Falta de planejamento, obras mal executadas e ocupação irregular aumentam estragos da chuva no DF
Segundo especialistas, falhas de gestão e ocupação desordenada do solo resultam em problemas de escoamento. Situação é cada vez mais grave
atualizado
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O morador do Distrito Federal sabe que o mês de janeiro é tradicionalmente chuvoso, com pancadas, trovoadas e até mesmo alguns pontos de alagamentos. Mas este ano o volume de água que atinge e inunda diversos pontos da cidade está deixando os brasilienses apavorados. Para engenheiros e urbanistas, os tormentos enfrentados são consequência da ausência de planejamento dos governantes e de obras mal executadas. E a tendência, caso não haja mudanças rápidas, é que a situação fique cada vez pior.
Há mais de 10 anos se anunciam obras de ampliação do sistema de captação e escoamento de águas no DF. Mas nada saiu do papel até agora. Enquanto isso, as redes existentes, construídas ao longo dos últimos 50 anos, estão saturadas e não suportam mais o volume da enxurrada em virtude da ocupação urbana e da impermeabilização do solo.O resultado são imagens nunca antes vistas em Brasília, como uma grande cachoeira formada na tesourinha da 207 Sul e alagamentos na W 3, com vias intransitáveis. Segundo o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil, a L4 Sul, a W/3 Sul, além de todas as tesourinhas do Plano Piloto se transformaram em áreas de risco, assim como a W/3 Norte e a L 2 Norte (foto do destaque).
O urbanista Frederico Flósculo aponta a falta de gestão como principal causador dos atuais transtornos. “Os governos devem diagnosticar com rigor os problemas e planejar obras e medidas eficazes para solucioná-los. Em vez disso, os últimos governadores acabaram por contribuir com a ocupação desordenada do solo, causando prejuízos para a drenagem, o saneamento e para o meio ambiente”.
O professor de engenharia civil e especialista em recursos hídricos Sérgio Koide também acredita que a urbanização sem a infraestrutura necessária acarreta problemas. “Locais como Águas Claras e Vicente Pires foram ocupados de qualquer maneira, sem seguir planejamentos urbanísticos para assegurar estruturas básicas. Por mais que sejam feitas obras para reduzir os problemas de escoamento, por exemplo, dificilmente a situação será completamente resolvida porque novas áreas vão sendo ocupadas”, explica o engenheiro.
Outro ponto colocado pelos profissionais é a má execução de obras, que contribuem para dificuldades de escoamento.
Nos útlimos 25 anos, a qualidade das intervenções de infraestrutura caíram vertiginosamente. Drenagem, iluminação, cabeamento elétrico. Nada segue mais um padrão “Brasília” de qualidade. Uma suposta economia acaba gerando mais gastos futuros.
Frederico Flósculo, urbanista
Intervenções recentes são indicadas como agravantes pelo engenheiro Sérgio Koide. “Grandes construções, como o estádio Mané Garrincha, levam a uma impermeabilização do solo. O resultado é que as águas que escoem no Plano Piloto ganham mais velocidade na descida, dificultando a absorção e acumulando em alguns pontos. Isso pode ser claramente visto na quadra 202 norte”.
Noroeste
O superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no DF, Carlos Madson, também crê que intervenções na cidade pioraram o que já era ruim. “O bairro Noroeste, chamado de ecológico, contribuiu para a impermeabilização do terreno e aumento no volume da enxurrada em outros locais, conforme estudos”, destaca.
Para piorar, o clima não tem ajudado. Segundo o meteorologista Mamedes Luiz Melo, o volume de chuvas em janeiro foi 50% maior do que a média. “O El Niño veio forte, causando tempestades”, aponta. Mas ele relembra que o fenômeno já havia sido previsto no ano passado e que medidas poderiam ter sido tomadas com antecedência.
Obras de drenagem
Segundo o Palácio do Buriti, em junho de 2015, o Governo do DF obteve um empréstimo de R$ 258 milhões referentes à segunda parcela de um financiamento feito com o Banco do Brasil. Os recursos são destinados à execução de 80 projetos em diversas regiões administrativas, incluindo obras de drenagem de águas pluviais.
Um dos projetos, o Drenar-DF, tem o objetivo de corrigir os alagamentos no Plano Piloto. A iniciativa consiste em redimensionar toda a rede de águas pluviais da região. Por meio de nota, a Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos (Sinesp) informou que “trabalha com a Secretaria de Gestão do Território e Habitação (Segeth) e o Iphan para conseguir a autorização e dar início às obras do Programa Drenar DF (antigo Águas do DF) e, assim, garantir os recursos já assegurados por meio de financiamento junto ao Banco do Brasil”.
Porém, não há perspectivas de a solução sair rapidamente, já que representantes do Iphan questionam a eficácia de algumas medidas.
“Buscamos o parecer de especialistas na área de engenharia sanitária e ambiental. Foram apontadas diversas deficiências técnicas que geram questionamentos. As bacias propostas exigem grande manutenção e devem ser harmoniosas com o ambiente. Mas não é o que está no planejamento apresentado”, explica Carlos Madson. “Assim como qualquer cidadão, queremos a solução do problema, mas consideramos que é necessário um plano adequado”, completa.
Para Koide, é possível que haja consenso entre o projeto e as intenções do Iphan: “As bacias de retenção se mostram uma boa alternativa para problemas de escoamento. Mas podem ser feitas de uma maneira mais agradável que os piscinões de concreto em São Paulo, por exemplo, concordando com os planejamentos arquitetônicos da cidade”.
O especialista ainda indica outras ações mais simples que podem reduzir os alagamentos. “Os jardins e gramados são pouco utilizados para absorver a chuva. Se eles fossem côncavos poderiam criar uma lâmina de água pelo menos 10 centímetros, atrasando o escoamento e diminuindo o fluxo da enxurrada”.
Flósculo também contribui com medidas possíveis: “A água que escorre poderia ser armazenada em cisternas e reutilizadas depois para a irrigação de gramados, jardins e hortas comunitárias. Brasília tem grande potencial de sustentabilidade”.
Mas ambos alertam: quanto mais houver demora para mudanças, mais difícil será solucionar os problemas. “Quanto mais urbanizada a área, as obras são mais complexas e caras”, aponta Koide. “Se continuar assim, os transtornos serão ainda maiores”, completa Flósculo.