrir um precedente aqui e outro ali, vai virar algo que engolirá a cidade.”

Então secretário de Comunicação de José Aparecido – o governador que teve a iniciativa de encampar a proposta do título de patrimônio cultural da humanidade nos anos 1980 –, Silvestre Gorgulho acompanhou de perto todo o processo e conhece como poucos os bastidores dessa conquista. “Não foi fácil. A UNESCO é extremamente conservadora ainda hoje. O representante dos Estados Unidos era contra esse título para Brasília. Era uma decisão inédita”, recorda.

Citando as possíveis intervenções no gabarito do SIG, o jornalista, que também foi secretário de Cultura entre 2007 e 2010, entende que a discussão sobre mudanças na área protegida da capital segue um caminho equivocado: “Brasília é tombada, e o SIG está dentro dessa área. Temos de respeitar o projeto original de Lucio Costa e as regras do tombamento”.

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Intervenção “oportunista”

Segundo consta na minuta de projeto aprovado pelo Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do DF (Conplan), o novo gabarito do SIG contemplará cinco pavimentos, com taxa de ocupação no último andar de 100% – o que, por óbvio, geraria a aplicação da Odir, pois atualmente a área de ocupação seria de apenas 40%, de acordo com o Decreto nº 30.665, de 2009. No entanto, o GDF só vai aplicar a cobrança em quatro dos mais de 370 terrenos do setor, quase todos pertencentes a grandes empresários da construção civil.

O arquiteto Alberto de Faria classificou como “estranho” o GDF abrir mão de um recurso que, no fim das contas, se reverteria em benefícios para a população. “A Odir é uma forma de o poder público recuperar o investimento feito em infraestrutura. Um lote naquele setor que passa a dispor de maior potencial construtivo vai ser mais valorizado, e é preciso que a sociedade receba de volta uma certa contribuição”, ressalta o profissional, que é professor do Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e já presidiu o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (CAU-DF).

Romina Capparelli, especialista em gestão de conjuntos tombados e integrante do movimento Urbanistas por Brasília, sobe o tom e chama a intervenção de “oportunista”. “Os grupos de pressão têm conseguido agilizar as propostas que são de interesse deles e não do interesse público”, alerta.

Esforço público, interesse privado

Segundo levantamento do Metrópoles, a prioridade passa ao largo de atender à coletividade. Pesquisa feita pela reportagem em escrituras no Cartório do 1º Ofício do Registro de Imóveis mostram que os terrenos do SIG, pertencem, em grande parte, aos patrimônios: da família de Pedro Camilo Valadares Gontijo, da Vagon Engenharia Civil; de Fernando Costa Gontijo, da Imperial Gold Participações Imobiliárias; de seis integrantes da família Skaf, proprietária da Soheste Empreendimentos Imobiliários; do empresário Paulo Octávio; do Correio Braziliense; e de Edson Elias Alves da Silva, proprietário da EEE Empreendimentos. Soma-se a esse núcleo de poderosos um pool de advogados que mantêm escritórios em prédios no SIG, como o Edifício Barão de Mauá, na Quadra 4.

O que diz o GDF

Embora a ampliação não contemple o surgimento de equipamentos públicos direcionados à população, como escolas ou centros de saúde, por exemplo, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), em nota, afirma que as mudanças visam ao benefício da coletividade. “O interesse público é na organização e no desenvolvimento da cidade e especificamente na adequada função social da propriedade, seja ela pública ou privada”, diz o texto.

Quanto à dispensa de cobrança da Outorga Onerosa de Direito de Construir, o governo mantém que ela não será cobrada sobre os terrenos, a não ser nos quatro lotes licitados pela Terracap. Conforme o GDF insiste, “não haverá alteração do coeficiente de aproveitamento”.

A proposta pública, no entanto, é clara: os interessados vão poder erguer um pavimento a mais e utilizar 100% do andar construído. “O que querem fazer no SIG é de uma irresponsabilidade absurda. E o pior, acham que ninguém está vendo”, resume o arquiteto Carlos Magalhães, outro expoente da memória urbanística de Brasília.

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