Filho roubado da mãe há 38 anos chega a Brasília: “Emocionado”
Ricardo Santos Araújo foi tirado dos braços de Sueli Silva em fevereiro de 1981, na saída do Hospital Regional do Gama
atualizado
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Trinta e oito anos após ter sido levado dos braços da mãe na saída do Hospital Regional do Gama (HRG), Ricardo Santos Araújo voltou à terra natal nesta terça-feira (07/05/2019). Ele e a mãe, Sueli Silva, de 56 anos, passaram a última semana na Paraíba, estado onde Ricardo foi criado.
Cercado de mimos e carinho em sua casa, na capital paraibana, Ricardo apresentou à mãe os três netos: uma menina e dois meninos, de 10, 9 e 7 anos. Agora, é a vez de ele conhecer os parentes que moram na capital. O caso do rapto que teve final feliz após anos de investigação foi revelado pelo Metrópoles em 25/04/2019.
O voo chegou no Aeroporto Internacional de Brasília por volta das 20h desta terça, e ambos disseram estar muito emocionados. No desembarque, Sueli e Ricardo se declararam gratos pelo presente que receberam. “Seis meses atrás, eu perdi a minha mãe, que me criou e me deu educação. Mas, depois disso tudo, Deus me mandou de volta a minha mãe biológica. Eu sou muito grato por tê-la encontrado”, disse.
Sueli também disse estar em êxtase não só por reencontrar o filho, mas também por conhecer os netos. “Todo mundo lá me recebeu muito bem. Minha netinha já me falou: ‘Vovó, eu te amo’. Isso é uma coisa que me emocionou muito”, disse. “A gente conversou muito lá, eu queria saber de tudo: dos acertos, dos erros dele. Conversamos muito, foi uma semana que parece ter durado minutos.”
Este domingo (12/05/2019) será o primeiro Dia das Mães que Sueli passará com o primogênito. No primeiro contato, ainda em 25 de abril, por meio de uma videoconferência, ela pediu para que Ricardo chegasse mais perto da câmera e disse que os olhos dele eram iguais aos dela.
Dias depois, os dois se reencontraram em João Pessoa. Agora, o retorno às origens, no Distrito Federal, reforça a relação entre mãe e filho. Ela já programa uma grande festa de Dia das Mães, reunindo toda a família em Arniqueiras, onde mora. “Vai ser o melhor Dia das Mães da minha vida”, afirma, emocionada.
Veja fotos de Ricardo ao chegar no DF:
Investigações
Ricardo foi roubado dos braços de Sueli quando ela ainda era uma adolescente, em fevereiro de 1981, logo após sair do Hospital Regional do Gama (HRG), onde deu à luz. O nome dele seria Luís Miguel, mas os pais adotivos o chamaram de Ricardo. As investigações duraram seis anos. Em 24 de abril, após a confirmação de um exame de DNA, foi concluído que Ricardo era o bebê roubado.
Para solucionar o caso quase quatro décadas depois, os policiais tiveram que mergulhar na história de Sueli, conhecer os personagens que fizeram parte da vida dela, adotar técnicas diferenciadas de investigação, ter criatividade e, principalmente, persistência.
Na época, documentos não eram digitalizados, e alguns envolvidos já haviam falecido ou se mudado do Distrito Federal, lembrou o delegado responsável pelo inquérito, Murilo de Oliveira Freitas.
“Encontramos salas inteiras abarrotadas de documentos. O prontuário de Sueli não foi localizado, desapareceu. Muitas vezes, não sabíamos o que procurar. Não tínhamos o nome em que a criança foi registrada ou até mesmo se a data de nascimento nessa certidão estaria correta”, explicou o delegado Murilo Freitas.
Infância difícil e gravidez
Aos 9 anos, órfã de mãe e abandonada pelo pai, Sueli e os quatro irmãos (três meninas e um garoto) foram levados pelo avô a um orfanato em Corumbá de Goiás (GO), cidade a 125 quilômetros de Brasília.
