Filho conhece o pai após 20 anos e o convence a enfrentar o crack
Militar foi da euforia à frustração ao localizar o pai e saber que ele era viciado em droga. Em decisão radical, fez o homem aceitar ajuda
atualizado
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No braço direito, Orlandino Ferreira Roque exibe seu amor pela família. Orgulhoso, o vigilante de 44 anos mostra as tatuagens com os nomes dos quatro filhos. Ao olhar a mais recente delas, fecha os olhos e mergulha em um passado de dor e sofrimento. Ao abri-los, bate com firmeza onde está escrito “Leonardo” e sentencia: “Ele salvou a minha vida”.
Leonardo Ferreira Roque, 24, é primogênito de Orlandino. Mas os dois só se conheceram há pouco mais de três anos, quando o jovem soldado do Exército Brasileiro iniciou uma saga para localizar o pai.
O militar é fruto de um relacionamento relâmpago entre Orlandino e a mãe de Leonardo. Durante 20 anos, o vigilante ficou sem saber que tinha esse filho. O esperado encontro ocorreu após duas décadas, e finalmente o soldado pôde retirar da Carteira de Identidade a incômoda frase: “paternidade não declarada”.
Embora feliz de ter posto fim à angústia de anos, Leonardo começou a perceber algo de errado com o vigilante. Durante um almoço de família, a esposa de Orlandino revelou ao rapaz: o marido era viciado em crack e cocaína. Leonardo recebeu a notícia como um soco no estômago, mas entendeu que deveria ajudá-lo. “Pensei: ‘Acabei de encontrar meu pai e, daqui a pouco, vou enterrá-lo’. Precisava fazer alguma coisa”, diz.
Decisão radical
Morador de Samambaia, o militar tentou convencê-lo a aceitar o tratamento, por meio do diálogo, mas Orlandino mantinha-se irredutível. Em razão do amor que passou a nutrir pelo pai, Leonardo tomou uma decisão desesperada. Chamou-o num canto e anunciou: se Orlandino queria morrer, ele iria junto. “Falei que, a partir daquele dia, ele teria um filho drogado também. Disse que iria em uma boca de fumo e usaria crack ao lado dele”, relembra.
O radicalismo do soldado fez o pai tremer. A ideia de ver um filho afundado no submundo das drogas, como ele, o fez, pela primeira vez em 30 anos de vício, considerar a hipótese de se tratar.
Aquelas palavras pareciam uma faca perfurando meu coração. Suava frio só de imaginar um filho meu no crack
Orlandino Ferreira Roque
Embora apresentasse resistência, Orlandino, residente no Guará, sabia que precisava de ajuda. A esposa já estava no limite e ameaçava romper o casamento. O salário recebido pelo marido ia quase todo para traficantes de Ceilândia. No mais avançado estágio da dependência química, ele gastou R$ 35 mil em crack, em apenas um mês. “Esse dinheiro era a minha parte da casa da minha mãe, que vendemos após a morte dela. Torrei tudo na droga”, conta.
Após o pai baixar a guarda e admitir sua drogadição, Leonardo começou a pesquisar clínicas de tratamento. Entrou em contato com várias, mas nenhuma cabia no orçamento de praça das Forças Armadas. Durante um plantão no quartel, desabafou com o chefe, um capitão do Exército. Comovido com o drama de vida do subordinado, o oficial disse conhecer uma casa terapêutica que recebe dependentes químicos sem custo algum.
Evolução no tratamento
Foi aí que Orlandino chegou à Salve a Si, situada na Cidade Ocidental. A organização não governamental (ONG) tem convênio com os governos federal, do DF e de Goiás, e fornece tratamento para quem quer se livrar do álcool e das drogas.
Há quatro meses recolhido na casa, Orlandino apresenta evolução impressionante. Entrou esquelético, com 58kg, e agora pesa 90kg. Também conta ter rememorado o gosto dos alimentos, antes inibido pela química das substâncias ilícitas.
Disciplinado, segue à risca todas as recomendações dos psicólogos e terapeutas da Salve a Si. Em abril de 2018, ele concluirá o tratamento. Longe das drogas, projeta levar Leonardo e os outros três filhos para Natal, no Rio Grande do Norte. “Quero ir para a praia com eles, curtir minha família saudável, limpo”, planeja.
Ao olhar seu nome eternizado no antebraço do pai, Leonardo pede para ele mirar o futuro. Com a sensação de dever cumprido, recorre ao gesto de solidariedade e compaixão a fim de levar esperança a milhares de pessoas que têm algum familiar nas drogas. “É difícil, mas, com amor e persistência, é possível dar a volta por cima”, assegura.