Flona e Parque Nacional de Brasília vão a leilão. Entenda o que muda
Concessão prevê investimentos no uso público, ou seja, na visitação e no ecoturismo. Água Mineral, por exemplo, sofrerá mudanças
atualizado
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O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aumentará a carteira de projetos de concessão de reservas florestais e parques naturais. Entre as áreas que terão serviços cedidos à iniciativa privada, constam a Floresta Nacional de Brasília (Flona) e o Parque Nacional de Brasília.
Atualmente, a carteira de concessões do BNDES conta com 32 florestas (14,5 milhões de hectares) e 46 parques (3,3 milhões de hectares). O número considera as transações que o banco possui mandato para estruturar.
Até o momento, já foram realizados leilões de cinco parques (Iguaçu, no Paraná; Caracol, Tainhas e Turvo, no Rio Grande do Sul; e Conduru, na Bahia). A expectativa é que os primeiros leilões de florestas da carteira do banco sejam realizados no primeiro trimestre de 2023.
Visitação e ecoturismo
No caso da Flona e do Parque Nacional de Brasília, os processos ainda estão na fase de modelagem, especificamente na elaboração dos estudos técnicos. Posteriormente, será realizada audiência pública e, em seguida, a abertura do edital. Ainda não há prazo para conclusão desses estudos, de acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
A concessão prevê investimentos no uso público, ou seja, na visitação e no ecoturismo. Os requerimentos variam conforme o edital, mas podem incluir alterações no receptivo de pessoal (bilheterias, automatização de bilhetes), na acessibilidade (transporte, obras de infraestrutura, manejo das trilhas); disponibilização de ônibus, restaurante, aluguel de bicicleta, lanchonetes, lojas de souvenir.
Atualmente, o valor do ingresso pago pelo visitante é depositado na conta do Tesouro Nacional. O montante, porém, não está vinculado ao orçamento do ICMBio. Com a mudança, a concessionária repassará uma parte dos lucros para a unidade, que ficará com os investimentos mesmo após o encerramento do contrato. Enquanto isso, o instituto gerencia o cumprimento do acordo firmado e realiza tarefas como monitoramento da biodiversidade, proteção, fiscalização e regularização fundiária.
Em nota, a entidade destaca que “o processo de concessão impacta positivamente o turismo, tendo em vista as melhorias estruturais para a visitação”. “Tudo isso acarreta um receptivo mais estruturado, com acessibilidade a públicos mais diversos e despertando no visitante a vontade de voltar, pois encontrará locais com mais estrutura e conforto”, argumenta o órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.
Uma área bastante conhecida no Parque Nacional de Brasília é a Água Mineral. Atualmente, o brasiliense paga R$ 16 por dia para entrar no local e usar o espaço, com trilhas e piscinas. Antes da pandemia de Covid-19, o local contava com quiosques de alimentação. No entanto, o contrato chegou ao fim, e as lanchonetes estão sem funcionar desde 2020. Com a concessão, esses são aspectos que podem mudar.
Veja imagens da Água Mineral:
Qual é o papel do BNDES?
O diretor de Concessões e Privatizações do BNDES, Fábio Abrahão, anunciou a ampliação da carteira de concessões na segunda-feira (14/11), durante a COP-27, no Egito. Na ocasião, Abrahão informou que o banco foi contratado para estruturar a concessão de parcela da Floresta Estadual do Amapá (FLOTA/AP). Considerando a área total a ser estruturada da FLOTA/AP (585 mil hectares) e as dos projetos de parques e florestas sob mandato do BNDES, esses ativos chegam 17,8 milhões de hectares, extensão equivalente a quase duas vezes o tamanho de Portugal.
A concessão florestal é uma modalidade de gestão desses territórios públicos, que permite a delegação a pessoas jurídicas selecionadas por licitação. O contrato prevê a realização do manejo florestal sustentável, de modo a permitir a exploração do potencial econômico das áreas, ao mesmo tempo em que promove sua conservação.
A titularidade da terra permanece pública, sob gestão do governo, durante todo o período do contrato. Os concessionários pagam ao Estado quantias que variam em função da produção florestal decorrente das atividades de manejo e demais serviços explorados, e do preço ofertado no processo de concorrência pública.
O BNDES selecionará o responsável pela realização dos estudos técnicos necessários à estruturação do projeto e supervisionará o trabalho até a realização dos leilões.
