Fora de combate: DF tem 142 médicos e enfermeiros com coronavírus
Expostos diariamente à doença, número de profissionais contaminados assusta. Em um só dia, quantidade de médicos infectados subiu 40%
atualizado
Compartilhar notícia
A guerra contra o coronavírus tem sido severa para profissionais da saúde. Na linha de frente do combate à doença, médicos, enfermeiros e técnicos do Distrito Federal estão, a cada dia mais, passando da condição de cuidadores para pacientes.
Segundo o Conselho Regional de Enfermagem do DF (Coren-DF), nos últimos 15 dias, o número de enfermeiros doentes triplicou na capital: saltou de 7 para 24 nas redes pública e particular.
O Conselho Regional de Medicina do DF (CRM-DF) também contabiliza dados preocupantes. Em apenas 24 horas – de quinta-feira (30/04) a sexta (01/05) –, o índice de clínicos, cirurgiões, pediatras, cardiologistas e outros diagnosticados com a Covid-19 passou de 10 para 14, configurando um aumento de 40%.
Conforme balanço do GDF, do total de 1.567 pessoas infectadas na cidade, 142 são profissionais da saúde.
O Metrópoles ouviu o relato de uma enfermeira da rede pública contaminada pela Covid-19. Ela pediu para ter o nome preservado, mas aceitou compartilhar sua história de vida.
“Trabalho na linha de frente e tive contato com pacientes. Fui assintomática no começo e fiquei surpresa na hora que soube do resultado. Tive muito medo”, contou.
Após alguns dias, já afastada do trabalho, ela começou a apresentar piora no quadro. “Tive tosse e falta de ar. Foi o dia mais angustiante. Fiquei com medo de precisar ser internada. Foi assustador”, desabafou.
Curado
O médico Lucas Valente, 29, é anestesista e também venceu a doença, mas lembra não ter sido fácil. Em 5 de abril, ele apresentou febre. No dia seguinte, fez o teste.
“Foi bem assustador. Me ligaram dizendo que minha carga viral estava alta para coronavírus. Confesso que tive medo de evoluir para a forma grave da doença”, revelou.
No quinto dia de isolamento, Valente perdeu o olfato. Os dias passaram a ser tensos. No oitavo, sentiu dor leve no peito. “O medo era evoluir para pneumonia”, lembrou. Após o período mais crítico, a doença finalmente começou a regredir. “Me curei e voltei a trabalhar em 27 de abril”, comemorou.
Exposição
Para o presidente do Coren-DF, Marcos Wesley, o aumento acelerado de casos no DF é preocupante. Ele lembra que, por coincidência, 2020 foi o ano escolhido para a valorização da enfermagem no mundo, com atos previstos durante todo o mês de maio.
Segundo a instituição, os profissionais estão expostos porque trabalham com equipamentos de proteção individual (EPIs) de baixa qualidade e com sobrecarga horária de trabalho. “Por conta dos baixos salários, têm dois empregos e se expõem ainda mais”, completou.
“A taxa é reflexo do momento e um sinal de alerta para não continuarmos afrouxando o isolamento social. Se relaxarmos mais, vai ocorrer uma explosão de casos, inclusive em quem tem o dever de cuidar”, disse.
Protesto pacífico
Nessa sexta-feira (01/05), enfermeiros fizeram um protesto pacífico em frente ao Palácio do Planalto. Uma das associações que participou foi o Sindicato dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem do DF (Sindate-DF).
No entanto houve bate boca com apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Um homem vestido com camiseta verde e amarela chegou a ameaçar uma mulher vestida de jaleco branco que estava imóvel com uma cruz na mão. Muito exaltado, ele xingou a manifestante e precisou ser contido.
55 mortos
O levantamento local faz parte do mapeamento constante feito pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen). Em todo o Brasil, já são 8.928 enfermeiros contaminados. Desse total, 55 morreram. No DF, dois profissionais perderam a vida.
O enfermeiro Geovani Comochena, de 37 anos, morreu em 5 de abril. O jovem profissional trabalhou no Abrigo dos Excepcionais de Ceilândia. A primeira vítima do coronavírus no DF foi a também enfermeira Viviane Rocha de Luiz, 61 anos.
A presidente do Sindicato dos Enfermeiros do DF, Dayse Amarilio, compartilha da preocupação do Coren-DF. “Nós estamos na linha de frente e estamos adoecendo. É extremamente preocupante”, afirmou.
Subnotificação
O presidente do CRM-DF, Farid Buitrago, destacou que o levantamento da entidade é parcial. O total de médicos contaminados pode ser ainda maior. A subnotificação prejudica o combate à doença, pois priva os gestores de elementos para a melhor tomada de decisão.
“O aumento do número de médicos contaminados é o indicativo indireto do uso incorreto de EPIs ou da falta desses itens”, declarou.
Protocolo
De acordo com a presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde (SindSaúde-DF), Marli Rodrigues, as queixas dos servidores têm sido frequentes.
“Falta o protocolo do Ministério da Saúde para assistir, recuperar e devolver para o trabalho esses profissionais. É preciso testar o funcionário e a família”, aconselhou.
“Precisamos de uma política de Estado de cuidado com quem cuida. Protegendo quem cuida, garantimos atendimento à população”, resumiu.
O que diz a Secretaria de Saúde
A Secretaria de Saúde frisou que recomenda aos servidores que sigam as orientações do Plano de Contingência criado para o combate ao coronavírus. A pasta também orienta os profissionais a respeitarem os protocolos de segurança.
“Além disso, não há falta de equipamentos de proteção individual em nenhuma das unidades de saúde da rede pública. A pasta segue orientação da OMS para uso racional, pois, diante da pandemia, há dificuldade de compra desses itens em todo o mundo”, explicou a secretaria em nota enviada ao Metrópoles.
Segundo a pasta, a distribuição de EPIs deixou de ser mensal e passou a ocorrer em caráter semanal. Para a secretaria, o modelo afiança o controle dos estoques, reduz o risco de desabastecimento e promove o uso racional.
De acordo com o GDF, várias atividades são desenvolvidas para preservar a saúde dos servidores, indo desde o treinamento até o acompanhamento psicológico.