Família Acolhedora: projeto ampara crianças em lares afetivos e temporários
Desde 2018, a iniciativa permite que menores de idade afastados da família por medida de proteção sejam acolhidos por até 18 meses em casas
atualizado
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“A missão é cuidar e fazer uma ponte para que a criança possa atravessar essa transição da melhor forma”. É assim que a bombeira militar Elisa Quezado, 43 anos, define o papel exercido por ela no projeto Família Acolhedora. O objetivo da iniciativa é oferecer um lar temporário para crianças e adolescentes do DF afastados de suas famílias biológicas por determinação judicial diante da violação de direitos.
No total, há 46 famílias habilitadas para o acolhimento dos pequenos por meio do programa. Destas, 17 estão acolhendo 20 crianças no momento. Ao todo, 77 meninos e meninas da primeira infância já passaram pelo serviço. Dessas, 52 voltaram às famílias de origem e 25 foram adotadas.
Família Acolhedora: projeto ampara crianças em lares afetivos e temporários
O projeto social entrou na vida de Elisa em 2020, após ela visitar um abrigo que a despertou o sentimento de necessidade em ajudar crianças nessa situação. “Lá, eu vi uma bebê tão pequena e voltei para casa me questionando como poderia ampará-la, pois sentia que ela precisava de cuidado individualizado”, conta.
Incomodada com a situação, a militar buscou na internet cursos de capacitação na área até que deparou-se com o projeto ofertado pelo Grupo Aconchego. Desde 2018, a instituição forma famílias que têm o desejo de acolher temporariamente crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade por medida judicial.
O Grupo Aconchego possui termo de parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) e está habilitado para capacitar e acompanhar as famílias interessadas. A Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e Juventude atua na fiscalização e também de forma propositiva para a melhoria do serviço de acolhimento familiar.
No ano seguinte após tomar conhecimento da iniciativa, Elisa inscreveu-se no curso e participou de todo o processo de formação pelo período de seis semanas. “Fui me apaixonando pela ideia de que poderia cuidar daquela criança negligenciada e levá-la para minha casa”, relembra.
Além disso, outro ponto que motivou a decisão dela em acolher voluntariamente uma criança foi a abertura dada pelo Grupo Aconchego em aceitar todas os tipos de configurações familiares. “Para mim foi ótimo porque sou solteira e moro apenas com a minha filha de 15 anos. Ela também me apoiou bastante durante esse processo e gostou da ideia”, comenta.
Foi em outubro do ano passado quando a família Quezado recebeu a notícia de que passaria pelo primeiro acolhimento: um menino de apenas 4 meses. Por ser uma criança tão nova, as responsabilidades e cuidados tiveram que ser ainda maiores, mas o amor verdadeiro foi o combustível para viver essa experiência.
“Considero transformador para nossas vidas, é uma atitude de cidadania. Você está ali preparando aquela criança e cumprindo um papel social com ela, isso te torna mais humano. É um amor verdadeiro, você vai botando na cabeça que fez a sua parte para que o bebê tivesse segurança na fase mais importante da vida dele para enfrentar o mundo”, declara Elisa.
O pequeno morou com Elisa e a filha dela por sete meses, período em que puderam criar várias memórias juntos. “Na hora em que soubemos que ele seria adotado foi natural o processo de entregá-lo. Eu estava o tempo todo sabendo o meu papel ali, de como fui importante nesse processo. Eu brinco que quero acolher mais 20 outras crianças”, diz.
Família Acolhedora
O acolhimento é uma medida protetiva para cuidado de crianças e adolescentes que precisam ser afastados temporariamente de suas famílias de origem por estarem em situações de risco social, como abandono, negligência ou abusos.
Desde janeiro de 2021, o programa é regulamentado no DF. Isso permite que os acolhidos, de 0 a 6 anos de idade, tenham a continuidade da socialização enquanto o futuro deles é decidido — se voltam aos parentes ou se seguem para adoção.