Sueli conta que aos 13 anos teria sido estuprada pelo filho da administradora da instituição. A violência sexual ocorreu outras vezes. Ela tentou se matar ingerindo veneno para formiga. Pediu ajuda à mulher, que ignorou os abusos que a adolescente sofria.
Acabou grávida e enviada a Brasília para morar com um casal conhecido da dona do orfanato. Ficou no local até o nascimento da filha Juliana, registrada apenas sob o nome da mãe.
As duas permaneceram na capital. Sem ter a quem recorrer, Sueli disse que continuou a trabalhar para a dona do orfanato, que também seria proprietária de uma escola infantil no Guará. Mãe e filha continuaram a morar com o mesmo casal.
Em maio de 1980, Sueli conheceu um policial militar com que manteve um breve relacionamento. Na época, o homem estava de partida para o Canadá e não teria ficado sabendo que a namorada havia engravidado. “Foi tudo muito rápido. Tivemos um relacionamento de cerca de três meses. Não sabia mais como encontrá-lo, mas tinha certeza que queria ter e cuidar do meu filho”, disse Sueli.
De acordo com ela, a dona do orfanato não teria acreditado na história. Achava que a criança seria fruto de uma nova investida do filho dela. Por isso, teria ordenado ao casal que mantivesse Sueli trancada em casa até que o bebê nascesse. Em 9 de fevereiro de 1981, o bebê veio ao mundo, no Hospital Regional do Gama.
Filho levado
Quando saiu da maternidade, disse que teria sido recebida pelo casal com o qual morava e uma mulher que tinha um lenço amarrado na cabeça. Pediram que ela fosse ao orelhão, ligar para a dona do orfanato. A conversa não foi nada amistosa: “Ela disse que eu devia entregar meu filho para adoção, já que não tinha condições de criá-lo. Caso contrário, ia mandar os meus irmãos para um abrigo de menores infratores”.
“Implorei, supliquei, mas ela não me deixava falar, bateu o telefone, e, quando voltei em direção ao carro, em prantos, meu filho já não estava lá. A mulher que usava lenço no cabelo também desapareceu”, lembrou.
Fragilizada, ela permaneceu trabalhando e morando no mesmo local, ainda sob influência da dona do orfanato, por mais de 20 anos. Nesse período, Sueli se casou, teve outro filho, perdeu a filha mais velha após um choque anafilático e só conseguiu independência financeira em 2004, quando foi aprovada em um concurso público no Governo do Distrito Federal.
Revelação
Apenas em 2012, entretanto, ela se sentiu livre para procurar o filho. Naquele ano, a dona do orfanato morreu. Antes, muito debilitada, teria feito uma revelação a uma das irmãs de Sueli: o médico que fez o pré-natal poderia saber do paradeiro do bebê desaparecido. Na época, ela até conseguiu localizar o profissional. Questionado sobre o caso, porém, ele negou qualquer participação no sumiço do menor.
Com apenas o cartão do registro na maternidade do HRG e as poucas lembranças do filho, Sueli pensava em como ele estaria, a altura a que haveria chegado, do que gostava ou se um dia poderia tocá-lo e ouvir a voz dele.
Em todo esse tempo, a única informação que podia ajudá-la nas buscas era a de que o bebê havia nascido com uma uma anomalia chamada de sindactilia, quando dois dedos dos pés ou das mãos são grudados.
Ao Metrópoles, ela detalhou que, por muitos anos, foi convencida de que o bebê havia morrido. “A dona do orfanato em que cresci me dizia para eu parar de procurá-lo, pois provavelmente ele já estava morto. Mas sentia que não era verdade. Sabia que ele estava vivo. Orava todos os dias pela vida dele”, afirmou, emocionada.
