Gastos sem licitação da Secretaria de Saúde aumentam 42% na pandemia
Suposta fraude nessas despesas é alvo da Operação Falso Negativo, do MPDFT. Câmara Legislativa debate instalação de duas CPIs
atualizado
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Durante a pandemia do novo coronavírus, os gastos sem licitação da Secretaria de Saúde do Distrito Federal tiveram aumento de 42%. Segundo o Sistema Integrado de Gestão Governamental (Siggo), plataforma de fiscalização das despesas públicas no DF, entre janeiro e setembro de 2019 a pasta empenhou, sem licitar, R$ 480 milhões. Neste ano, o dispêndio com esse tipo de empenho saltou para R$ 685 milhões.
O aumento da dispensa de licitação coincide com as ações de enfrentamento à pandemia, necessárias para salvar vidas. Mas parte dos gastos é alvo de denúncias de corrupção.
Deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do MPDFT, a Operação Falso Negativo investiga suposto esquema de fraude na compra sem licitação de testes para detecção da Covid-19. A ofensiva prendeu a cúpula da Secretaria de Saúde e denunciou 15 pessoas à Justiça por indícios de participação nas fraudes. O esquema teria custado R$ 18 milhões aos cofres públicos locais.
R$ 240 milhões
Inicialmente, a Falso Negativo se debruçou sobre esses tipos de contratos firmados entre a Saúde e as empresas Biomega Medicina Diagnóstica e Luna Park Importação, Exportação e Comércio. Conforme o Siggo, com o primeiro fornecedor, a pasta empenhou neste ano R$ 29,8 milhões; ao segundo, foram destinados R$ 3,6 milhões. Em 2019, ambas as empresas não tiveram contratos com a Saúde do DF.
De acordo com as tabelas disponíveis no Siggo, em 2020, a pasta empenhou pelo menos R$ 240 milhões diretamente no combate à pandemia. A despesa está registrada na rubrica “Enfrentamento da Emergência Covid19” e responde a 35% dos gastos sem licitação deste ano.
Confira os números:
Na própria denúncia formalizada à Justiça, os investigadores do MPDFT advertem que, “mesmo no estado de pandemia”…, “persiste a necessidade de cumprimento das exigências do art. 26, parágrafo único, II e III da Lei nº 8.666/93 [Lei de Licitações], que determinam a instrução dos autos com (i) a razão da escolha do fornecedor ou executante; e (ii) a justificativa do preço”. Critérios que teriam sido ignorados por gestores e servidores da Saúde denunciados na Falso Negativo.
Confira:
LIMPE
Segundo o fundador da Organização Contas Abertas, Gil Castello Branco, a Lei nº 13.979, de 6 fevereiro de 2020, que disciplina os gastos públicos durante a pandemia, abre brecha até para a contratação de empresas inidôneas. “Mas não revoga os princípios do Artigo 37 da Constituição: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. Os concurseiros chamam [tais princípios] de ‘LIMPE'”, pontou.
“Têm sido levantadas várias irregularidades, não só pelos políticos. Vemos levantamentos do Ministério Público de Contas (MPC), do Tribunal de Contas do DF (TCDF) e do MPDFT. O secretário de Saúde foi preso. Diante dessa situação, os fatos justificam a realização de uma CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito]”, opinou Castello Branco.
O corpo técnico do MPC e TCDF, por exemplo, suspendeu repasse de R$ 8 milhões para compra de máscaras descartáveis no DF. Havia a suspeita de superfaturamento no contrato.
CPIs
O MPDFT também colocou em marcha a Operação Gotemburgo, para investigar desvios na Secretaria da Saúde entre os anos de 2009 e 2015. Ambas as ofensivas do Ministério Público deram força política para surgirem, na Câmara Legislativa do DF (CLDF), dois pedidos de apuração das denúncias.
O primeiro pede a instalação da CPI da Pandemia, justamente para investigar gastos suspeitos ao longo das ações de enfrentamento ao coronavírus. O segundo, protocolado nesse domingo (13/9), propõe a ampliação dos trabalhos para verificar contratos suspeitos firmados com fornecedores a partir de 2011, ainda em governos anteriores, com prejuízo estimado em R$ 123 milhões.
