Filho de peão em fazenda, juiz do DF dormia em escola para não perder aula
Fábio Esteves relembra as dificuldades que passou durante a infância e a luta dos pais fazendeiros para prover a educação aos filhos
atualizado
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Foi árduo o caminho até que Fábio Esteves (foto em destaque), 39 anos, assumisse o cargo de juiz titular do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Nascido em Mato Grosso do Sul, o filho de trabalhador rural e empregada doméstica não imaginava que escolheria sua carreira a partir de texto escrito em um manual de profissões. Mas ele sabia que não bastaria apenas vontade para se tornar magistrado: era preciso dedicação e muita luta.
Esteves, que preside a Associação dos Magistrados do Distrito Federal e Territórios (Amagis-DF), foi criado por pais que não tiveram acesso a educação, mas, mesmo assim, reconheciam a importância do ensino para a formação dos filhos. O pai, José Francisco Esteves, era analfabeto. A mãe, Rosa Vilma Esteves, só cursou até o 5º ano.
Nascidos e criados no nordeste de Minas Gerais, José e Rosa sofreram com a falta de oportunidades de emprego na região e rumaram para Mato Grosso do Sul, onde, no interior, encontraram trabalho e abrigo em uma fazenda. O local, no entanto, não oferecia estrutura aos filhos. “Não tinha colégio nas proximidades. A fazenda ficava muito no interior. Meu pai precisou ir até o prefeito para pedir a criação de uma escola rural.”
O pedido foi atendido e a escola rural, construída. Mas as dificuldades não acabaram. Fábio Esteves ingressou na unidade educacional apenas aos 7 anos e era um dos vários alunos da turma multisseriada do colégio. “Era uma professora dando aula para vários alunos, não tinha bem uma divisão. Fui alfabetizado aos 8 anos. Precisava ir para a escola a cavalo, de trator ou quando a professora podia me dar uma carona.”
Em decorrência da distância entre a fazenda onde seus pais trabalhavam e o colégio rural e da dificuldade de locomoção, Fábio e os irmãos se viram obrigados a residir dentro da própria escola para não faltarem às aulas.
“A gente morava dentro do colégio mesmo, na sala de aula. Era muito longe para meu pai nos levar todo dia, então ele implorou para que a professora cuidasse de nós, tudo para não perdermos nada. Quando a aula acabava, era arrumar o local e se preparar para dormir”, relembra Fábio.
O cenário mudou em 1991, quando precisaram se mudar para a cidade de Chapadão do Sul (MS). No município, que atualmente tem cerca de 23 mil habitantes, um episódio dificultou ainda mais a vida de Fábio e da família: o falecimento de seu pai. “Fomos para lá morar em um barraco. Quando ele morreu, minha mãe teve que virar empregada doméstica e eu precisei ir atrás de um emprego. Fui aprovado e ingressei em um programa de assistência a jovens carentes do Banco do Brasil. Com minha remuneração, ajudava em casa”, conta Fábio.
Com o salário de empregada doméstica da mãe e os dois terços de salário mínimo que Fábio recebia do programa, os dois proviam o sustento da casa. “Continuei estudando, mesmo com o trabalho. Estudava na escola pública de lá e aos 15 anos, perto de ingressar no ensino médio, decidi o que queria fazer da vida”, conta.
Foi em um texto disponibilizado no manual de profissões do colégio que Fábio viu o que gostaria de se tornar: juiz de direito. Após concluir o ensino médio, prestou vestibular na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Na instituição, formou-se bacharel em direito e passou a traçar os novos planos.
Esteves planejava ir para São Paulo em busca de emprego, mas enxergou na capital federal mais oportunidades. “Cheguei a Brasília em 2003 e comecei, então, a me preparar para o concurso de juiz. Meu planejamento era de que conseguisse ocupar o cargo em 2010, mas consegui antecipar esse sonho”, disse.
No DF, Fábio Esteves participou de cursos ministrados na Escola de Magistratura e conseguiu, em 2006, a aprovação no certame para ocupar o cargo de juiz titular do TJDFT, no fórum do Núcleo Bandeirante – posição que ocupa até hoje. O hoje magistrado conta que teve como suas professoras mais influentes a juíza aposentada do TJDFT Carla Patrícia e a juíza Marília de Ávila Sampaio, titular do 6º Juizado Especial Cível de Brasília.
Atualmente, as duas são sócias-fundadoras do Instituto Avançado de Direito (IAD), onde administram desde aulas preparatórias para cursos de reciclagem para cerca de 500 alunos nas modalidades presencial e a distância. “Sou muito grato a elas. Tudo devido ao trabalho e à metodologia diferenciada que elas usavam em suas aulas. Graças às aulas delas, pude encurtar meu projeto e chegar antes ao cargo”, afirma Fábio Esteves.
Com o objetivo de contribuir para que histórias como as de Fábio Esteves se repitam, Carla e Marília decidiram trazer um projeto motivacional aberto ao público. Da ideia, surgiu o Construindo Sonhos: a Poesia que Transforma, evento que conta com o palestrante convidado Bráulio Bessa, conhecido nacionalmente por suas poesias recitadas em rede nacional no programa Encontro com Fátima Bernardes, da Rede Globo.
“As histórias de Fábio e de Bráulio, além de muito bonitas, têm muito em comum. Estamos falando de pessoas que não tinham muitas condições, moravam no interior e sonhavam alto. E foi justamente do sonho e por ele que conseguiram alcançar seus objetivos. É nossa proposta com o evento, construí-los”
Carla Patrícia, sócia-fundadora do IAD
Foi justamente na poesia de Bráulio que as sócias moldaram a ideia do evento. O artista procura usar sua história como motivação para os alunos do curso. “Sempre persegui meu sonho, que foi lançar um livro. Tenho certeza de que os estudantes também têm sonhos e acredito que talvez eu possa dar aquele estalo que de repente eles precisam”, explicou o poeta ao Metrópoles.
O Construindo Sonhos: a Poesia que Transforma ocorre nesta quarta-feira (26/06/2019), às 20h, no centro de eventos do Complexo Brasil 21, na Asa Sul. Interessados em participar da palestra podem adquirir os ingressos por meio deste link. As inscrições são pagas e abertas ao público em geral.