Como funcionará o processo
O leilão é uma das etapas do processo de concessão. O ICMBio ressalta que não se trata de privatização, ou seja, a unidade não será gerida pela concessionária. A Floresta e o Parque continuam a ser geridos pelo instituto.
Em nota, o ICMBio explica que, em “uma unidade de conservação, existem muitos processos (fiscalização, fogo, gestão socioambiental, pesquisa, monitoramento da biodiversidade etc.), sendo a visitação só mais um desses processos”.
“A concessionária atua apenas na parte de prestação de serviços, não tendo qualquer poder de decisão sobre a unidade; por exemplo, não pode autuar alguém que cometa um crime ambiental na unidade. Neste caso, o ICMBio terá mais condições de se dedicar aos outros processos que uma unidade de conservação demanda e que só podem ser exercidos pelo Poder Público”, informa o órgão.
Após o lançamento do edital, as empresas fazem suas propostas de concessão, nas quais apresentam os valores a serem investidos durante o contrato. O leilão propriamente dito ocorre quando os envelopes com as propostas são abertos, para análise de melhor preço.
Prós e contras
Segundo Júnia Lara, diretora da Associação dos Amigos do Parque Nacional de Brasília, a medida proposta preocupa a entidade, que teme impactos na preservação da fauna e flora do espaço.
“O processo já vem sendo discutido desde 2015. Ainda naquela época, entramos com ação e nos manifestamos contra a proposta, porque o edital não fornecia garantias ambientais. Se for para melhorar o atendimento ao público, ok. Mas é preciso garantir o uso da comunidade junto dos cuidados ambientais. E ponderamos se a empresa vencedora terá responsabilidade ambiental”, ressalta Júnia.
Na avaliação do professor de ecologia Bráulio Ferreira de Souza Dias, do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB), contar com investimentos privados para melhorar os espaços pode ser positivo para aumentar a visitação e o ecoturismo. O mais importante, porém, é que o principal objetivo das unidades – a conservação do ecossistema – não seja esquecido.
O doutor pela Universidade de Edimburgo, na Escócia, pontua que o Brasil ainda tem uma taxa relativamente baixa de visitação em unidades de conservação. “Infelizmente, o orçamento do ICMBio vem sendo reduzido; então, leilões são uma opção. Já temos o exemplo do Parque Nacional do Iguaçu, em que foi feita a concessão e houve melhoria e mais visitação. Teve muito sucesso”, comenta.
Bráulio diz que a maioria dos especialistas concorda com processos de concessão. Isso porque não se trata de privatizar as unidades, mas apenas as atividades de uso público.
“Apesar disso, temos algumas preocupações. O governo atual diminuiu muito o orçamento do ICMBio e não fez concursos para contratação de novos técnicos. Nos últimos anos, o ICMBio sofreu redução do quadro técnico. Então, faz sentido realizar concessão enquanto o governo reduz as condições do instituto? Não seria melhor esperar por melhoria no orçamento e por um novo concurso para fazer concessões? Porque é preciso que o ICMBio tenha um quadro técnico bem estruturado para fiscalizar tais serviços (que passarão para a iniciativa privada)”, destaca o professor.
Em relação à Flona de Brasília, o professor de ecologia diz que, uma vez que o tamanho da floresta será reduzido, uma série de áreas de visitação ficarão de fora da unidade. “Existe uma pressão da sociedade civil para que haja uma solução para conservar áreas retiradas da Flona. Então, ao se fazer a concessão, seria necessário que o ICMBio corrigisse o problema de retirada de floresta da Flona, o que tem que ser feito mediante instrumento legal”, acrescenta.
O especialista comenta ainda que o Parque Nacional de Brasília é a maior área de proteção do DF, com 423,6 km2. É a principal área no DF que assegura a conservação de espécies ameaçadas de extinção, como onça-pintada, onça-parda, anta, logo-guará.
“Muitos visitantes vão à Água Mineral tomar sol, nadar, mas tem gente que nem sabe que está dentro de um parque nacional. Então, de fato, é importante melhorar a estrutura de visitação. Porém, o que nos preocupa é se o plano de concessão estará baseado em um novo plano de manejo em que a empresa vencedora promove atividades em áreas do parque conservadas e protegidas, comprometendo a conservação de fauna e flora.”
“Eu sou ou favorável à visitação, até para a sociedade conhecer o local, conscientizar-se e apoiar a conservação. Mas isso não pode comprometer o principal objetivo das unidades de conservação, que é conservar o ecossistema”, conclui o professor.