Pelo serviço, o acolhido fica na casa de uma família por um período que pode variar entre seis e 18 meses, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Na capital do país, o Grupo Aconchego é responsável há quatro anos pela formação dessas famílias. Vice-presidente da ONG e coordenadora do serviço da Família Acolhedora, Julia Salvagni detalha que a iniciativa surgiu como uma alternativa para o acolhimento institucional.
“Ao invés dessa criança ir para um abrigo ou Casa Lar, ela vai ser atendida na residência da sociedade civil. Entendemos que o ser humano precisa de vínculos para viver, principalmente se trabalhados de forma individualizada”, explica Julia.
As famílias selecionadas passam por triagem e preparo para o acolhimento temporário. São realizadas palestras explicando o serviço, em especial a legislação. Os selecionados recebem uma bolsa para ajudar com alimentação e outras despesas.
Atitude de cuidado
O servidor público Eudes Gomes Paiva, 46 anos, conheceu o projeto através da esposa, em 2020. O casal já tinha dois filhos, de 12 e 13 anos, mas resolveram lançar-se nesse processo de acolhimento.
“No final daquele mesmo ano, nós recebemos em casa uma bebê com apenas cinco dias de vida. Ela ficou conosco somente por dois meses, mas foi o suficiente para tornar a experiência marcante. A gente vê como uma atitude de cuidado e de contribuição para a nossa sociedade”, conta Eudes.
Poucos meses depois, eles acolheram outra bebê recém-nascida com quem ficaram por um ano. “Ela adaptou-se conosco, viajou, conheceu toda a família. Foi uma despedida bastante dolorosa, ainda estamos nos recuperando, mas cada um aqui em casa se preparou da sua maneira”, comenta o servidor.
De acordo com ele, o acompanhamento psicossocial do Aconchego foi fundamental nesse processo de entrega, para que a família lidasse com o desapego. “O amor que sentimos por elas é imenso. Tudo valeu a pena sabendo que simples atitudes nossas mudaram a vida dessas crianças. Felizmente, continuamos as acompanhando, mesmo que de longe, sempre nos mandam fotos”, reitera.
Desejo de ajudar
Vânia Campos, aposentada de 56 anos, é casada e tem uma filha. A família atua como acolhedora desde o início do projeto: foram parte da primeira turma a fazer a formação em Brasília, em 2018.
Aos longo dos anos, ela já realizou seis acolhimentos. O último deles, e atual, veio em dose dupla, com irmãs de 1 e 3 anos, respectivamente.
A vontade de acolher surgiu com o desejo de ajudar crianças abandonadas e violentadas, algo que causava muita indignação para a aposentada. “Cuidar dessas crianças desperta em nós sentimentos melhores, a gente se sente útil. O período em que elas mais precisaram de mim, eu estava lá”, relata.
Se depender de Vânia, ela e a família ainda receberão mais crianças em casa, pois muitas ainda precisam receber esse amor. “Enquanto tiver saúde, vou acolher. A gente sofre e chora, porque cria vínculos, mas também fica muito feliz”, conta emocionada.
Ela finaliza relembrando do poema do Grande Milênio, de Alziro Zarur: “Os filhos são filhos de todas as mães, e as mães são as mães de todos os filhos”. E acrescenta: “Se todos fossem criados com o amor de uma mãe, o mundo seria melhor”.
Curso de formação
A próxima turma de formação no programa terá início na segunda quinzena de agosto. Para tornar-se uma família acolhedora, é preciso:
- Morar no DF;
- Ter disponibilidade afetiva e emocional;
- Haver concordância de todos os membros do núcleo familiar;
- Não estar cadastrado no Cadastro Nacional de Adoção;
- Não ter antecedentes criminais;
- Comprovação de renda;
- Habilidade em ser cuidador.
Os interessados devem enviar o nome completo e número de telefone para o e-mail inscricaofa.aconchego@gmail.com ou mensagem direta no Instagram. Após o cumprimento da formação, a equipe técnica do serviço encaminha relatório de habilitação à Vara da infância e da Juventude (VIJ) e formaliza a participação da família no serviço.