Garis do DF com coronavírus denunciam pressão para não apresentar atestados
Segundo trabalhadores, supervisores e fiscais orientam categoria a não entrar em licença médica na pandemia, sob risco de demissão
atualizado
Compartilhar notícia
Garis que trabalham nas ruas do Distrito Federal temem perder 0 emprego durante a pandemia do novo coronavírus. Trabalhadores relataram ao Metrópoles estarem sendo pressionados por supervisores e fiscais a não apresentar atestado médico, sob risco de demissão.
Além disso, a reportagem também teve acesso ao registro de um gari lavando um carro do Serviço de Limpeza Urbana (SLU). O veículo pertence à frota do Governo do Distrito Federal (GDF), em Ceilândia, o que caracteriza desvio de atividade laboral.
Trabalhadores que pediram para ter a identidade preservada, por medo de represálias, revelaram ao Metrópoles que, nas últimas semanas, chefes dos Distritos de Limpeza (DL) de Samambaia, Taguatinga, Ceilândia, Brazlândia e Gama abordaram os profissionais nas ruas para orientar que eles não entrassem com as licenças médicas por nenhum motivo de doença.
“Devido à Covid-19, muitos garis estão adoecendo também por outros motivos e exaustão. Problemas físicos, esforço repetitivo, dor na coluna, entre outros. Eles alegam que há déficit de profissionais, pois há gente afastada com o coronavírus. A empresa vai aos locais de trabalho e pressiona os garis para não pegar atestado”, narrou um dos trabalhadores.
Ainda de acordo com o homem, nessa terça-feira (18/8), outro caso chocou os trabalhadores. “Pediram para um dos nossos lavar um carro no DL de Ceilândia. Isso não faz parte das nossas atribuições nem ao interesse e atendimento da população na execução dos serviços essenciais que estão no nosso contrato de trabalho”, denunciou.
Veja as imagens:
A situação também foi exposta por uma gari do Distrito de Limpeza do Gama, que atua na área há nove anos. Segundo relatou, colaboradores que prestam serviços de varrição nas ruas foram redirecionados para atuarem em “trabalhos diversos”.
“É ruim porque na varrição nós trabalhamos em dupla; nos diversos, ficamos aglomerados com vários outros. Isso já está ocorrendo há dois meses. Os ônibus que levam a gente para os locais de trabalho ficam abarrotados de trabalhadores. Não estão medindo os riscos [de contágio pela Covid-19] que passamos”, afirmou.
“Eu peguei Covid-19 e já estou bem. Os chefes diretos também orientam que não podemos dar atestados. Como somos a maioria, mulheres, o desgaste físico é enorme. A gente tem medo de comentar o que sente para não nos tirarem do nosso local de trabalho”, acrescentou.
Há cerca de duas semanas, garis foram convocados para uma reunião no Distrito de Limpeza de Samambaia. “Levaram uma turma para uma sala e falaram para não se ausentarem porque vão mandar embora por motivos de afastamento. Um senhor travou a coluna e estava com atestado de cinco dias. Com dois dias, ele voltou para o quadro por medo de perder o emprego”, disse outra mulher.
O Sindicato dos Trabalhadores de Limpeza Urbana (Sindlurb) ressaltou que, desde o início da pandemia, está acompanhando todas as ações das empresas quanto ao afastamento das pessoas do grupo de risco e liberação imediata dos infectados pela Covid-19. A ação tem por objetivo impedir que os garis sofram qualquer tipo de retaliação. “Diariamente, temos diretores do sindicato que visitam as bases para receber as demandas da categoria”, informou a entidade, por meio de nota.
O Sindlurb esclareceu ainda que a categoria sofreu uma grande perda desde o processo de transição das empresas, em outubro de 2019, quando ocorreu demissão em massa. “O GDF prometeu a recontratação de 400 funcionários, mas, até a presente data, isso não ocorreu”, observou o sindicato.
Outro lado
Os contratos de limpeza do DF estão divididos entre as empresas Sustentare, Valor Ambiental e Consita, cujo nome mudou recentemente para Suma Brasil. Os garis ouvidos pelo Metrópoles afirmam trabalhar na Sustentare e Suma Brasil.
Uma reportagem publicada pelo site mostrou que o DF tinha 171 garis com Covid-19 e 167 demitidos em julho. A categoria temia sobrecarga de trabalho.
O Serviço de Limpeza Urbana (SLU) afirmou que decisões de contratação, demissão e treinamento dos trabalhadores da limpeza urbana são de responsabilidade das empresas que prestam serviço para o órgão. Portanto, os servidores do SLU não têm poder de demissão e sim de fiscalização da prestação dos serviços.
Quanto à lavagem do veículo pelo pessoal contratado, o SLU apurou que foi um caso isolado, visto que o contrato de locação da frota prevê a lavagem de veículos, não sendo necessário outros encaminhamentos para manter a limpeza dos mesmos.
“A gerente de limpeza responsável pela região Oeste, que atende Samambaia, Ceilândia, Taguatinga e Brazlândia, terá uma reunião com os chefes de núcleo para que esse incidente em Ceilândia sirva de exemplo para os demais e que erros como esse não se repitam”, comentou o órgão.
Segundo a Sustentare Saneamento, os colaboradores que atuam na operação são orientados sobre a forma de execução dos serviços e quanto ao atendimento da fiscalização, não havendo margem para desvios de função ou imposição de qualquer regime diferenciado. Ainda de acordo com a empresa, todas as normas trabalhistas são respeitadas, principalmente quanto às condições de trabalho e direitos de afastamento dos colaboradores eventualmente doentes.
A empresa disse ainda não ter conhecimento de quaisquer desvios de atividades de seus colaboradores, sendo que a imagem informada do gari lavando um veículo será alvo de procedimento interno para a apuração dos fatos.
A Suma Brasil ressaltou desconhecer as informações e esclareceu que todos os atestados médicos estão sendo acolhidos e acompanhados. “Comunicamos também que seguimos adotando todas as orientações em relação à prevenção da Covid-19, mantendo a jornada de trabalho estabelecida em contrato”, finalizou.