A pesquisa no Siggo que indica aumento de despesas sem licitação na Saúde neste ano foi produzida pelo deputado distrital Chico Vigilante (PT), como subsídios às apurações das denúncias que a CLDF venha a levar adiante. Para o parlamentar, é preciso verificar a legalidade de cada contrato.
O distrital considera natural o aumento de tais despesas, tendo em vista a pandemia, mas ressalta os fortes indícios de fraudes nos contratos firmados, o que justifica a abertura do colegiado, proposto inicialmente pelo deputado distrital Leandro Grass (Rede) e que já contou com adesões de maioria da CLDF. Nesse domingo (13/9), uma assinatura foi retirada: 12 signatários mantiveram apoio.
“Isso [o aumento das despesas] demonstra a necessidade de instalação da CPI Pandemia, para separar o joio do trigo, a ladroagem dos contratos feitos realmente para salvar vidas”, destaca Vigilante.
Outro lado
O Metrópoles entrou em contato com a Secretaria de Saúde para falar sobre a questão na quinta-feira (10/9), às 15h45. A pasta não havia se pronunciado até a última atualização desta reportagem. O espaço permanece aberto para eventuais manifestações.
Em nota, o escritório Carnelós e Garcia Advogados, que representa a empresa Biomega, ressalta que os representantes da companhia não foram ouvidos durante as investigações do MPDFT. Leia o texto na íntegra:
“A denúncia contra diretores e funcionários da empresa é ato açodado, assim como também foi a deflagração de medidas de buscas e decretação de sequestro. Os representantes da companhia não foram sequer ouvidos para explicar as distorções identificadas nas investigações.
A empresa participou de um processo licitatório com outras concorrentes e venceu pelo menor preço.
A companhia informa que é um laboratório de análises clínicas, e não uma distribuidora de testes. Também não vendeu kits para testagem, mas sim a prestação de serviços para análise e determinação de laudos de exames laboratoriais referentes à Covid-19.
Quanto aos insumos usados na prestação do serviço, esclarece que todos os testes utilizados nos serviços contratados pelo Governo do Distrito Federal têm aprovação da Anvisa.”
O Metrópoles busca contato com a defesa dos denunciados, e assim que obtiver retorno vai atualizar todas as reportagens publicadas sobre o caso.
Veja imagens da Operação Falso Negativo:
Foram denunciados pelo MPDFT:
- Francisco Araújo Filho, secretário de Saúde à época da operação: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Jorge Antônio Chamon Júnior, diretor do Laboratório Central (Lacen): foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Eduardo Seara Machado Pojo do Rego, ex-secretário adjunto de Gestão em Saúde: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Ricardo Tavares Mendes, ex-secretário adjunto de Assistência à Saúde: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Eduardo Hage Carmo, ex-subsecretário de Vigilância à Saúde: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Ramon Santana Lopes Azevedo, ex-assessor especial da Secretaria de Saúde: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Iohan Andrade Struck, ex-subsecretário de Administração Geral da Secretaria de Saúde do DF: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Emmanuel de Oliveira Carneiro, ex-diretor de Aquisições Especiais: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Erika Mesquita Teixeira, ex-gerente de Aquisições Especiais: foi denunciada por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Glen Edwin Raiwood Taves, empresário individual e dono da empresa Luna Park: foi denunciado por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
- Duraid Bazzi, representante informal da Luna Park: foi denunciado por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
- Mauro Alves Pereira Taves, sócio-administrador da Biomega: foi denunciado por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
- Eduardo Antônio Pires Cardoso, sócio-administrador da Biomega: foi denunciado por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
- Roberta Cheles de Andrade Veiga, funcionária da Biomega: foi denunciada por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
- Nicole Karsokas, funcionária da Biomega: foi denunciada por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
Cinco integrantes da cúpula da Saúde do DF chegaram a ser presos no dia em que foi deflagrada a Falso Negativo: Francisco Araújo, Ricardo Tavares, Eduardo Hage, Eduardo Pojo do Rego, Jorge Antônio Chamon e Ramon Santana (veja galeria de fotos abaixo).
Entre os crimes listados pelo MPDFT, estão os de organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
Logo após a operação, todos os alvos que integravam a cúpula da Secretaria de Saúde do DF foram afastados em edição extra do Diário Oficial do DF (DODF) do dia 25 de agosto.