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Feminicídio: lei não é regulamentada e 200 órfãos ficam sem auxílio

De 2015 a 2023, o feminicídio deixou 331 órfãos, sendo ao menos 210 menores de idade. Com lei sancionada, nenhuma criança recebeu auxílio

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
cemitério campo da esperança
1 de 1 cemitério campo da esperança - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Três meses após sancionada a lei que poderia fazer com que 200 órfãos de feminicídio recebessem o auxílio, nenhum pagamento foi feito. A falta de repasses ocorre porque, apesar de existir uma legislação, ainda não foi regulamentada e não há sequer previsão para que isso aconteça.

Desde 1º de setembro, com a criação do Programa Acolher Eles e Ela, ficou definido o valor de um salário mínimo (R$ 1.320, atualmente) por criança ou adolescente. O objetivo é suprir as necessidades básicas dos beneficiários, como alimentação, moradia, educação, saúde e acesso a cultura e lazer.

O amparo financeiro deve ser concedido a menores de 18 anos ou em situação de vulnerabilidade até os 21 anos, residir no Distrito Federal por no mínimo dois anos e ter ficado órfão após a mãe ser assassinada pelo companheiro. Também é necessário que a criança comprove situação de vulnerabilidade.

De acordo com o Painel do Feminicídio, atualizado pela Secretaria de Segurança Pública, a cada 10 mulheres vítimas do crime, sete eram mães. Até o momento, a violência deixou 331 órfãos, sendo ao menos 210 menores de idade.

Em 2023, o DF teve o maior registro de feminicídios desde que começou a ser contabilizado em 2015. Neste ano, 32 mulheres foram assassinadas em situação de violência doméstica, o que representa 17% desde o início da lei do feminicídio.

De 2015 até 1º de dezembro deste ano, foram registrados 180 crimes do tipo. O feminicídio ocorre no interior das relações de um casal, com 74,9% das violências dentro da residência.

Na frente dos filhos

A morte da enfermeira Patrícia Pereira, 41 anos, com um tiro no pescoço foi testemunhada pelo filho do casal de apenas 14 anos. O crime ocorreu em 30 de junho deste ano e foi o 20º feminicídio registrado no DF em 2023.

Patrícia foi assassinada pelo marido, Bruno Gomes Mares, 39 anos. Ele era colecionador, atirador desportivo e caçador (CAC) e possuía duas armas de fogo e usou uma delas para assassinar a enfermeira no dia 30 de junho de 2023, dentro de casa, no Gama.

A filha de 22 anos da vítima também estava no local e presenciou a violência contra a própria mãe. Bruno fugiu e foi encontrado quatro dias depois em Luziânia. Preso, o homem vai a júri popular.

O assassinato é qualificado por motivo torpe, por recurso que dificultou a defesa da vítima, pelo fato de ter ocorrido no contexto de violência doméstica e familiar (feminicídio), e por ter sido cometido na frente dos filhos da vítima, conforme a denúncia do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)

“Me prende”

Após matar a esposa com golpes de foice, Cleidson Ferreira de Oliveira, 37, foi à  Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam 2), em Ceilândia, e se entregou. Ele teria entrado no local confessando o crime: “Me prende, acabei de matar a minha mulher”.

Anariel Roza Dias, 39, foi brutalmente assassinada em agosto deste ano e deixou quatro filhos.  A mais velha tem 23 anos; o segundo, 17; o terceiro; 7 e o caçula, 5. Pela idade dos menores, a família da vítima não conseguiu contar imediatamente para os mais novos.

Em janeiro, Anariel havia procurado a delegacia após o então companheiro agredi-la com chutes. À época, ela estava grávida de dois meses, à espera do filho do casal. A polícia não detalhou o que ocorreu com a gestação. Ele foi preso no mesmo dia do crime.

Crime premeditado

O corpo da policial civil Valderia da Silva Barbosa, 46, foi encontrado no banheiro de casa pelo próprio filho. Ela foi assassinada com mais de 64 facadas. Antes de matar a chefe de seção da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) 2, o ex-companheiro Leandro Peres sacou R$ 10 mil e fugiu para Goiás. Ele morreu em confronto com a Polícia de Goiás.

A cabeleireira Mirian Alves Nunes foi assassinada, aos 26 anos, em 2 de janeiro deste ano. Ela foi enforcada na frente da filha recém-nascida pelo marido, André Muniz, 52, dentro de casa, em Ceilândia. Com apenas um mês de vida, a bebê presenciou o pai matar a mãe. Mirian também deixou outras duas filhas de 8 e 6 anos.

Em outubro deste ano, André foi a júri popular, sendo condenado a 15 anos e 7 meses de prisão. O julgamento durou sete horas.

“Na frente da menina?”

Izabel Aparecida Guimarães de Sousa, então com 36 anos, estava no quarto, com a filha, de 8, quando Paulo Roberto chegou transtornado em casa. Testemunhas relataram à Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) que ouviram a vítima gritar: “Para, Roberto. Na frente da menina?”.

O assassino ordenou que a vítima desligasse o celular. Em seguida, vizinhos ouviram barulhos de tiro. A vendedora foi baleada na frente da garota. Após atirar na cabeça da companheira, Paulo Roberto disse à criança: “Sua mãe já era”. Logo depois, deixou o imóvel, ainda armado, em um Ford Fusion preto. Ele teria sacado R$ 3 mil de um conta horas antes de cometer o feminicídio.

Outras regulamentações

Não é a primeira lei para amparar órfãos de feminicídio que o governo deixa de regulamentar. Em fevereiro deste ano, o Metrópoles publicou a demora com o programa Órfãos do Feminicídio, já sancionada há 1 ano e seis meses, mas sem funcionar  por falta de explicar as regras.

Após mais de dois anos sem regulamentar a Lei N° 6.937/202, o GDF fez a 1ª Reunião da Rede Distrital de Proteção aos Órfãos do Feminicídio em outubro deste ano, conforme foi divulgado pela agência de notícias oficial do governo. A reunião teve o objetivo de identificar pontos críticos e avaliar medidas para garantir o cumprimento das legislações pertinentes.

Questionada sobre a demora com a lei para amparar os órfãos, a Secretaria da Mulher destacou que ” o GDF trabalha para regulamentar o quanto antes”.

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