Em 30 de julho de 2013, ela escreveu, à mão, uma carta enviada à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (MPF). No texto, Sueli explica o motivo de só procurar as autoridades após mais de 30 anos dos fatos: “Passei muito tempo paralisada em pequenos trilhos, acreditando que, mesmo impotente, deveria ter feito algo no dia. Gritar, pedir socorro. Acredito que a Justiça teria me ouvido. Mas estou certa de que vou encontrar meu filho, covardemente tirado de mim”.
No documento, ela escreveu em detalhes toda a sua história desde 1972. E, finalmente, foi ouvida. A denúncia deu origem a um inquérito instaurado no mesmo ano, na 14ª Delegacia de Polícia (Gama). Com base no relato, os policiais iniciaram uma investigação complexa, que mudaria não só a vida de Sueli, mas a do filho e a da equipe envolvida nas diligências.
“O que nos motivou durante todos esses anos foi a possibilidade de propiciar um encontro. Os crimes que teriam ocorrido eram graves. Porém, muitos estavam prescritos. Nosso propulsor foi promover esse reencontro de Sueli com um pedaço de si mesma. Foi impossível não nos sensibilizarmos com a história. Instigou, até o fim, o mais cético dos investigadores.”
Com a dona do orfanato morta, os investigadores não tinham muitas pistas para iniciar a apuração. Procuraram o casal com o qual Sueli morou por muitos anos. Com idade avançada, eles não cooperaram muito. Inúmeras buscas foram feitas no arquivo do HRG e em cartórios da cidade.
No ano passado, o médico responsável pelo parto foi ouvido pela Polícia Civil. Voltou a dizer que não tinha envolvimento e não se recordava bem do caso. Mas a mulher dele se lembrou de uma informação que foi fundamental para a conclusão da investigação. Disse que o porteiro do prédio em que eles moravam na época, na 103 Sul, conhecia a dona do orfanato em que Sueli residiu. Segundo a mulher, ele poderia ter pego e cuidado da criança.
Também disse aos investigadores o nome da mulher do porteiro e informou que ela teria sido professora em uma escola no Gama. “O que parecia ser uma boa pista nos colocou novamente diante de novas dificuldades. Não existia qualquer registro de funcionários no prédio referente aos anos de 1980 e 1983. O nome dado pelo médico estava incorreto”, explicou o delegado.
Os policiais recorreram à Secretaria de Educação, em busca de algum dado que os pudesse levar até a professora. Mas, sem o nome completo da docente, as buscas foram frustradas. “Ninguém sabia se ela trabalhava em escola particular ou pública. Nesse momento, não tínhamos nem a certeza de que essa professora, de fato, existiu”, ressaltou o policial.
Postagem no Instagram
No final de 2018, entretanto, uma publicação no Instagram deu novo gás à investigação. Tratava-se de um texto de protesto, em que familiares de uma mulher cobravam esclarecimentos sobre a morte dela, na cidade de Arara, na Paraíba. O nome batia com o que fora informado pela esposa do médico. Era a companheira do porteiro.
Com a nova pista, as investigações foram concentradas no cartório do município paraibano. Após apurações, os policiais encontraram a família do casal. Descobriram que eles tiveram dois filhos. Um deles, Ricardo Santos Araújo, com 38 anos. Os policiais apuraram, ainda, que a família residia em Brasília em 1981, data do parto.
Segundo os policiais, Ricardo e a irmã sabiam que eram adotados, mas não tinham conhecimento sobre suas mães biológicas. Acreditavam que tinham sido colocados de forma voluntária para adoção. Com fortes indícios de que Ricardo seria o bebê sequestrado na porta do Hospital Regional do Gama, entrevistaram-no por telefone.
“Foi uma ligação difícil. Era necessário uma sensibilidade ímpar. A princípio, ele não se mostrou fechado à possibilidade de a mãe biológica o procurar. Mas disse que não tinha interesse na história. Quatro dias depois, eu retornei e ele estava diferente. Afirmou que não conseguia dormir e queria entender o que aconteceu. Também confirmou que nasceu com sindactilia e operou ainda criança”, lembrou o delegado.